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Não chega já?

por João Távora, em 28.06.24

gemeas.jpg

Não gosto de publicar as minhas opiniões a quente, quando o tema esteja no alvoroço do confronto sectário que alimenta as matilhas das redes sociais, até porque na maioria das vezes a complexidade dos assuntos suscitam-me mais dúvidas que certezas. Vem isto a propósito do caso das gémeas e da discussão gerada à volta da alegada “cunha” bem sucedida, a culminar por estes dias numa comissão de inquérito potestativa subscrita pelo Chega. Desde que o “escândalo” surgiu na imprensa há uns meses, que o alvoroço me vem parecendo exagerado, mesmo percebendo o potencial aproveitamento político e jornalístico que o mesmo suscita.

Acho muito salutar que se discuta a “cunha” e as suas potenciais perversidades numa sociedade que se quer igualitária em direitos e deveres – um mito, como sabemos. Acho fundamental que a opinião pública coloque em sentido as instituições que nos representam a todos e que se pretendem credíveis. Desse modo compreendo e saúdo a insistência da comunicação social para o cabal esclarecimento do caso. Mas aqui chegados, parece-me que já todos entendemos o que aconteceu; que uma mãe desesperada com a sorte das suas filhas com uma doença rara que pode ser curada com um tratamento difícil de aceder, através de uma cunha muito influente, o filho do presidente da República (que ironia), consegue envolver o Palácio de Belém e o Governo no desbloqueio do drama.

Cunha não é crime. Certamente com mais incidência nos países latinos, a “cunha” é um recurso profundamente humano, e na sua maioria das vezes justificada, pela proximidade solidária que potencia a solução de muitos pequenos dramas na vida dos homens e mulheres, das empresas ou das instituições, feitas de pessoas, de casos particulares, dramas humanos, que se resolvem com uma palavra certa ou um recado oportuno à pessoa certa embrenhada numa estrutura impessoal, mecânica. Quem não mexe o céu e a terra para, numa urgência hospitalar de um seu ente querido, a procurar alguma pessoa sua conhecida dentro do hospital, com tanto poder quanto possível, para que tenha em especial atenção o seu caso, nem que seja para permitir uma visita inadiável fora de horas ou informação “privilegiada” sobre o prognóstico clínico? 

Tenho muitas dúvidas que a forma como André Ventura está a aproveitar este caso lhe traga dividendos políticos. A certeza que tenho é a de que não haverá nenhum dos participantes da comissão parlamentar que não tenha já pedido ou usufruído de uma cunha. Ou como escrevia há dias o Pedro Picoito no Facebook: “O que mais irrita na comissão parlamentar do "caso das gémeas" é sabermos que os bravos deputados que tão denodadamente pugnam contra a corrupção (a começar pelo Ventura) seriam capacíssimos, em idênticas circunstâncias, de meter todas as cunhas possíveis ao chefe de Estado, ao herdeiro do chefe de Estado, ao Secretário de Estado e à secretária do Secretário de Estado.”

O “Caso das Gémeas”, e por consequência aquela Comissão de Inquérito, já há muito tempo que me causa um profundo enfado, e a insistência moralista e inquisitorial de André Ventura vergonha alheia. Aceitamos que vivemos num mundo de pessoas livres e relações humanas e pessoais com todo o “erro” que isso acarreta ou pretendemos viver sujeitos a um algoritmo, verdadeiramente imparcial e equitativo?


27 comentários

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De vv a 28.06.2024 às 18:15

Há os Cunha, os Silva, os Santos....... Estaríamos a discutir o assunto se o valor fosse mais baixo????????????? 4.000.000.000,00€............Quantos portugueses teriam acesso a este Cunha???????? Se desejam os cargos, se sacrificam a sua vida pessoal pela nação e povo, sejam dignos porque tudo isto é uma vergonha. 
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De Anónimo a 30.06.2024 às 13:36

Guarda lá uns zeros, podem fazer-te falta mais tarde. Abraço.
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De Anónimo a 28.06.2024 às 18:18

