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Não estou de acordo

por henrique pereira dos santos, em 24.05.23

Já contei esta história muitas vezes, e irei contá-la muitas mais.

Um dia fui levar uma das minhas filhas ao aeroporto porque ia com a selecção nacional de surf não me lembro para onde.

Naturalmente, havia sempre o problema do transporte das pranchas, e alguns dos pais dos outros atletas (era uma das seleções dos mais novos, foi mesmo há muito tempo) pararam carros, por minutos, junto à entrada das partidas do aeroporto, para deixar as pranchas.

Era uma operação relativamente rápida, numa zona de paragem proibida, é certo, mas que não empatava o trânsito, mas mesmo rápida ainda deu tempo para que viesse a polícia mandá-los sair dali, não tendo manifestado a menor compreensão pelo facto de se tratar da selecção nacional (era de surf, era de miúdos, mas era a selecção nacional que ia representar Portugal numa competição qualquer).

Púrpuro acaso (gosto imenso deste trocadilho, que li num livro de quadradinhos há anos), no mesmo dia, viajava a selecção nacional de futebol, a dos homens grandes, mas nesse caso não tinham de se preocupar com minudências logísticas que a polícia não queria compreender, porque viajavam enquadrados pela polícia, com cortes de trânsito, zonas especiais de chegada previamente definidas e por aí fora.

Eu sei que fenómenos sociais são fenómenos sociais e eu não os desvalorizo, bem pelo contrário, espero pacientemente que passe uma procissão, um enterro, um desfile carnavalesco ou mesmo só a festa da aldeia, na estrada mais recôndita que exista no país, sem a menor irritação, e também sei distinguir um desporto sem grande expressão social, como o surf, do peso social do futebol masculino.

O que ultrapassa a minha capacidade de compreensão é o facto desse peso social chegar ao ponto a que chega, implicando fechar a feira do livro ou cancelar 150 iniciativas dessa feira, porque há um clube qualquer que ganha um campeonato que existe todos os anos e há uns milhares de pessoas que passam a comportar-se, para comemorar essa relativa trivialidade, como donos de espaço público, ao ponto de violar a lei em numerosas circunstâncias, sabendo que o Estado se demite de exercer a sua autoridade durante um período de tempo, e um espaço, sem grandes limitações.

Se há velhos, doentes, bebés e respectivos pais que precisam de dormir, isso é irrelevante para a flagrante violação da legislação sobre o ruído, durante uma noite inteira, numa área enorme à volta do Marquês de Pombal.

Eu não compreendo, e muito menos aceito, que eu seja impedido de ir comer farturas à feira do livro pelo simples facto do Estado se declarar incapaz de, com semanas de antecedência, programar a resposta a um facto perfeitamente previsível, controlar uma multidão de pessoas que acham adequado comemorar a vitória do seu clube desconsiderando os direitos de terceiros.

É claro que num país em que o Presidente da República arranja conflitos com os deputados porque quer ir ver os jogos todos da selecção num campeonato do mundo, e em que o ministro das finanças não percebe o ridículo de aparecer de cachecol da selecção no conselho de ministros europeu que é imediatamente a seguir à conquista de um campeonato de futebol, não tenho a menor esperança de que alguém esteja com intenções de discutir a demonstração da fragilidade do Estado que é a limitação da feira do livro, só porque o Estado é incapaz de garantir a segurança pública no espaço público.



18 comentários

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De balio a 24.05.2023 às 09:58


a flagrante violação da legislação sobre o ruído, durante uma noite inteira, numa área enorme à volta do Marquês de Pombal


Uma coisa são pessoas aos gritos, eventualmente com cornetas, vuvuzelas (pior), ou buzinas (muito pior). Outra coisa muito diferente são instalações sonoras.
Na primeira festa do Benfica no Marquês de Pombal, há muitos anos, a instalação sonora ficou a debitar até passava das duas da madrugada - uma coisa indecente, inadmissível, bárbara. Na segunda festa, creio que logo no ano seguinte, a instalação sonora foi calada às 23 horas, o que me parece bastante razoável.
Eu moro perto do Marquês de Pombal. A festa não me incomoda demasiadamente, desde que não meta instalação sonora para lá das 23 horas. Noto ademais que o jogo é num sábado, para que a maioria das pessoas possa dormir até tarde na manhã seguinte.
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De henrique pereira dos santos a 24.05.2023 às 16:53

Estou a falar da lei, não da tua opinião.
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De Carlos a 25.05.2023 às 01:39

E os que não podem dormir até mais tarde? E os que não querem? E que tal a utilização dos equipamentos próprios (estádio) para esses festejos? Pode a dupla campeã de sueca (e respectivos adeptos) usufruir das mesmas excepções?
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De balio a 24.05.2023 às 10:25


Encerrar a Feira do Livro mais cedo no sábado é uma mera medida, racional, de precaução. Estimando-se como altamente provável que dezenas de milhares de pessoas se desloquem - e as pessoas têm a liberdade de se deslocar! - para aquela zona na noite de sábado, é de elementar prudência encerrar a Feira, evitando depredações e desacatos.
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De Marta a 24.05.2023 às 23:07

Ou seja, cedem os interesses de toda a gente aos de uma turba de incivilizados, independentemente do clube. Não faz sentido algum. 


