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Mortalidade infantil

por henrique pereira dos santos, em 30.04.19

No meu post anterior, estupidamente, falo de uma coisa no texto (mortalidade infantil) e remeto para outra na ligação (mortalidade materna).

A razão para ter feito esta parvoíce reside no cansaço de estar à procura de um gráfico da mortalidade infantil que fosse mais abrangente que o habitual (que começa em 1961) e de saber que a evolução da mortalidade materna (como da generalidade dos dados de saúde ao longo do século XX) ser bastante semelhante. Mas devia ter assinalado isso.

Os comentários, para além de assinalarem, bem, o disparate, repetem, alguns, a lenga lenga do costume: mas os indicadores em 1974 eram maus, logo, o regime era mau e era responsável pelos maus indicadores económicos e sociais.

De maneira que procurei um bocado mais e neste blog encontrei o gráfico que me servia.

mortalidade infantil 222.jpg

O que é claro no gráfico é que a base de partida no início do Estado Novo era verdadeiramente miserável e que, à semelhança da generalidade dos indicadores sociais, em especial educação e saúde, não são visiveis rupturas na evolução dos indicadores de uns regimes para outros (quer na entrada do Estado Novo, quer na implantação da Democracia).

Esta ausência de rupturas na evolução dos dados é especialmente notada nos indicadores de saúde porque há uma grande componente de evolução tecnológica e científica nessa evolução, mais que na educação, por exemplo, mas também resulta do facto dos governos serem muito menos importantes do que pensam para a evolução dos grandes indicadores económicos e sociais, que dependem mais da economia, da evolução social e tecnologia que das políticas públicas.

O que me interessou nesta sequência de posts foi fazer realçar o facto da vulgata antifascista que apresenta os dados de 1974 como demonstração da iniquidade de um regime que pretendia manter o povo analfabeto e pobre é uma mistificação: a evolução do país ao longo do Estado Novo foi muito grande, quer na economia, quer no rendimento das famílias, quer no desenvolvimento tecnológico, quer na transformação social, quer na saúde, quer na educação.

Em sectores que dependem mais das políticas públicas para garantir o acesso dos mais pobres a melhores condições de vida, como na educação e a saúde, o investimento público para garantir esse acesso foi enorme (mais na educação que na saúde), demonstrando uma vontade clara do regime em alterar as condições de vida miseráveis da generalidade da população, expressa no famoso "viver como habitualmente" de Salazar, que aparece num contexto que não lhe dá o significado mais corrente (o que Salazar queria era manter tudo na mesma) mas sim como complemento da ideia expressa, na entrevista em causa, de que se pretendia um país sem miseráveis e sem grandes magnatas (aquilo a que hoje provavelmente se chamaria o reforço da classe média).

Nada do que escrevi autoriza alguém a dizer que estou a branquear o Estado Novo, a defender ideias neo-salazaristas, a justificar a ditadura pela simples razão de que estou simplesmente a desmontar mitos sobre a evolução da sociedade durante o Estado Novo para melhor se poder compreender o que se passou.

O Estado Novo era ilegítimo por não depender do consentimento expresso dos governados, repito, e isto chega para tornar qualquer regime ilegítimo, independentemente da sua performance económica e social.

Questão diferente é discutir se com mais liberdade, mais envolvimento das pessoas, mais abertura à inovação social e económica não teria sido possível ter melhores resultados. Eu acho que sim, mas é muito mais uma questão de fé nas pessoas que de dados objectivos sobre eventuais modelos alternativos de governação.

É a liberdade e os mecanismos para o seu reforço que é pedra de toque que me faz separar as diferentes formas de governo, não é o facto dos resultados poderem ser favoráveis do ponto de vista económico e social.

Mas se continuamos a falar de mistificações em vez de falar da realidade, torna-se difícil fazer melhor do que fazemos actualmente, e por isso me parece que vale a pena continuar a contestar versões fantasiosas do Estado Novo que, essencialmente, têm servido para dar legitimidade a opções que acham que os resultados podem justificar restrições à liberdade das pessoas e organizações, sob o manto, infelizmente pouco diáfano, do estatismo paternalista e desconfiado de nós em que confiamos.


16 comentários

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De Anónimo a 02.05.2019 às 13:58

“Partiu da ideia de que durante 50 anos ficou tudo igual e agora já está a dizer que é evidente que não ficou tudo igual, que foi simplesmente isso que eu disse desde o princípio.”

 

Valha-nos Deus…. De novo? Eu tenho tentado explicar que seria impossível eu dizer que ficou tudo igual. Pela simples razão de que seria impossível que em qualquer país, em qualquer regime, por mais miserável ou ditatorial que fosse, não se mudar nada em 50 anos. Eu estou é a contestar os alegados grandes ou enormes avanços. Qual foi a parte que não entendeu, senhor?

 

“os países devastados pela guerra, mesmo devastados pela guerra eram incomparavelmente mais ricos que o Portugal da mesma época, tinham um nível de desenvolvimento social muito maior, quer em educação, quer em saúde, quer em desenvolvimento tecnológico, quer em potencial produtivo”

 

E o que é que se fez em quase 50 anos para também termos isso? Era a nossa sina sermos pobres?

