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"Se tu olhas para uma mulher com a cara toda esmurrada e começas logo a procurar justificar aquilo que lhe aconteceu, desculpando quem lhe fez aquilo, és uma besta" (André Solha)
"Para mim ser liberal também é isto: na dúvida assumir a posição de defesa do indivíduo quando do outro lado está uma organização - o Estado - que tem o monopólio do uso da força." (Carlos Guimarães Pinto)
"Se a senhora foi esmurrada já depois de algemada, dentro do carro da polícia, o seu cadastro interessa zero e a duração dos murros também" (João Miguel Tavares)
Três citações que parecem inquestionáveis (enfim, a do meio, de Carlos Guimarães Pinto, só é inquestionável para liberais).
E uma boa base para discutir o papel do jornalismo no combate ao racismo.
Estas afirmações são perfeitamente compreensíveis e admissíveis como comentários a uma situação "que por violenta e injusta/Ofendeu o coração de um pintor chamado Goya/ Que tinha um coração muito grande, cheio de fúria e de amor" (sim, poderia ter parado a citação em "coração", o que a tornaria mais compreensível neste contexto, mas achei que, embora menos evidente, valia a pena lembrar que a raiz da ofensa é a injustiça, se perde na origem dos tempos e tem uma expressão muito maior que a causa concreta a que cada um dos corações ofendidos dedica mais afecto).
Para os jornalistas de causas, o seu papel é apenas o de amplificar "a fúria e amor" dos ofendidos e deserdados, por isso este registo emocional chega-lhes e sobra, tanto mais que, frequentemente, confundem a injustiça com a desigualdade, com o que isso acarreta de viés.
Em matéria de racismo o Público tem um bom exemplo neste tipo de jornalismo e por isso, sobre o assunto em torno de Cláudia Simões tem três artigos, em três dias seguidos, assinados pela mesma jornalista (Joana Gorjão Henriques), ilustrados sempre com a mesma fotografia da tal cara esmurrada citada acima. Em dois dos três artigos, Joana Gorjão Henriques repete textualmente "Peixoto Rodrigues, que foi candidato na lista do líder de extrema-direita de André Ventura às eleições europeias, lidera o sindicato ao qual pertencem 16 dos 17 polícias da esquadra de Alfragide que foram a julgamento acusados de racismo e tortura contra seis jovens da Cova da Moura - oito foram condenados por agressão e sequestro" (para este tipo de jornalismo, a proposito de Cláudia Simões, o importante é publicar, em dois dias seguidos, este texto manifestamente marginal para o que está em causa). Claro que para este tipo de jornalismo é irrelevante que, em julgamente, as acusações de racismo e tortura tenham caído para os 17 acusados e que nove dos acusados tenham sido ilibados das acusações porque os factos interessam menos que a agenda anti-racista e o importante é passar a ideia que se quer defender.
Um jornalismo sério (e, por isso, anti-racista) teria feito algumas coisas básicas: pedir a médicos experientes que interpretassem os sinais da cara esmurrada de modo a que tivéssemos informação sólida sobre o tipo de agressões que lhe poderão estar na origem (eu, ignorante me confesso, não sou capaz de saber a gravidade das escoriações a partir do que vejo, nem que tipo de agressão as poderá ter provocado), teria feito todos os esforços para ouvir o motorista em causa (já agora, há notícias de um motorista da Vimeca agredido ontem, não havendo certezas sobre a sua identidade, o que é suficientemente grave para chamar a atenção para a limitação do princípio, com que concordo, enunciado acima por Carlos Guimarães Pinto, e que se prende com as consequências da fragilidade das instituições na defesa dos outros indivíduos envolvidos nesta história), teria procurado outros passageiros (para além do sobrinho da vítima) e, jamais, poderia ter assumido como factuais as versões das diferentes partes envolvidas (a vítima e a polícia). A ideia de que os testemunhos das vítimas merecem ser mais credibilidade que os outros é uma ideia perversa em crescimento, confundindo-se atenção (que, essa sim, é devida mais às vítimas que a quaiquer outros) com credibilidade.
O jornalismo sério ter-se-ia concentrado naquele "se" de João Miguel Tavares, que é a questão chave.
Que existem abundantes exemplos de uma polícia pouco transparente e capaz de fazer o que a advogada de Cláudia Simões diz que aconteceu em relação à primeira queixa feita contra o polícia, não há qualquer dúvida (a única referência da queixa à actuação da polícia seria ao mata-leão e nada sobre agressões, mas isso dever-se-ia ao facto da polícia não ter registado adequadamente a denúncia que, em qualquer caso, foi assinada por Claudia Simões, no dia seguinte de manhã. Uma pessoa pode sempre assinar coisas sem as ler convenientemente, mesmo 11 horas depois dos factos, porque está com pressa para ir para o hospital depois, como foi o caso). Isso é verdade e é um problema estrutural das nossas instituições (não escrevi da nossa polícia, porque é uma questão bem mais geral, e as nossas instituições, incluindo os nossos jornais, são férteis na manipulação de testemunhos e na falta de respeito pelas pessoas concretas que confiam nelas).
Por exemplo, ainda esta noite o Diário de Notícias (Suzete Henriques) dizia que a fita do tempo da ocorrência refere três minutos entre a saída do carro patrulha da paragem do autocarro e a chamada telefónica para o 112 a pedir "assistência para uma cidadã detida com escoriações no rosto", o que é totalmente incompatível com uma hora de espancamento referido por Cláudia Simões, não na denúncia registada e assinada por ela na Segunda de manhã, mas nas versões que foi apresentando depois, já com apoio do SOS Racismo (voltemos à cara esmurrada, o que vejo também me parece incompatível com um espancamento dessa dimensão, mas não sou médico, nem jornalista, posso escrever isto aqui porque sei que ninguém lhe atribui mais importância que a devida a um mané qualquer que tem uma opinião não fundamentada sobre um assunto que desconhece). E o Diário de Notícias, e bem, tem o cuidado de explicitar as suas dúvidas: "Uma questão que se coloca e que não foi possível ainda esclarecer com os bombeiros é, caso esta fita de tempo esteja correta, porque demorou praticamente uma hora entre a chamada e a entrada no hospital".
E esta é a questão, caro João Miguel Tavares: se houve espancamento de uma pessoa presa, é evidente que o curriculum das pessoas ouvidas é irrelevante, mas para saber se esse "se" é provável ou não, o curriculum das pessoas e instituições ouvidas não é nada irrelevante.
O problema central em Portugal é que quer a polícia, quer os jornais, nesta matéria, justa ou injustamente, são considerados como fontes pouco idóneas de informação, havendo muita gente a achar que têm mais cadastro que curriculum.
E, aí, voltamos à citação de Carlos Guimarães Pinto: para um liberal, fazer das instituições do Estado entidades confiáveis é, seguramente, uma das principais prioridades políticas em Portugal. Isso não se faz contra o Estado, mas discutindo seriamente as regras que regem as relações entre as pessoas comuns e o Estado: neste caso, desde o primeiro momento, há um conjunto de informações (incluindo a famosa fita do tempo das ocorrências) que me parece que deveriam ser de acesso público e fácil.
Quanto aos jornais, enfim, são o que são e não vejo muita forma do corporativismo dos jornalistas aceitar um verdadeiro escrutínio que permita separar o trigo do joio na profissão.
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