«quem não chora, não mama».
Ventura parece discípulo de Stalin. o PCP fala em «CHAFURDAR».
até o Psd quer mais. basta de CHIQUEIRO (1. Recinto para criar porcos. = POCILGA, PORQUEIRA. 2. Lamaçal onde chafurdam animais. = CHAFURDA)
o Chega e outros não estão interessados no País
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De cela.e.sela a 28.06.2024 às 18:50

os deputados montaram 'indústria de entretenimento'
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De César a 28.06.2024 às 19:25

Para além do arrazoado de disparates do escriba, achei deliciosa a frase "cunha não é crime".
Vanos, desde já, retirar o art 335 do CP: os Srs Profs Eduardo Correia, Jorge Figueiredo Dias etc não percebem nada disto. 
Haja paciência....
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De Albino Manuel a 29.06.2024 às 12:04

Creio que não entende. Para um bom católico o código penal é para ser observado como Pinto da Costa (católico, parece) observa a monogamia e a indissolubilidade do casamento: un desiderio, uma aspiração. Entretanto, enquanto estamos cá em baixo, há que fazer pela vida.
O código penal deve ser isso mesmo: um salmo do antigo testamento ou um milagre do novo, menos o dos pães, que este não chega a todos. O que é incompreensível e inaceitável é pensar e ousar que os tribunais existem para aplicar a lei. Deviam saber bem que a lei é para aplicar mas tão só aos que estão sob o jugo da lei. Para os outros vale a graça e esta é mistério do Senhor.
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De João Brandão a 29.06.2024 às 18:54


Muito bem observado.


Diria mais ainda, com o estabelecimento deste instituto,  "... a “cunha” é um recurso profundamente humano ...", talvez merecesse lugar na Constituição. 
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De G. Elias a 28.06.2024 às 19:55

Pergunto ao autor do post se concorda que haja leis que regulem o acesso aos serviços de saúde e se concorda que quando alguém com poder de decisão tenta contornar esses procedimentos deve haver consequências ou se, pelo contrário, considera que o tratamento de favor é algo perfeitamente aceitável e que quem está em lugares de decisão deve poder dispor de um poder discricionário para decidir quem passa à frente de quem.
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De Anónimo a 28.06.2024 às 20:34

Gasta-se muito dinheiro mal gasto em Portugal. Muito, e ao desbarato...
Eu gostava era de saber se as meninas estão livres de perigo. Se o tratamento resultou!
Já agora, - os noticiários não informam nada sobre isto?!
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De Bic Laranja a 28.06.2024 às 22:16

Ora aqui está o ponto.
Depois, este caso não havia de existir. A existir, havia de ter sido como se não existisse. Vindo a existir, o prejuízo monta a muito mais do que o mero deve e haver da contabilidade ordinária. 
No fim só existe porque o que resta a governar este Portugal destroçado, nem contabilistas; são comadres a fingir de estadistas. 
Cumpts.
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De Anonimus a 28.06.2024 às 22:04

Cunha não é crime... ou seja, o favor só é crime quando pago. E bem pago... um jantarito não conta.
Comissões parlamentares são sessões de humilhação e nada mais, a flagelação cristã sec xxi, uma espécie de caminhada da Cersei. Confessem, às vezes tem graça,  quando são os Vieiras ou os Zuckerbergs a ir ao castigo  
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De Anonimus a 28.06.2024 às 22:08

Há um pormenor interessante: se foi tudo tão limpo e cristalino, porquê tentar esconder a coisa?
Sabe, o problema de Portugal não é a corrupção,  o crime ou o "erro", todos o fazem sem excepção,  a diferença é ninguém admitir, mesmo sendo apanhado. Se "erram", no mínimo assumam. Por cá ou não se lembram, ou já se esqueceram,  desde o artista Costa ao mariola Marcelo. Falam do Donald, mas fazem igual ou pior.
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De JPT a 29.06.2024 às 08:40

Há dois grupos para quem este texto (e os muitos outros do género) se situa entre o autista e o injurioso: uns quantos que não pedem cunhas porque acham errado, e uma imensa multidão que não as pede porque não conhece ninguém a quem pedir. É que a cunha (nas suas múltiplas variedades) é provavelmente, o último privilégio de classe e o maior factor de desigualdade social em Portugal. Assim, esta tese do “é só um cunha, quem nunca?” enferma da mesma “falta de noção” de sugerir aos descamisados comer brioches. E tem o mesmo potencial de alimentar o ressentimento e quem dele vive. 
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De JPT a 29.06.2024 às 16:22

