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Napoleão III, glória e tragédia de um homem

por Daniel Santos Sousa, em 20.04.23

 

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Como todas as grandes figuras da história, Napoleão III foi tão paradoxal como contraditório. Para Marx era a história que se repetia como farsa, encontrando o paradoxo com a Revolução que conduzira o primeiro Napoleão ao poder. Ali, um coup d'état encerrava a República nascida dos escombros da "Primavera" revolucionária de 1848. Ao contrário do fatídico tio, ganhava na ponderação e na astúcia diplomática mais do que na incerteza da guerra. Mas sabia jogar no campo de batalha a sorte dos audazes, humilhando a Rússia na Crimeia, impondo-se à Inglaterra no Mar Negro, afastando a Áustria do jogo das potências e, por algum tempo, preservando a neutralidade Prussiana.

Diplomata hábil, soube jogar com os interesses estabelecidos, arquitectando no novo mapa dos poderes da Europa uma França robusta que vingava a desgraça da campanha russa, o fracasso de Waterloo e a ruína da Ilha de Santa Helena, onde para sempre parecia eclipsada a memória gloriosa do Império. Populista alarga o voto e faz-se plebiscitar. Em tudo é um homem moderno que sabe aliar confianças. O Segundo Império é formalmente proclamado no dia comemorativo da vitória em Austerlitz (2 de Dezembro). A simbologia política tem peso, era a revanche bonapartista, desfiando aliados nas várias fileiras, desde o velho legitimismo, auspiciando a autoridade e a ordem, aos orleanistas, que procuravam a certeza das classes-média, aos católicos que queriam apaziguar os ânimos depois das políticas anti-clericais, aos nostálgicos do Império que viam na figura robusta do príncipe a ressurreição do antigo Imperador.

Reformista põe em prática uma política de consolidação das infraestruturas económicas e produtivas, enaltece as artes e a arquitectura, impondo um estilo para sempre lembrado, o "Estilo Segundo Império". Tem opositores nas fileiras radicais do jacobinismo, nos intelectuais de Paris, no despontante anarquismo, e no socialismo utópico, empossado pela pena mordaz de Proudhon, nos republicanos que o acusam de usurpador, nos liberais que o atacam como tirano. Tocqueville é crítico determinante; ao contrário do diplomata espanhol Donoso Cortés, que ali encontrava o emissário da ordem contra a tirania das ruas, o homem providencial.

Donoso podia ali formular a sua teoria política. É a ditadura que vem de cima, consciente e iluminada, contra a ditadura de baixo, anárquica e destrutiva. Sobretudo, a Napoleão III podia-se aplicar a expressão que Oliveira Martins cunhará décadas mais tarde, um "pensamento contendo um sabre". O governo ensinará o futuro: o cesarismo como modelo, o culto da personalidade, a autoridade como princípio, a ordem e a estabilidade ao serviço do progresso, o patriotismo e o orgulho da tradição, a promoção das reformas sociais que não descura compensar as elites.

A derrota contra a Prússia e a ardilosa jogada de Bismarck em unificar o Reich determinam a sua queda, o fim do sonho imperial. A ditadura iluminada de cima acaba na ditadura ordinária, rancorosa e inconsciente das barricadas e na Comuna de Paris. É o fim de um sonho, o fim de uma era marcada por um Estadista, Príncipe-presidente, depois Imperador, um homem destinado à glória e à tragédia. Tal como o infame tio acabou no exílio, e, para os bonapartistas, acabava ali o sonho de uma grande França imperial.



13 comentários

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De Zé Onofre a 20.04.2023 às 19:50

Boa tarde, Daniel
Porém as armas não foram arrumadas. Continuaram a ser lustradas para voltarem a ver a luz do dia em 1914/18. 
Os impérios nunca se saciam. Sucedem-se uns aos outros, mas nos seus estertores deixam sempre o mundo ensanguentado e sementes para novos Impérios, novas guerras, ...
Zé Onofre 
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De lucklucky a 22.04.2023 às 08:49

Pode-se dizer o mesmo das revoluções...
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De mau feitio a 21.04.2023 às 07:12

Obrigada pela partilha!
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De xarneca a 21.04.2023 às 09:08

a actual Comuna de Lisboa funciona na perfeição

cantigas para hoje:
'ocê pensa que cachaça é água'
'ocê abusou'
'cheguei lá mas me esqueci do que ia dizer'
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De balio a 21.04.2023 às 09:31

O retrato que ilustra o post é notável. Mostra-nos um homem a vestir calças de mulher e com os pés em ângulo reto (mais ou menos como os de José Sócrates). O homem quererá andar em frente ou para o lado? E será castrado?
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De lucklucky a 22.04.2023 às 08:50

Calças de montar.
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De Anónimo a 25.04.2023 às 14:04

É não esquecer a cintura de vespa que ele exibe.
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De pitosga a 21.04.2023 às 14:09


Charles Louis Napoléon Bonaparte le pauvre homme. On l'attribue des actions et de la politique. Le pauvre.
Sa femme eleva Hoescht aux ciels pour avoir teint un tissu vert.
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De O apartidário a 21.04.2023 às 14:53

Por falar em "grandes" figuras. Achei muito "interessante" a recepção entusiasmada, com abraço daqueles, do ministro da defesa (?) ao sr Lula. Quando é a próxima reunião da nato? Ou com o ministro da defesa ucraniano? 
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De xarneca a 21.04.2023 às 17:00

artesa-nato
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De O apartidário a 21.04.2023 às 17:28

Evidentemente eu queria dizer ministro da defesa dos estrangeiros. 
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De João Pedro Pimenta a 23.04.2023 às 00:52

O Bonapartismo, de facto, nunca acabou, mas ganhou outros nomes e roupagens. O gaulismo é um herdeiro em linha directa. De qualquer forma, ficaram vários traços da política externa de Napoleão III, como uma viragem nas relações com o Reino Unido, que a partir daí deixou de ser inimigo. E a França, depois do desastre da guerra com a Prússia e da Comuna, voltou a ser pujante e pagou as pesadas dívidas de guerra em poucos anos. Mas realmente os sonhos imperais de Napoleão III estavam votados ao fracasso, mesmo fora da França, como se viu com a malograda aventura do imperador Maximiliano no México.
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De pitosga a 26.04.2023 às 14:17

Se o senhor de Leça  do Bailio não tivesse as costas quentes por aqui, já tinha ganho o sucesso que tinha, por exemplo, no Delito de Opinião que chamava as suas postas de "Lavouradas da semana".

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