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Mea culpa

por henrique pereira dos santos, em 29.11.24

O jornal Expresso (Isabel Leiria e Joana Pereira Bastos, não conheço) titula que Fernando Alexandre fez um mea culpa, eu leio a notícia e acho que Fernando Alexandre admite erros e, explicitamente, recusa fazer qualquer mea culpa.

“Lamento ter apresentado aquele dado. Obviamente que, se tivesse o conhecimento que tenho hoje das fragilidades dos sistemas de informação, não teria quantificado o objetivo [redução de 90%] por referência aos elementos do ano passado. Mas não me parece que tenhamos de pedir desculpas", dizem as jornalistas que disse Fernando Alexandre, ou seja, explicitamente recusa qualquer mea culpa.

E com razão, quem deve um mea culpa aos leitores são os jornalistas.

Fernando Alexandre comete dois erros, o primeiro, ter usado valores de referência que não foram solidamente verificados, o segundo, de que decorre o primeiro, foi ter confiado excessivamente nos serviços do ministério da educação.

Aparentemente, não há, neste Governo, uma consciência clara do que é hoje a administração pública portuguesa, que há anos é gerida por pessoas que não fazem ideia do que andam a fazer, porque saem directamente dos bancos da escola para as juventudes partidárias, daí para os gabinetes dos governos, daí para os cargos governamentais (na melhor das hipóteses, como nos casos de Fernando Alexandre ou Joaquim Sarmento, duas pessoas deste governo por quem tenho muita consideração (e que uso apenas como exemplo dos melhores), têm carreiras académicas sólidas, com ligações mais ou menos breves com o dia a dia da administração pública geral). A actual Secretária de Estado da Administração Pública não tem o curriculum que descrevi acima, é especialista em gestão de recursos humanos em contexto empresarial, e nunca trabalhou na administração pública.

O governo, aparentemente, desconhece o estado de decomposição da administração pública, com chefias de topo e, sobretudo, intermédias, cujo traço mais frequente é o apreço (na melhor das hipóteses, a complacência) pela mediocridade, de que resulta um convívio tranquilo com o lero, lero habitual dos documentos de gestão (comando e controlo, incluindo avaliação e auditoria) de que dou este exemplo, apenas por estar à mão: "À questão "1.2 É efetuada internamente uma verificação efetiva sobre a legalidade, regularidade e boa gestão?", o relatório, exultante com o êxito, responde: "A verificação tem lugar no quadro da segregação de funções que é assegurada pelas diversas unidades orgânicas no quadro das suas ações em cada momento dos processos que se interpenetram e reforçam o cumprimento dos princípios de legalidade, economia e eficiência, regularidade e boa gestão. A atuação do Gabinete de Auditoria e Desempenho, bem como os diversos normativos existentes nas áreas de suporte e nas áreas operacionais, contribuem para o processo de verificação, tendo decorrido em 2020 uma ação de auditoria interna, embora não tenha sido concluída".

A pouca e má informação de gestão que é produzida está centrada na captação de financiamento, sobretudo comunitário, e na garantia de que os dirigentes não são responsabilizados por coisa nenhuma.

Na peça que dá origem a este post, João Costa não poderia ser mais elucidativo: "“Todos os dados têm de ser vistos com muito cuidado para não se partir para declarações bombásticas que não estejam devidamente sustentadas. O meu tempo como ministro da Educação ensinou-me isto”, começa por dizer, corroborando a fragilidade dos sistemas de informação do ministério".

Não posso deixar de notar a diferença entre um politiquinho cuja única preocupação é defender a sua imagem pública (o problema da fragilidade dos sistemas de informação não é o facto de isso conduzir a má gestão, é resultar em declarações políticas mal sustentadas) e um responsável que, como Fernando Alexandre, tendo sido surpreendido pela fragilidade da informação que lhe é prestada, não atira responsabilidades pelo seu erro para terceiros, e diz que vai fazer uma auditoria a esse sistema de produção de informação.

O erro do governo anterior é estar-se nas tintas para a qualidade da gestão em políticas públicas, focando-se na capacidade de produzir declarações políticas favoráveis, o erro deste governo é acreditar que a administração pública, hoje, desempenha os serviços mínimos que lhe são exigíveis.

O erro dos jornalistas é fazerem uma manchete com declarações de Fernando Alexandre e só depois, em função das críticas da oposição, se dedicarem a verificar a solidez do que disse Fernando Alexandre.

Se, de forma sistemática, nomeadamente nos oito anos de António Costa, um especialista em declarações políticas que prometem amanhãs que cantam, sem se preocupar minimamente em concretizar o futuro anunciado, os senhores jornalistas questionassem as declarações políticas, coligissem informação, confrontassem os políticos com a informação objectiva ou mesmo com a ausência de informação objectiva que possa fundamentar o que os senhores políticos dizem, a política em Portugal teria muito melhor qualidade, e as políticas públicas seriam muito mais que anúncios sistemáticos de milhões para isto e aquilo.

Mea culpa, sim, mas por parte dos senhores jornalistas, seria um primeiro passo.


