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Monchique, eucaliptos e espantalhos

por henrique pereira dos santos, em 06.08.18

O grande fogo de Monchique, que anda, neste momento, pelos 15 a 20 mil hectares ardidos, foi anunciado de várias maneiras e feitios.

Andou a ser anunciado como um inevitabilidade nos últimos meses, Monchique foi identificado como o concelho de maior risco de incêndio por José Miguel Cardoso Pereira e a sua equipa de investigação, foi anunciado dias antes por Paulo Fernandes, foi anunciado por Carlos da Câmara, resumindo, todas as pessoas que verdadeiramente estudam os fogos em Portugal tinham identificado a inevitabilidade deste fogo e, quando as condições meteorológicas se começaram a desenhar no horizonte, com uma quase inacreditável precisão, previram quando iria acontecer.

Paulo Fernandes, numa das primeiras fases do fogo, reagindo à expressão usada pela Protecção Civil "o início do fogo foi explosivo", escreveu, com seis ou sete horas de antecedência, que ir-se-ia ver o que era ser explosivo se não agarrassem o fogo até às sete horas da tarde desse dia, como realmente não aconteceu, dando origem à noite mais complicada em Monchique.

Apesar disso, o coro de vozes que se levanta sempre a prometer "matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem" para usar a fantástica caracterização que Caetano Veloso fez dos reaccionários que o assobiavam num festival, lá apareceu com o espantalho da moda: é o eucalipto, o problema é o eucalipto.

Saltemos por cima da hipótese de Henk Feith (tanto mais que o próprio a apresentou como uma mera hipótese não confirmada): "Até ontem à hora de almoço arderam 2 500 ha, em 48 horas, o que dá numa média de 52 ha/ hora. Desde então arderam estimadamente mais 15 mil ha, que dão uma média de 625 ha/ hora. O que se passou então. Na minha modesta opinião: o fogo andou nos primeiros dois dias nos densos eucaliptais a Norte de Monchique. Depois passou para sul da estrada para Alferce e entrou no esteval seco que caracteriza a área até Odelouca. Daí a diferença de velocidade do fogo: bosques densos e mais humidos de eucalipto contra vegetação arbustiva seca". Antes de passar adiante, notemos que Paulo Fernandes confirma a razoabilidade da hipótese: "O simples facto do fogo mudar de floresta para matos duplica a velocidade do vento que actua sobre a chama e reduz a humidade do combustivel".

Mais que isso, perante um coro de alucinados eucaliptofóbicos que nunca estudaram o assunto, mas que não têm qualquer dúvida em qualificar os melhores investigadores do assunto como ignorantes, o próprio Paulo Fernandes confessa a sua dificuldade em responder a argumentos absurdos, filhos do atrevimento da ignorância:

"O comportamento do fogo, no que toca à vegetação, depende globalmente da estrutura e da quantidade de combustível. A composição em árvores é pouco, por vezes nada, influente. Isto está tão bem estudado, descrito, modelado e constatado empiricamente que até me custa responder. Vendo isto a outra escala não há um único estudo que mostre que os incêndios em Portugal são maiores ou mais severos por causa do eucalipto".

Mas ainda que tudo isto seja do mais claro, mesmo pessoas que antes explicavam que Monchique não tinha ardido como ardeu Pedrogão no ano passado por causa da maior presença de sobreiro, azinheira e outras autóctones, em mosaico, insistem que basta olhar para o mar de eucaliptos de Monchique para ser evidente que o fogo de Monchique resulta, na sua velocidade e violência, do excesso de eucalipto.

O facto de em 1966, em que Monchique quase não tinha eucalipto, ter ardido tanto ou mais que neste último fogo, o facto de ter ardido larga e violentamente em 1983, 1991, 2003 e, agora, em 2018, independentemente da cobertura florestal e dentro do que é previsível para a região (um retorno do fogo em torno de 15 anos), o facto de em 2004 e 2012 ter ardido violentamente o Caldeirão (mais ou menos 80% em sobreiro no primeiro, e dominantemente em sobreiro se considerarmos a árvore dominante, mas sobretudo esteva, no segundo), não demove o coro da alucinação eucaliptofóbica que tem dificuldade em perceber que se arde em Monchique, que tem muito eucalipto, arde eucalipto, mas que se arde no Sabugal (como no ano passado), que tem muito carvalhal, arde carvalhal.

