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Nepotismo

por henrique pereira dos santos, em 25.10.22

Este post é um caso literal de nepotismo, porque é um dos meus sobrinhos que é o editor executivo, ou lá como se chama, da revista Crítica XXI.

Só vi o grafismo (estou de acordo com uma crítica que vi por aí de que se trata de um grafismo "velho") e li, num lanche de família em que encontrei um exemplar por ali espalhado, um artigo que pretende aproximar-se da recensão que Fernando Pessoa faria do Ulysses, de James Joyce.

A razão principal para eu ter olhado para o índice e ter escolhido ler esta recensão é o facto de eu achar que Ulysses é o livro mais chato que já li, o que me define como um evidente troglodita intelectual (a leitura ao menos fez-me bem ao ego, pareceu-me ler que Virgínia Woolf também teria achado o livro chatíssimo).

O que queria não era tanto escrever sobre o conteúdo da revista (podem assinar aqui a revista, que é trimestral e, assinando, traz consigo um livro em cada número), até por ainda não ter lido mais que o que disse acima, mas sobre dois outros aspectos.

Por um lado, parece-me relevante que a intelectualidade que não se reconhece na esquerda e no mundo woke, largamente dominante no mundo intelectual, se tenha disposto a vir a terreiro disputar a predominância intelectual da esquerda no mundo das ideias e da literatura. Veremos se tem algum sucesso nessa guerra que parecia perdida há muito.

E por outro lado, acho muito interessante o facto do primeiro número da revista ter esgotado (na verdade, acabaram por fazer mais exemplares, para satisfazer a procura, por isso a assinatura continua a valer para o primeiro número, suponho).

À crítica que vi ao grafismo "antiquado" estava também associada uma afirmação de que se tratava, manifestamente, de um projecto de nicho.

A mim também me parece um projecto de nicho, com claras motivações de guerra ideológica num campo difícil para a direita, como é o mundo da intelectualidade e da arte, mas isso não significa que eu esteja convencido de que é uma opção errada ou falhada, bem pelo contrário.

Aproveitei o tal lanche familiar para tentar perceber melhor como é o modelo de negócio da revista e o que ouvi faz sentido para mim.

Sim, o aspecto gráfico é o que é, mas o pressuposto central é o de que há uma estrutura pequeníssima, barata, que produz uma revista totalmente a preto e branco (acho que nem tem imagens, mas não tenho a certeza absoluta, o facto é que mesmo que tenha, um leitor distanciado e que a folheia, como eu fiz, não se lembra de uma única imagem), completamente focada na qualidade dos que lá escrevem e na natureza dos assuntos e ideias.

O facto do primeiro número ter esgotado e, aparentemente, não ter dado prejuízo parece demonstrar um velho princípio do comércio: uma boa venda começa numa boa compra.

Neste caso, aparentemente, a boa compra consiste num produto muito barato na produção, com uma qualidade do conteúdo que permita uma venda barata, que alarga o nicho disposto a pagar 50 euros por quatro revistas e quatro livros, num ano.

Por mim, a bem da diversidade intelectual no país, só posso ficar satisfeito que alguém se tenha disposto a fazer isto: confesso que já estou farto de carnavais cheios de cor, luz e barulho, que se limitam a repetir incessantemente mantras politicamente correctos.

São, em parte, as mesmas pessoas que fizeram o Observador, com princípios semelhantes, do que resulta um jornal com boa opinião, mas com uma redacção igual às outras, infelizmente.

The times they are a-changin', aparentemente, o pêndulo do domínio cultural pode estar a fazer o movimento reverso do que existiu nas últimas décadas.


9 comentários

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De O apartidário a 26.10.2022 às 15:47

Sem querer menosprezar o trabalho por trás dessa nova publicação tenho de dizer que tentar agora enfrentar e reverter(ou o que lhe queiram chamar) o  avanço de décadas do esquerdismo cultural e politico é quase como ir começar a construir um muro anti-tsunami quando já se deu o abalo que provoca o tsunami. 
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De O apartidário a 26.10.2022 às 16:00

Só para acrescentar que o jornal o Diabo(semanário a 2 ou 3 euros)faz esse tipo de "serviço" há décadas, estoicamente mas sem grandes resultados,e não estou a comparar pois não conheço o conteùdo dessa revista Crítica XXI. 
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De Ricardo a 28.10.2022 às 13:47

O tsunami obviamente também já aconteceu(as águas estão ainda a retroceder e a levar muita gente na corrente) , mas muitos ainda não deram por ele ,talvez por estarem em "terras altas" 

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