Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Mediocridade

por henrique pereira dos santos, em 08.03.21

Uma das coisas mais estranhas que o debate público sobre a epidemia tem trazido à superfície é a mediocridade das elites da nação.

Henrique Barros fala dez minutos na Sic Notícias, diz coisas que me parecem de meridiano bom senso, mas que me parece normal que outras pessoas achem outras coisas e o contestem.

Henrique Oliveira, abundantemente ouvido na imprensa como especialista na epidemia não contesta um único dos seus argumentos, limitando-se a dizer: "Vou dizer isto com muita calma. O Henrique Barros não sabe nada disto". Na sequência, outra pessoa frequentemente ouvida sobre a epidemia a título de especialista acrescenta: "Tanta estupidez junta num momento tão perigoso. Dizer que agora se pode abrir mais depressa do que em Maio, quando o Rt está a subir e vai em 0,92!". Neste comentário já há um esboço de argumento, mas assente num valor de R(t) que é calculado pelo próprio e que está bastante longe do R(t) que todas as semanas o Instituto Ricardo Jorge publica, diferença que já antes tinha motivado comentários destes dois especialistas sobre a incompetência das pessoas que trabalham no Instituto Ricardo Jorge.

Ainda na sequência, uma deputada - Sandra Pereira - que tinha estado numa audição sobre a epidemia a quatro especialistas em análise de dados, pergunta: "Quem é o Henrique Barros???!!!".

Pois bem, cara Sandra Pereira, Henrique Barros é o presidente do Conselho Nacional de Saúde e investiga epidemias há um ror de anos, ao contrário destes analistas de dados que descobriram há um ano o que era uma epidemia.

Com todos os cuidados nas comparações entre os h-index de investigadores de diferentes áreas científicas, a melhor resposta à sua pergunta está num outro comentário que li por aí: "Um matemático com 18 publicações e h-index=5 diz que um epidemiologista com 572 publicações e h-index=52 é "ninguém" [esta observação não é rigorosa, o que o matemático diz é que o epidemiologista não percebe nada de epidemiologia, quem diz que é ninguém é a senhora deputada] no que toca a epidemiologia. Um outro matemático com CV apenas um pouco melhor que o 1º acrescenta "tanta estupidez"".

Isto não passaria de uma típica conversa de porteiras, frequente numa academia tão endogâmica como a portuguesa e relevante num processo político em que o principal critério de escolha de pessoas é o da menor capacidade possível para fazer ondas, que o mesmo é dizer que até se permite que as pessoas pensem, desde que daí não tirem grandes ilações práticas.

Onde esta mediocridade (que existe em todas as sociedades e grupos) atinge o seu esplendor é numa imprensa que, sistematicamente, tem criado especialistas em epidemias com o mero acto de lhes fazer perguntas cujas respostas não sabe escrutinar e avaliar.

Basbaques esmagados com a referência à segunda derivada como explicação para o inexplicável, a nossa imprensa tem sido fértil em criar destes especialistas de aviário cuja principal qualidade é falar com toda a segurança sobre matérias complexas que desconheciam até ao dia anterior.

A falta de nível dos comentários que transcrevi acima não é o problema, é apenas o sintoma de uma mediocridade das nossas elites fulanistas e tremendistas, em que a capacidade de liquidar adversários com comentários pessoais é um activo muito mais valioso que a dúvida metódica, a humildade perante a complexidade dos processos naturais e sociais ou, citando Camões, o "honesto estudo com longa experiência misturado".

A nossa pequenez de espírito, a nossa miséria social, não são azares, são o resultado natural da permanente promoção da mediocridade endogâmica das nossas elites.

Deste ponto de vista, não admira que as nossas elites achem normal manter escolas fechadas "até à Páscoa" sem nenhuma razão sanitária para isso, uma das maiores ameaças ao estatuto desta gente é mesmo a existência de elevadores sociais eficientes e oleados, assentes em processos justos e equilibrados de acesso de todos à educação.

Adenda: muito obrigado ao Observador por fazer a demonstração prática do post, demonstrando o efeito que tem esta mediocridade mal escrutinada


12 comentários

Perfil Facebook

De Antonio Maria Lamas a 08.03.2021 às 09:18

Como diz o Rui Calafate, Portugal é um país de ESPONS
(especialistas em porra nenhuma)

Comentar post



Corta-fitas

Inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios.

Contacte-nos: bloguecortafitas(arroba)gmail.com



Notícias

A Batalha
D. Notícias
D. Económico
Expresso
iOnline
J. Negócios
TVI24
JornalEconómico
Global
Público
SIC-Notícias
TSF
Observador

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes


Links

Muito nossos

  •  
  • Outros blogs

  •  
  •  
  • Links úteis


    Arquivo

    1. 2025
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2024
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2023
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2022
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2021
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2020
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2019
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2018
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    105. 2017
    106. J
    107. F
    108. M
    109. A
    110. M
    111. J
    112. J
    113. A
    114. S
    115. O
    116. N
    117. D
    118. 2016
    119. J
    120. F
    121. M
    122. A
    123. M
    124. J
    125. J
    126. A
    127. S
    128. O
    129. N
    130. D
    131. 2015
    132. J
    133. F
    134. M
    135. A
    136. M
    137. J
    138. J
    139. A
    140. S
    141. O
    142. N
    143. D
    144. 2014
    145. J
    146. F
    147. M
    148. A
    149. M
    150. J
    151. J
    152. A
    153. S
    154. O
    155. N
    156. D
    157. 2013
    158. J
    159. F
    160. M
    161. A
    162. M
    163. J
    164. J
    165. A
    166. S
    167. O
    168. N
    169. D
    170. 2012
    171. J
    172. F
    173. M
    174. A
    175. M
    176. J
    177. J
    178. A
    179. S
    180. O
    181. N
    182. D
    183. 2011
    184. J
    185. F
    186. M
    187. A
    188. M
    189. J
    190. J
    191. A
    192. S
    193. O
    194. N
    195. D
    196. 2010
    197. J
    198. F
    199. M
    200. A
    201. M
    202. J
    203. J
    204. A
    205. S
    206. O
    207. N
    208. D
    209. 2009
    210. J
    211. F
    212. M
    213. A
    214. M
    215. J
    216. J
    217. A
    218. S
    219. O
    220. N
    221. D
    222. 2008
    223. J
    224. F
    225. M
    226. A
    227. M
    228. J
    229. J
    230. A
    231. S
    232. O
    233. N
    234. D
    235. 2007
    236. J
    237. F
    238. M
    239. A
    240. M
    241. J
    242. J
    243. A
    244. S
    245. O
    246. N
    247. D
    248. 2006
    249. J
    250. F
    251. M
    252. A
    253. M
    254. J
    255. J
    256. A
    257. S
    258. O
    259. N
    260. D