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Tinha prometido a mim mesmo, num ato de bom senso, não dar o meu ponto de vista sobre a solução da pandemia. Não resisto, no entanto, a fazê-lo.
O meu lado otimista lembra a possibilidade de o vírus simplesmente desaparecer das nossas vidas num futuro próximo. Penso, também, que temos que ser justos e reconhecer que tivemos sorte. Bem vistas as coisas, o vírus podia ser muito mais letal do que, aparentemente, é. Imagine-se uma taxa de mortalidade próxima de um Ébola!
O meu pesadelo é o cenário em que a epidemia e as medidas de confinamento, mais ou menos restritivas, se prolongam por meses a fio. É um pesadelo irreal, tanto mais não seja, porque as finanças públicas simplesmente não aguentariam o embate de uma economia amordaçada. A realidade é que quem não tem dinheiro, não tem vícios, nem que sejam virtuosos, como a saúde pública. Mas não sendo possível prolongar a agonia económica durante anos, é possível assumi-la durante preciosos meses.
Entretanto, politicamente, elegemos a prevenção de infecções como o objectivo inquestionável. O que é um erro. As infecções, em si mesmas, não têm qualquer importância - as vítimas mortais sim.
O confinamento, quando surgiu, foi uma resposta prudente á nossa ignorância e uma medida destinada a impedir o desastre que vimos em Itália, em que o serviço de saúde pura e simplesmente entrou em colapso, e muitas pessoas morreram por falta de tratamentos básicos. Hoje, é anunciado como o instrumento que nos impede de ficar infectados, supostamente o objectivo primordial de todas as políticas!
Apesar da nossa ainda grande ignorância, já podemos ter como certo que o vírus é sobretudo perigoso para classes muito restritas da população: os grupos de risco. Para a maioria da população, basicamente quem não seja portador de morbilidades e seja menor de 60 anos, aparenta ser relativamente benigno.
Já passaram mais de 45 dias e a experiência do SNS melhorou muito e os equipamentos disponíveis para ajudar á recuperação foram reforçados. Em breve teremos estimativas mais corretas para o número de infectados e, por isso, saberemos com mais precisão a taxa de mortalidade e a taxa de infectados que carecem de hospitalização ou de cuidados intensivos, ambas por grupos etários. Estima-se que sejam muito menores do que aquelas que são obtidas por divisão aritmética dos dados de infeções comprovadas.
No meu pesadelo, a vacina e um medicamento milagroso, como previsto pela generalidade dos especialistas, não irá aparecer tão cedo. E, como tal, só quando existir imunidade de grupo - quando todos os que tiverem que ser infectados o forem - é que acaba o coronavírus.
Com confinamentos agressivos e permanentes, o único objectivo que se atinge é uma morte lenta dos que têm que morrer. A troco de um sacrifício económico e psicológico dantesco para o resto da população - nem o pai morre, nem a gente almoça.
A solução parece simples: até ao limite da capacidade do SNS, infetar tantas pessoas e tão rapidamente quanto possível dos grupos que não são de risco, por forma a acelerar o processo de imunidade de grupo. Atingindo-se a normalidade e o fim do confinamento, para todos, com rapidez. Registando-se um número semelhante de mortes da solução estendida no tempo, mas concentrada no período de infecção. Idealmente, simultaneamente, os grupos de risco permaneceriam confinados, diminuindo-se a letalidade real do vírus, muito baixa fora dos grupos de risco.
Esta proposta, esta estratégia, não tem nada de original. Muitos foram em Portugal e pelo Mundo, os defensores deste tipo de abordagens pragmáticas. Parece, no entanto, que subsiste um enorme pudor em abandonar o discurso da saúde a qualquer preço. E o confinamento permanece como o grande instrumento ao serviço da saúde.
Mesmo o atual movimento de desconfinamento não se percebe, se não for justificado pela lógica apresentada: todos sabem que menos confinamento não vai produzir menos infecções. A falta de clareza nos propósitos arrasta as medidas que vamos vendo, em que nem se acelera o processo de infecção/imunidade, nem se restabelece o funcionamento da economia. Ainda não vi nenhuma senhora meio grávida. Com a economia é quase a mesma coisa: ou está a funcionar em pleno ou não. Caso, por grande sorte nossa, durante o processo, o vírus se extinga, melhor. Caso se descubra que a taxa de mortalidade é suportável, melhor. No entretanto não perdemos tempo em salvar a nossa saúde psicológica, nem desperdiçamos enormes recursos económicos.
Custará assim tanto assumir que nem existem meios para salvar todas as vidas, como acontece desde sempre, e que a morte não é necessariamente evitável, mesmo com os maiores e melhores esforços de qualquer sociedade?!
Será assim tão grave pôr em causa uma resposta, o confinamento, que só apareceu por pânico induzido pelo desconhecimento e por causa da incapacidade de resposta dos SNS?! E que todos os que se manifestam contra a sacrossanta inevitabilidade do confinamento, como, neste blog, Henrique Pereira dos Santos e o omnipresente André Dias, só não sejam literalmente apedrejados, graças ás medidas de confinamento social em vigor.
Será que o concurso de gradualismo e cautelas, serve verdadeiramente os interesses da população?! Será que alimentar receios injustificados da população não é uma menorização injustificada dos cidadãos a todos os títulos inaceitável?!
No outro dia li que o fim deste episódio trágico só será conseguido com investigação científica. Eu acredito que a verdadeira e mais humana solução para a pandemia serão a serenidade e o bom senso.
PS: Como já defendi, respeito o direito dos cidadãos dos grupos de risco, nomeadamente os mais velhos, a prescindirem dos benefícios do confinamento. Sendo maiores, racionais e preferindo aceitar os riscos de uma vida livre, não percebo que a sociedade tenha direito de os impedir. Apenas poderão ser avisados que, nesse caso, não terão prioridade nos tratamentos.
Também defendo que quem se queira confinar, depois do levantamento do confinamento pelas autoridades, o possa fazer. Desde que não seja subsidiado pelo Estado.
José Miguel Roque Martins
Convidado Especial*
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