 

E diz o Henrique que puseram todas as crianças na escola em 30 anos? Em 1970 (1970, note bem) a taxa de analfabetismo era de 25%. O meu avô tirou, mal, a primeira classe nos anos 40 e veio a fazer o exame da terceira classe já no princípio dos anos 60 para poder tirar a carta de motorista. É o Henrique que se está a esforçar por dizer que no Estado Novo houve um enorme avanço. Eu nem reconheço esse avanço nessa época, nem nos cem anos anteriores. Na monarquia, tão incensada em certos meios, eramos o país mais ranhoso da Europa, alvo de chacota internacional. Veio depois um pequeno interregno da primeira república, 26 anos, que também não nos tirou da miséria. Mas veio depois um regime único, com governo único na prática, de quase 50 anos de quase imobilismo. Já lhe disse como era o meio rural depois desse quase meio século? Quer que lhe repita como era? Não sei se quer que repita, ponto por ponto, como era a vida na minha aldeia durante todo o Estado Novo. E diz que são relatos meus e dos meus familiares? Acha então o Henrique que vivíamos numa bolha de pobreza? Vá procurar então saber como era a vida em zonas ainda mais miseráveis, com falta até do mais básico, desde acessos, a água e eletricidade, em que crianças tinham de percorrer quilómetros, a pé, à chuva e ao sol, para ir para a escola, por exemplo, e em que ficar doente era um risco enorme. Ou de como era miserável a vida para as populações mais pobres e os desprotegidas nas maiores cidades.

O Estado Novo era um mau governo, em todos os sentidos. Como explicar isto? É cada vez mais impossível, pelo que vejo. Se o Henrique, que é adulto, não acredita, não espero que os meus netos acreditem se eu lhes tentar explicar. E pronto, ficamos por aqui. Não conto voltar ao assunto.

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De Anónimo a 02.05.2019 às 15:35

Não podia estar mais de acordo com a sua actual afirmação: "seria impossível que em qualquer país, em qualquer regime, por mais miserável ou ditatorial que fosse, não se mudar nada em 50 anos" é por isso que comentei a sua primeira afirmação: "A maior parte do mundo rural manteve-se primitiva, sem grandes mudanças, durante quase 50 anos de Estado Novo".
Se afinal disse uma coisa e queria dizer outra, óptimo, a mim também me acontece e é bom quando todos assentamos no que queríamos dizer e afinal estamos de acordo.

Uma taxa de analfabetismo de 25% em 1970 é, em primeiro lugar, uma herança de uma escolarização de 15% nos anos 20: em 1970, aqueles que nos anos 20 e 30 não puseram os pés na escola eram esmagadoramente analfabetos, penso que isso não é difícil de entender.
Obrigado por confirmar que entre o seu avô, que foi à escola nos anos 40 (ou seja, antes da generalização da escolaridade, que começou nos anos 40, mas só atingiu os números que tenho referido em meados dos anos 50, daí eu falar em trinta anos) e o seu bisavô, que provavelmente não foi à escola, há uma grande diferença, incluindo o papel que a regulamentação criada no Estado Novo (obrigatoriedade de escolaridade para acesso a algumas profissões) teve um efeito real no combate ao analfabetismo.
E se contasse a história do seu pai e da sua mãe também verificaríamos todos que foi bastante diferente da história do seu avô e da sua (embora, a custo, reconheça que as crianças iam à escola, ao contrário do que aconteceu com o seu avô).
Escusa, para manter a sua ficção, de tentar dizer que eu não reconheço a posição de país mais pobre da Europa (até a meados dos anos 60) nem a miséria e pobreza que existia, porque nunca neguei isso, limitei-me a dizer que era muito, muito menor que na primeira república e tempos anteriores (quanto à monarquia, depende de quando a considerar: até meados do século XVIII Portugal era dos países com maior PIB per capita do mundo, Lisboa teve esgotos cem anos antes de Paris ou Londres, mas em meados do século XIX já éramos o país mais pobre da Europa).
Deixe-me explicar uma coisa básica: para contestar a pobreza existente no fim do Estado Novo e atribui-lhe responsabilidades por não se ter ido mais longe, não precisa de negar a realidade histórica anterior que acaba por aparecer quando começa a contar a história concreta da sua família.
Só a verdade é revolucionária.
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De Anónimo a 03.05.2019 às 13:11

“sem grandes mudanças”. Há uma diferença entre “sem grandes mudanças” e total imobilidade. Qual é a parte que ainda não entendeu?

“em 1970, aqueles que nos anos 20 e 30 não puseram os pés na escola eram esmagadoramente analfabetos, penso que isso não é difícil de entender.”

Ó senhor, nos anos 50 ainda muitas crianças não iam à escola, cerca de metade das meninas e grande parte dos rapazes. Aliás, muitos dos rapazes que iam à recruta já nos anos 60 eram analfabetos e muitos outros praticamente analfabetos, sabendo assinar o nome e pouco mais. Se não fosse assim, não haveria no ano de 1991 ainda 11% por analfabetos.

Ah, e a “história concreta da minha família” prova que o Estado Novo era mau governo. Que o Henrique esteja a tentar provar o contrário, ainda me espanta. Não lhe gabo o esforço de argumentar que o meu avô estava melhor do que o meu bisavô, que por sua vez estava muito melhor do que o seu trisavô e por aí fora, etc. Isto chega a ser cómico, se não fosse ridículo. Como já disse, os seus padrões de civilização são de facto muito modestos. O seu texto traduzido em inglês e espalhado para ser lido lá fora, sobre os grandes e enormes avanços materiais e educativos do Estado Novo, iriam provocar espanto e riso. E pronto, agora é que me vou de vez. 

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