Lembro-me bem do grande fogo (sobretudo em pinhal) de Macinhata do Vouga, em 1972, de que se culpou o comboio a vapor do vale do Vouga.

Lembro-me bem do Verão de 1975, em que o PC culpava a reacção e a reacção culpava o PC do ano especialmente difícil no que diz respeito a fogos (o primeiro verdadeiramente generalizado, mais ou menos quinze anos depois de iniciado o grande abandono dos anos sessenta, sinalizando a progressiva acumulação de combustíveis daí resultante).

Mais tarde o espantalho eram os negócios dos madeireiros (um clássico que continua com indefectíveis defensores, como José Gomes Ferreira, que ainda hoje fala disto com a mesma fundamentação com que um dos meus filhos me falava de um urso que lhe desarrumava o quarto).

Depois eram os negócios imobiliários, espantalho que deu origem a uma grande quantidade de legislação sobre a impossibilidade de construir em áreas ardidas.

Os incendiários são outro clássico, hoje um pouco desvalorizados, ao fim de anos e anos de investigação da Polícia Judiciária concluírem que não encontra motivações económicas relevantes nas acções dos incendiários.

Actualmente o espantalho mais vulgar é o eucalipto.

É um espantalho conveniente (como os outros), porque evita qualquer necessidade de informação e trabalho intelectual (quem se arriscar, como faço neste post, a dizer que a ligação entre fogos e eucalipto é uma treta, é porque é um vendido aos interesses económicos, argumentação sempre com muitos adeptos) e, sobretudo, evita a discussão difícil e que exige decisões políticas complicadas.

Enquanto andamos nisto, de espantalho em espantalho, escusamos de discutir o essencial do que temos a fazer: pagar a gestão de serviços ambientais que possam trazer gestão para onde ela faz falta, limitando os efeitos da raiz do problema, a ausência de gestão que permite a acumulação insensata de combustíveis.

Adenda: Ontem, no longo período em que escrevi este post, a protecção civil falava insistentemente, ao início da tarde, em ter 95% do perímetro dominado. Ao mesmo tempo, pessoas como Emanuel Oliveira, ou Nuno Gracinhas Guiomar, iam respondendo à perplexidade das pessoas que, não sabendo muito disto, como eu, mas tendo um bocadinho de informação estruturada que vão coligindo, queriam saber o que era isso de ter 95% do perímetro controlado: não liguem a informação desse tipo, é típico dizer-se no princípio do dia que os fogos estão a evoluir favoravelmente e a ceder ao combate, na parte da manhã e, depois do almoço, falar-se em violentos reacendimentos em consequência de mudança de ventos. Q.E.D., o resto do dia e da noite.


3 comentários

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De pitosga a 07.08.2018 às 21:48

Henrique Pereira dos Santos, gabo-lhe a pachorra de elucidar a ralé. Para mim, um rafeiro nestas matérias (inflamáveis), tem sido um Mestre muito acessível. Compete-me agradecer-lhe.
Como durante 47 anos andei a tentar ensinar uma ralé universitária, sei o que isso vale. ZERO.
Que sempre o fiz com muito prazer é a verdade. Agora, reconheço que foi esforço estéril. Mas fi-lo e não me recrimino!

Permita um abraço,
ea
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De Anónimo a 08.08.2018 às 07:05

Lamento que a sua erudição HPS sirva para insultar outros que não têm a sua douta opinião.
Virgílio Ferreira Dias
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De Henrique Pereira Dos Santos a 08.08.2018 às 09:19


Não entendo o seu comentário porque não vejo no texto qualquer insulto a ninguém em concreto.
Pelo contrário, eu sou regular e frequentemente insultado por boa parte das pessoas que acham inadmissível eu citar o conhecimento produzido pela investigação sobre o assunto, em vez de repetir as ladainhas mal fundamentadas que acham que qualquer pessoa de bem deve repetir ao almoço, ao jantar e ao deitar

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