Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Como todas as grandes figuras da história, Napoleão III foi tão paradoxal como contraditório. Para Marx era a história que se repetia como farsa, encontrando o paradoxo com a Revolução que conduzira o primeiro Napoleão ao poder. Ali, um coup d'état encerrava a República nascida dos escombros da "Primavera" revolucionária de 1848. Ao contrário do fatídico tio, ganhava na ponderação e na astúcia diplomática mais do que na incerteza da guerra. Mas sabia jogar no campo de batalha a sorte dos audazes, humilhando a Rússia na Crimeia, impondo-se à Inglaterra no Mar Negro, afastando a Áustria do jogo das potências e, por algum tempo, preservando a neutralidade Prussiana.
Diplomata hábil, soube jogar com os interesses estabelecidos, arquitectando no novo mapa dos poderes da Europa uma França robusta que vingava a desgraça da campanha russa, o fracasso de Waterloo e a ruína da Ilha de Santa Helena, onde para sempre parecia eclipsada a memória gloriosa do Império. Populista alarga o voto e faz-se plebiscitar. Em tudo é um homem moderno que sabe aliar confianças. O Segundo Império é formalmente proclamado no dia comemorativo da vitória em Austerlitz (2 de Dezembro). A simbologia política tem peso, era a revanche bonapartista, desfiando aliados nas várias fileiras, desde o velho legitimismo, auspiciando a autoridade e a ordem, aos orleanistas, que procuravam a certeza das classes-média, aos católicos que queriam apaziguar os ânimos depois das políticas anti-clericais, aos nostálgicos do Império que viam na figura robusta do príncipe a ressurreição do antigo Imperador.
Reformista põe em prática uma política de consolidação das infraestruturas económicas e produtivas, enaltece as artes e a arquitectura, impondo um estilo para sempre lembrado, o "Estilo Segundo Império". Tem opositores nas fileiras radicais do jacobinismo, nos intelectuais de Paris, no despontante anarquismo, e no socialismo utópico, empossado pela pena mordaz de Proudhon, nos republicanos que o acusam de usurpador, nos liberais que o atacam como tirano. Tocqueville é crítico determinante; ao contrário do diplomata espanhol Donoso Cortés, que ali encontrava o emissário da ordem contra a tirania das ruas, o homem providencial.
Donoso podia ali formular a sua teoria política. É a ditadura que vem de cima, consciente e iluminada, contra a ditadura de baixo, anárquica e destrutiva. Sobretudo, a Napoleão III podia-se aplicar a expressão que Oliveira Martins cunhará décadas mais tarde, um "pensamento contendo um sabre". O governo ensinará o futuro: o cesarismo como modelo, o culto da personalidade, a autoridade como princípio, a ordem e a estabilidade ao serviço do progresso, o patriotismo e o orgulho da tradição, a promoção das reformas sociais que não descura compensar as elites.
A derrota contra a Prússia e a ardilosa jogada de Bismarck em unificar o Reich determinam a sua queda, o fim do sonho imperial. A ditadura iluminada de cima acaba na ditadura ordinária, rancorosa e inconsciente das barricadas e na Comuna de Paris. É o fim de um sonho, o fim de uma era marcada por um Estadista, Príncipe-presidente, depois Imperador, um homem destinado à glória e à tragédia. Tal como o infame tio acabou no exílio, e, para os bonapartistas, acabava ali o sonho de uma grande França imperial.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.