Fácil: decidem o campeonato a 21, Marquês. Decidem a 27, outro sítio qualquer. 


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De anónimo a 24.05.2023 às 11:25

Cambada de putos, e não é no aeroporto.
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De balio a 24.05.2023 às 11:49


ultrapassa a minha capacidade de compreensão o facto desse peso social chegar ao ponto a que chega, implicando fechar a feira do livro



Não se fecha a Feira do Livro devido ao peso social ao futebol, mas sim devido à quantidade de pessoas que se espera que se vá deslocar para o Marquês de Pombal nessa noite. Seja qual fôr o motivo pelo qual essas pessoas decidem deslocar-se, têm o direito de o fazer.


De resto, a Feira do Livro está, na minha humilde opinião, que nem sequer a frequento, muito mal localizada naquele local, declivoso, demasiadamente soalheiro e ventoso. Ficaria muito melhor, parece-me a mim, na Alameda Dom Afonso Henriques.
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De margarida palma a 24.05.2023 às 13:19

Óptimo, como sempre. Tem toda a razão!
E que saudades eu tenho da Feira do Livro na Avenida.
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De balio a 24.05.2023 às 16:20


A Avenida da Liberdade é uma das zonas mais poluídas de Lisboa, tanto em termos de ruído como de poluição atmosférica.
Além disso, com o enorme crescimento do número de barracas na Feira do Livro, a Avenida já não tinha espaço suficiente.
Em tempos pretéritos, quando havia muito menos editoras, muito menos livros, e muito menos automóveis a circular, a Avenida foi um local aceitável. Atualmente, é inviável.
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De Jorge a 24.05.2023 às 14:35

Um clube qualquer com meia duzia de adeptos...eh eh eh
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De henrique pereira dos santos a 24.05.2023 às 16:55

ter meia dúzia de adeptos, ou meio milhão, ou seis milhões é irrelevante para o que está dito no post
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De balio a 24.05.2023 às 16:30


O Henrique Pereira dos Santos, que tanto respeito tem pelas procissões e outras festas populares, negligencia o facto de que, em qualquer ponto do país, a vitória do clube de futebol local é uma festa popular de grande importância.


Sendo o Benfica um clube da dimensão que é, é normal que a sua vitória dê azo a uma festa popular tão grande como, sei lá, a de Santo António em Lisboa, ou de São João no Porto.


Ora, na festa de Santo António até se fecha a Avenida da Liberdade - sem contar com as inúmeras violações à lei do ruído que ocorrem (ou ocorriam, há poucos anos) um pouco por toda a cidade de Lisboa, em festarolas organizadas tanto por coletividades locais como pelas próprias Juntas de Freguesia.


Tudo visto, e tendo em conta a densidade populacional das diversas zonas da cidade, parece-me a mim que o parque Eduardo 7º e a Praça Marquês de Pombal são dos sítios onde se pode permitir uma festa desta dimensão com menor incómodo para os residentes (dos quais, repito, eu até sou um).


Agora, há uma condição, claro, que é muito importante: não utilizar, de todo, instalações sonoras, ou pelo menos desligá-las às 23 horas. Porque uma coisa são pessoas aos gritos, outra muito diferente é uma discoteca ao ar livre.
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De henrique pereira dos santos a 24.05.2023 às 16:56

Conheces mal Lisboa.
Eu acho o Estádio da Luz muito mais apropriado para este fim, prejudicando muito menos gente.
Se não gostarem, podem sempre ir para Monsanto.
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De Anonimo a 24.05.2023 às 17:53

Ê uma noite de festa. Custa... mas segue. 
Também muitos refilam quando se corta a ponte para uma corrida, uma avenida para um rali ou para uma feira dos legumes do Continente. 
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De anónimo a 24.05.2023 às 19:41

"Se há velhos, doentes, bebés e respectivos pais que precisam de dormir, isso é irrelevante para a flagrante violação da legislação sobre o ruído, durante uma noite inteira, numa área enorme à volta do Marquês de Pombal."



É a falta de autoridade e bandalheira em que vivemos há 50 anos. (E que só aproveita aos que se impõem pela força aos outros. Isto inclui o "peso social do futebol masculino", que não nasceu e cresceu do nada.)
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De JM a 25.05.2023 às 07:23

Não está, nem pode estar, fico muito contente que não esteja de acordo, se estivesse seria um péssimo indicador da sua civilidade.
A qualidade geral da gestão da coisa pública é péssima há muito, o interesse geral do cidadão não é defendido, com um bocadinho de dinheiro/poder nas mãos certas tudo se consegue, tudo se atropela.

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