Uma nota. A direita portuguesa é, de facto, um brinquedo nas mãos de PS. Quando este assunto dizia respeito ao Prof. Marcello e ao filho, no Público e quejandos, esta senhora era tratada como a Cercei Lannister. Assim que começou a queimar o Lacerda Salles e a enfunar o Ventura, a mesma senhora passou a ser a ser a Mãe Coragem (é ler, quem conseguir, a Ana Sá Lopes).
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De Maria Eduarda a 29.06.2024 às 10:53

No final quem nos defende é mesmo André Ventura!!!
Se a mãe queria mesmo ajudar as filhas fazia como muitos pais fazem: criam uma conta de solidariedade, juntam o dinheiro e pagam o tratamento.
Agora não se aproveitam desta maneira de um sistema que para tantos portugueses não funciona, e ainda por cima têm uma atitude arrogante mentirosa e de total desrespeito para com uma comissão parlamentar.
Eu pedi uma consulta no SNS e sabe quando é que a tenho? Para dia 13 de Novembro. 
Desculpe mas não é o André Ventura quem está mal nesta situação!
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De Francisco Almeida a 29.06.2024 às 11:15

Coincido com João Távora na religião praticada e no ideal monárquico, logo num imenso campo de valores e preferências mas, neste caso em concreto, a divergência é extensa.
Não comento nem Ventura nem os deputados mesmo os que se portaram deploravelmente no interrogatório à mãe. Um e outros não divergiram do seu habitual, pelo que, para mim, não são matéria relevante neste caso.
1. Uma questão, talvez "A Questão" foi já abordada por um Anónimo, com resposta de Bic Laranja.
Considero grave e talvez mesmo inadmissível que não seja conhecido o efeito terapêutico obtido com o tratamento. Daí resultam várias informações não confirmadas. O tratamento fôra recusado no Brasil (isto parece certo) não se sabendo se pela situação financeira da família (pelos critérios brasileiros) se por o tratamento não  ter sido medicamente considerado imprescindível, Neste aspecto a informação mais corrente. é que o tratamento minorava o mal estar das gémeas mas não eliminava nem controlava a doença. Ora não é possível ter uma opinião formada, o que implica juízos morais, sem saber se 4 milhões de euros salvaram duas vidas ou apenas pagaram o seu relativo conforto. 
2) Todos sabemos e a maioria aceita que a cunha é um dado da identidade portuguesa. Excepto em casos venais, a cunha resulta normalmente, de fortes sentimentos gregários familiares e de amizade. Assim a cunha - salvo a venal - tem origem virtuosa. No entanto, há dois valores que devem sobrepor-se. 
Em cada caso concreto, a responsabilidade. Se não existir responsabilidade e a prevaricação, apesar de conhecida, ficar impune é toda uma base da vida societária que é enfraquecida. Infelizmente, em Portugal é já um facto notório. Como lucidamente apontou Nuno Lebreiro, quem tem responsabilidade não lida com as consequências e quem lida com as consequências, não tem nem sente responsabilidade.
Neste caso ficaram conhecidas, no mínimo, um processo de nacionalização que demorou 14 dias quando o normal é entre um ano e ano e meio e a ultrapassagem na consulta no Santa Maria. Isto, pelo menos, não podia ficar impune.
Depois os prejudicados. Sendo, na esmagadora maioria um caso de soma nula, o benefício (ou o emprego) de alguém resulta sempre no prejuízo (ou no desemprego) de alguém mais merecedor ou mais antigo na pretensão.
Isto devia ser inadmissível para um cidadão e, por maioria de razão, para um cristão.
Estou habituado na minha já longa vida a encontrar-me só ou minoritário mas confesso que foi com enorme tristeza que li o presidente da Conferência Episcopal, declarar a propósito deste caso, que salvar duas vidas nunca era reprovável.
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De Anónimo a 30.06.2024 às 06:22

Gosto de o ler.
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De Manuel a 30.06.2024 às 18:36

O meu sogro é a pessoa mais crente que conheço e anda há semanas a tentar furar a fila em Santa Maria. 


Os médicos, que de manhã estão no hospital e à tarde estão na clínica privada, dizem-lhe que agora é mais difícil por causa do caso das gémeas.

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