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"É certo que há falta de conhecimento e de evidência científica. Mas as doenças estão cá. A Covid-19 e as outras. O SARS-CoV-2 vai ficar por aí, a moer e a matar. Logo, na ausência de prática consensual, precisa-se de Bom Senso para enfrentar a pandemia e também para o combate ao negacionismo! Para aqueles que negam a pandemia, a questão não é entre liberdades e controlo do Estado, mas entre o que parece ser efetivo e o que não é. A inação será sempre a pior resposta."
Fernando Leal da Costa tem hoje um bom artigo no Observador, que vale o tempo de leitura.
Isto não significa que concorde com o artigo, muito menos que concorde com tudo o que está no artigo, significa apenas que acho que o artigo tem informação e pontos de vista que vale a pena considerar.
Se citei o seu parágrafo final - que aliás remete para o título do artigo - é porque entre outras coisas com que não concordo, ou que não percebo, no artigo (que me parece ter contradições evidentes, como acho frequentemente nos artigos de Fernando Leal da Costa) está a ideia de que é preciso combater o negacionismo, em especial quando se pretende fazê-lo a partir de uma posição moralmente fechada "a questão não é entre liberdades e controlo do Estado, mas entre o que parece ser efetivo e o que não é".
Na raiz do meu desconforto com muito do que escreve Leal da Costa, que leio sempre com proveito, está a sua frase final neste artigo: "A inacção será sempre a pior resposta".
Esta ideia é a negação de milhares de anos de conhecimento e treino sobre a forma de lidar com a incerteza, seja na Saúde, seja na guerra, seja onde for.
Quanto maior é a incerteza, mais cabeça fria é preciso ter para fazer o mínimo possível que dê garantias de nos levar de uma posição pior para uma posição melhor, também na saúde não há almoços grátis, e o "é preciso fazer alguma coisa" traduz-se frequentemente, se aplicado de forma voluntarista a uma situação de incerteza, numa maior posição de fragilidade, quanto mais não seja porque é sempre preciso gastar recursos a fazer alguma coisa e seria bom poupá-los para quando precisarmos mesmo de fazer alguma coisa útil.
Não foram os negacionistas que nos levaram a confinamentos generalizados, brutais e com efeitos positivos mais que discutíveis, foi o facto de se pretender silenciar todas as dúvidas, com o argumento de termos de ser todos agentes de saúde pública, que nos levou a não poderar devidamente as medidas maximalistas adoptadas com base em previsões delirantes dos efeitos desta doença na sociedade.
Não são a divergência, a heresia e a dúvida, por mais erradas que sejam e por mais aberrantes que nos pareçam, que nos levam por maus caminhos, pelo contrário, é a ideia de que "a inacção é sempre a pior solução" que nos leva a acrescentar incerteza à incerteza, com efeitos desastrosos nas nossas vidas.
O uso de máscaras, de forma generalizada e mesmo ao ar livre, como defende Leal da Costa (com a ressalva de que não faz ideia se tem bons efeitos ou não, mas que acha que mesmo assim vale a pena experimentar, uma seriedade que faz valer a pena ler os seus artigos) é um exemplo concreto de como a desvalorização dos custos de uma medida nos pode levar por maus caminhos.
Os efeitos positivos das máscaras no controlo de uma epidemia estão por demonstrar, isso é claro, quer na leitura da literatura científica sobre o assunto, quer nas meta-análises da Organização Mundial de Saúde, quer na mais frágil leitura dos gráficos de evolução da epidemia quando confrontados com a adopção dessa medida em vários países.
Os efeitos negativos de uma medida desse tipo estão também por demonstrar cabalmente, mas não podem ser desvalorizados com um simples "mal não faz com certeza".
Em primeiro lugar, o uso generalizado de máscaras tem um custo, pago individualmente ou colectivamente, mas um custo, é destruição de valor. Conheço a objecção que descarta este aspecto dizendo que é um custo marginal, mas não sei onde se vai buscar essa ideia de um custo marginal quando se conhecem os milhões gastos na sua compra e disponibilização, que naturalmente não são gastos noutra coisa que poderia ser mais útil. Não comprar, a tal questão da inacção, pode ser bem mais útil se faltarem recursos para coisas bem mais importantes, como o investimento directo na protecção dos mais frágeis.
Em segundo lugar, não se pode desvalorizar o problema do medo social durante uma epidemia, é mesmo o maior efeito social de uma epidemia, ainda antes dos efeitos médicos. O facto de não haver uma resposta linear, objectiva, verificável sobre o efeito da generalização de máscaras na rua para a gestão do medo não quer dizer que essa discussão não deva ser feita. Estou convencido, puro achismo, é certo, de que a sensação de perigo generalizado e grave associado à epidemia é potenciada pelo uso generalizado de máscaras. Para os aprendizes de feiticeiro que acham que o medo é um ingrediente essencial para que as pessoas tenham os comportamentos adequados, isso é um aspecto positivo. Para mim, que tenho mais medo dos efeitos sociais de uma sociedade transida de medo que da doença, esse é um aspecto negativo que não me parece que deva ser descartado sem discussão.
Em terceiro lugar, o famoso efeito da "falsa sensação de segurança" que a OMS refere em relação ao uso das máscaras, falando no efeito secundário das pessoas que relaxam outros comportamentos de defesa mais eficazes, como lavar as mãos e manter distância física por se sentirem protegidas pela máscara, não é nenhuma história da carochinha, é um efeito real bem visível à nossa volta porque todos temos pessoas próximas que usam máscaras sociais ou cirúrgicas convencidas de que assim se protegem face a comportamentos sobre cuja segurança têm dúvidas, sem a menor noção de que esse tipo de máscaras não protegem o próprio, no máximo limitam a projecção do ar que expiramos quando respiramos, falamos, etc..
E há mais etc. nesta discussão.
A inacção, quando não existe qualquer evidência de efeito positivo de máscaras na rua e há riscos associados a efeitos secundários, pode muito bem não ser a pior resposta.
Pretender bloquear este tipo de discussões exorcizando negacionismos vários, leva-me sempre a lembrar-me deste video em que Frank Zappa insiste no que para mim é óbvio, mas não para a maior parte das pessoas: "all the complaints are about words".
Eu não vejo utilidade nenhuma em eliminar a divergência a pretexto de que defender o contrário das autoridades tem um efeito negativo na saúde pública.
A ideia de compressão de direitos individuais a favor de um bem maior, não discutível nem escrutinável por ser definido técnica e cientificamente, parecia-me uma ideia largamente repudiada, a epidemia veio demonstrar que não é assim, pelo contrário, é uma ideia muito popular e eu andei enganado estes anos todos.
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