Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Moinhos de vento

por henrique pereira dos santos, em 09.06.20

Desde quase o início desta pandemia que um grupo inicialmente muito pequeno de pessoas disse que era um absurdo tomar medidas não farmacêuticas radicais para conter uma epidemia.

Em Portugal, esta posição foi primeiro assumida por Jorge Torgal, que foi publicamente desautorizado (ele e todo o Conselho Nacional de Saúde Pública) e, desde então, afastou-se do debate, acabando por ser André Dias, um não especialista em epidemiologia mas com trabalho científico muito próximo com o assunto, a servir de saco de pancada dos ortodoxos do confinamento, à conta das suas opiniões cautelosas em relação a medidas radicais de confinamento sem objectivo definido e sem evidência empírica de utilidade.

O medo generalizado, insuflado a partir do secretário-geral da OMS, a cobardia do jornalismo que desistiu do escrutínio dos poderes públicos e da contextualização da informação emocionalmente comprometida e a complexa teia de medos de vírus e de carreiras dentro da academia, criou um caldo de cultura em que limitar-se a ter dúvidas sobre a bondade das abordagens maximalistas de confinamentos variados passou a ser considerado uma psicopatia.

Um bom exemplo de como a ortodoxia se manifesta, é este podcast do Obervador, com Ricardo Mexia, sistematicamente apresentado como Presidente da Associação dos Médicos de Saúde Pública, sendo mais raramente referido o facto de trabalhar no Instituto Ricardo Jorge, exactamente no departamento de epidemiologia, o centro da ortodoxia da abordagem política da crise. É extraordinária a forma como liga os números de casos de Lisboa e Vale do Tejo ao desconfinamento, e ao ser confrontado com o facto de na zona Norte o desconfinamento ter sido mais real e haver menos casos, se limite a dizer que lhe importa apenas olhar para os casos de Lisboa e Vale do Tejo, tal como é extraordinária a forma como fala da necessidade de medidas mais musculadas, que não consegue concretizar nem fundamentar.

O que é relevante é distinguir o que deve ser distinguido:

1) de um lado os que partem do princípio de que não sabemos grande coisa do vírus e que isso justifica uma abordagem super cautelosa, sempre assente no pior cenário, incluindo nessa definição de pior cenário modelações teóricas grosseiras e sem qualquer relação com a realidade, esquecendo quaisquer efeitos negativos das medidas loucas tomadas, quer no aumento desmesurado da pobreza - que mata muito mais que a epidemia -, quer mesmo nos efeitos na saúde pública que não diga respeito à covid;

2) de outro lado os que partem do princípio de que desconhecimento e incerteza não são a mesma coisa e que o razoável é uma abordagem que parta do princípio de que esta epidemia se comportaria essencialmente como qualquer outra, adoptando-se as medidas comprovadamente eficazes de contenção - lavar mas mãos, etiqueta respiratória, desinfecção de superfícies e isolamento de doentes - e sem grandes custos sociais, desenvolvimento de modelos de acompanhamento da evolução tão eficazes quanto possível para permitir detectar desvios da evolução em relação ao previsto e adaptar as medidas de contenção à nova informação, e nunca tomar medidas com impactos negativos certos e de grande dimensão, sem uma razoável probabilidade de se estar perante uma situação que as justificasse.

A generalidade das pessoas envolvidas no segundo grupo, e com alguma formação na área, sempre foram apresentados cenários alternativos de evolução cheios de ses e talvez, pelo contrário, o secretário geral da Organização Mundial de Saúde ainda esta semana continua a falar de uma epidemia que está sempre a piorar, à semelhança do que tem feito a ortodoxia da abordagem maximalista de confinamento.

O tempo se encarregará de demonstrar quem tem razão, mas não deixa de ser relevante o que esta responsável da OMS diz no primeiro video que está nesta notícia e que, note-se, não corresponde a uma verdadeira novidade, é o que a OMS tem escrito nos seus documentos oficiais (ainda no meu último post fiz a ligação para as recomendações sobre máscaras em que está dito, preto no branco, que não há grande evidência de contágio a partir de pessoas assintomáticas).