8 comentários

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De Anónimo a 29.11.2024 às 10:06

Se não sabe como é a administração pública está no cargo errado. Pode não saber cozinhar ou navegar à vela por ex., mas tem de saber fazer o seu trabalho.
Acreditar que por artes mágicas os problemas desaparecem com 90% de redução de qualquer indicador numa estrutura tão grande como o Ministério da Educação é não perceber nada de nada.
Não se pode usar como justificação para uma asneira dizer que outros fazem  asneiras maiores.
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De henrique pereira dos santos a 29.11.2024 às 12:01

Por acaso reduziu em dois terços, não se pode considerar um mau resultado.
A sua ideia é a de que só governantes perfeitos servem, que seja melhor que o anterior é inaceitável, é isso?
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De Fernando Antolin a 29.11.2024 às 14:41

Louvo a sua, aparentemente, inesgotável paciência, na denúncia daquilo em que se tornou a quase totalidade do nosso dito jornalismo.
Vou continuar a segui-lo com todo o interesse, apanhando aqui e ali algo mais que me informe, a leitura/visão do alegado jornalismo, receio que me desgaste em demasia a pilha do pacemaker, colocado fez ontem um ano.
Cumprimentos 
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De O apartidário a 30.11.2024 às 11:28

Tenha cuidado com a sua saúde pois o alegado jornalismo não vai melhorar. 
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De Fernando Antolin a 30.11.2024 às 14:43

Agradeço a sua atenção e seguirei o conselho, é ver as coisas devagarinho 
Abraço 
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De Francisco Almeida a 30.11.2024 às 12:52

Em 1974/75 trabalhei no Departamento de Estrangeiro de um grande banco comercial. Dadas as quantias envolvidas, a volatilidade legal e cambial, era um trabalho exigente pois um dia a atrasar um processamento, podia representar muitos contos de réis. Como evidente, a supervisão dos processos, começando no bom senso na sua distribuição era crucial. 
Pouco depois da nacionalização decorrente do 11 de Março, o chefe foi para a prateleira e foi nomeado um comunista que "nunca tinha sido promovido no tempo do fascismo". Ora no tempo do fascismo, ninguém sabia que era comunista mas toda a gente sabia que era limitado, para dizer o mínimo.
Isto aconteceu por todo o universo público e nacionalizado.
Se Fernando Alexandre não rinha essa noção, ou lhe falta capacidade ou lhe falta experiência e isto é verdade para todo o governo. No caso de Fernando Alexandre, todos os que parecem conhecê-lo dizem bem dele mas, não é o meu caso. Eu apenas observo que falhou e continua a falhar ao dar prioridade às questões administrativas e, pelo menos aparentemente, a não ligar ou pouco ligar à limpeza ideológica de programas, fichas auxialiares, manuais escolhidos, literatura aconselhada, etc., que, quanto a mim, devia ser a tarefa prioritária.
Mais do que um orçamento que podia ser do PS, a Educação seria o suficiente para eu nunca votar AD.
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De O apartidário a 04.12.2024 às 08:38

Artigo do Observador hoje 4 de Dezembro,André Azevedo Alves:

Na sequência do meu artigo anterior sobre o colapso dos serviços públicos em Portugal, creio que vale a pena dedicar alguma atenção adicional ao sector da educação. Uma reflexão cuja oportunidade foi parcialmente motivada pelo caricato episódio dos dados imprecisos sobre a anunciada redução de 90% no número de alunos sem aulas a uma disciplina no ensino estatal. O Ministro da Educação Fernando Alexandre veio assumir publicamente o erro nos números de alunos sem aulas, lamentando ter indicado essa informação. .

Se por um lado a admissão pública rápida, clara e inequívoca do erro abona a favor do carácter e seriedade de Fernando Alexandre, por outro este episódio levanta sérias questões sobre a forma como são formuladas, implementadas e avaliadas as políticas públicas – neste caso de educação – em Portugal. Se o Ministro não consegue ter estatísticas fiáveis sobre algo aparentemente tão simples como o número de alunos sem aulas a uma disciplina nas escolas estatais, é caso para perguntar como será possível gerir de forma minimamente eficaz e eficiente o sistema estatal de ensino.

A estes notórios problemas da fiabilidade da informação disponível para as políticas públicas de educação somam-se uma longa série de outros bem conhecidos, entre os quais: falta de professores, excesso de burocracia, instalações frequentemente degradadas, situações de indisciplina e violência sistémica em algumas escolas e captura do sistema ao serviço de agendas ideológicas radicais. O resultado na educação – bastante à semelhança do que se passa na saúde, aliás – é que a oferta privada vai prosperando: não tanto por conseguir resultados extraordinários mas simplesmente porque a oferta estatal na educação funciona em vários contextos tão mal que todos quantos podem fogem dela.  ----------------------------    continua 

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De O apartidário a 04.12.2024 às 13:12

Não obstante a existência de muitos profissionais competentes e dedicados em escolas estatais, importa reconhecer que o problema é bem mais profundo. É preciso assumir que o actual modelo estatista e centralizador na educação está esgotado e dar espaço e liberdade às famílias para se organizarem. Insistir em “gerir melhor” um modelo de tipo soviético só agravará os problemas, por mais estimável que seja a equipa ministerial (e no caso da actual acho que é mesmo, não obstante deva fazer o disclaimer de conhecer Fernando Alexandre há muitos anos – e dele ter óptima impressão intelectual e profissional – e de ser amigo de Alexandre Homem Cristo – cujas qualidades reconheço e aprecio para além da referida amizade).

Tanto os problemas de organização e gestão próprios de uma estrutura centralizada de tipo soviético como os problemas de captura e instrumentalização política e ideológica da escola vão muito para além do que é possível resolver meramente com princípios de regular “boa gestão”. Como bem assinalou recentemente Margarida Bentes Penedo:

“No Portugal de hoje, o totalitarismo está na esquerda. É público e notório que o Ministério da Educação está capturado há décadas pelo PCP. E também, mais recentemente, pelo Bloco, através dessas “plataformas” e “colectivos” das “causas”. Independentemente do ministro que em cada momento veste o fato, o Ministério da Educação é um organismo autónomo e com vida própria. Um Estado dentro do Estado.”

André Azevedo Alves no Observador

https://observador.pt/opiniao/o-fracasso-do-modelo-sovietico-na-educacao/

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