Aliás, o mais relevante nem é o que diz esta responsável pela OMS, nem o que dizem os documentos oficiais da OMS sobre o contágio da doença, o mais relevante é a ortodoxia continuar empenhada a combater moinhos de vento e ter o apoio generalizado da imprensa para andar à procura de assintomáticos que raramente infectam alguém.

Esteja onde estiver, Cervantes lamentar-se-á, com certeza, por não viver neste tempo.


36 comentários

Sem imagem de perfil

De Luís Lavoura a 09.06.2020 às 15:40

O Henrique Pereira dos Santos continua a batalhar uma batalha que, basicamente, já terminou.
A questão agora não é se o confinamento deve ou não ser imposto, mas sim como é que havemos de fazer para que o confinamento termine.
O facto é que grande parte das pessoas permanece confinada, recusando-se a sair de sua casa, e grande parte das empresas permanece em boa parte em teletrabalho - não por obrigação, mas por opção.
E isso causa prejuízos maciços a vastos setores da economia - embora seja benéfico para o ambiente.
A questão atualmente relevante é, em minha opinião, se e como devemos incentivar as pessoas e as empresas a abandonar o teletrabalho e a regressarem ao trabalho presencial.
Imagem de perfil

De henrique pereira dos santos a 09.06.2020 às 19:05

Já terminou? Espera pela próxima epidemia e logo vemos se terminou

Comentar post



Corta-fitas

Inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios.

Contacte-nos: bloguecortafitas(arroba)gmail.com



Notícias

A Batalha
D. Notícias
D. Económico
Expresso
iOnline
J. Negócios
TVI24
JornalEconómico
Global
Público
SIC-Notícias
TSF
Observador

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • Hugo

    A confiança constrói-se. Já se percebeu com quem M...

  • Filipe Bastos

    Perante resposta tão fundamentada, faço minhas as ...

  • Filipe Bastos

    O capitalismo funciona na base da confiança entre ...

  • anónimo

    "...Ventura e António Costa são muito iguais, aos ...

  • lucklucky

    Deve ser por a confiança ser base do capitalismo q...


Links

Muito nossos

  •  
  • Outros blogs

  •  
  •  
  • Links úteis


    Arquivo

    1. 2024
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2023
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2022
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2021
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2020
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2019
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2018
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2017
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    105. 2016
    106. J
    107. F
    108. M
    109. A
    110. M
    111. J
    112. J
    113. A
    114. S
    115. O
    116. N
    117. D
    118. 2015
    119. J
    120. F
    121. M
    122. A
    123. M
    124. J
    125. J
    126. A
    127. S
    128. O
    129. N
    130. D
    131. 2014
    132. J
    133. F
    134. M
    135. A
    136. M
    137. J
    138. J
    139. A
    140. S
    141. O
    142. N
    143. D
    144. 2013
    145. J
    146. F
    147. M
    148. A
    149. M
    150. J
    151. J
    152. A
    153. S
    154. O
    155. N
    156. D
    157. 2012
    158. J
    159. F
    160. M
    161. A
    162. M
    163. J
    164. J
    165. A
    166. S
    167. O
    168. N
    169. D
    170. 2011
    171. J
    172. F
    173. M
    174. A
    175. M
    176. J
    177. J
    178. A
    179. S
    180. O
    181. N
    182. D
    183. 2010
    184. J
    185. F
    186. M
    187. A
    188. M
    189. J
    190. J
    191. A
    192. S
    193. O
    194. N
    195. D
    196. 2009
    197. J
    198. F
    199. M
    200. A
    201. M
    202. J
    203. J
    204. A
    205. S
    206. O
    207. N
    208. D
    209. 2008
    210. J
    211. F
    212. M
    213. A
    214. M
    215. J
    216. J
    217. A
    218. S
    219. O
    220. N
    221. D
    222. 2007
    223. J
    224. F
    225. M
    226. A
    227. M
    228. J
    229. J
    230. A
    231. S
    232. O
    233. N
    234. D
    235. 2006
    236. J
    237. F
    238. M
    239. A
    240. M
    241. J
    242. J
    243. A
    244. S
    245. O
    246. N
    247. D