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Uma das coisas interessantes (para mim e talvez mais outras três pessoas) dos comentários à volta do fogo na Madeira é a reacção de uma parte relevante da elite da botânica nacional.
Naturalmente, uma das linhas mestras é a ideia de que estamos à beira (ou para lá da beira) de uma tragédia do ponto de vista da conservação da flora e da vegetação (à boleia ainda temos uns outros a falar da extinção da freira da madeira, mas enfim, sobre isso nem vale a pena perder tempo, está ao nível do outro que veio falar da primeira extinção documentada que resultava das alterações climáticas, porque numa visita viu um troço de um ribeiro temporário seco e concluiu que uma espécie que vive nesse ribeiro há milhares de anos desta vez se tinha extinguido).
Por causa desta ideia, uma parte da comunidade dos botânicos partiu à desfilada para o ataque à ecologia do fogo, partindo, como é habitual nestas coisas, da deturpação do ponto de vista de que não gostam, o de que a ecologia do fogo se baseia na ideia ingénua de que tudo recupera depois do fogo.
Outra parte (pode haver sobreposição), resolveu defender uma ideia que demorou décadas a ser destruída no continente, mas que agora, com as décadas de atraso da discussão sobre a gestão do fogo na Madeira, é retomada como se fosse uma grande coisa: Portugal sem fogos depende de todos, que é como quem diz, somos um povo de pirómanos e o que temos é de reduzir ignições e extinguir todos os fogos no ataque inicial, que a gestão do fogo fica resolvida.
Que a laurissilva evoluiu sem o padrão de fogo do continente, estando por isso muito menos adaptada e sendo muito mais afectada por fogos, penso que é uma ideia que ninguém contesta (muito menos as pessoas que sabem alguma coisa de ecologia do fogo).
Que um fogo como o que houve na Madeira levanta problemas sérios de gestão à conservação da laurissilva, é também uma ideia que ninguém contesta (muito menos as pessoas que sabem alguma coisa da ecologia do fogo).
Que a forma como se olha para a herbivoria na Madeira, como instrumento de gestão do fogo, não pode ser igual à forma como se olha no continente, penso que é uma ideia que também ninguém contesta (muito menos as pessoas que sabem alguma coisa da ecologia do fogo).
O problema é que, somando isto tudo, a resposta genérica da elite da botânica tem sido claramente inconsistente e largamente anti-darwinista.
Na verdade, como é frequente na conservação, a comunidade da botânica pretende conservar um valor (a laurissilva) mas, não tendo soluções a propor para a gestão do fogo, adere ao pensamento mágico e propõe evitar que o fogo atinja a laurissilva, argumentando que as perdas são incalculáveis.
Para isso referem o facto da laurissilva não co-evoluiu com a herbivoria (o que é verdade), mas esquecem que o fogo (que é um processo natural, com um papel ecológico determinante) sempre terá estado presente.
Os que são mais sensatos, reconhecem a presença do fogo (como poderia ser de outra maneira e manter a credibilidade científica?), mas chamam a atenção para a extinção de numerosas espécies com a humanização da paisagem das ilhas, assente no fogo e na herbivoria.
Sim, isso é verdade, mas acontece que essa humanização tem 500 anos, tempo mais que suficiente para que tenham sido provocadas alterações profundas na paisagem, das quais resultaram extinções de muitas espécies, sem dúvida, mas a sobrevivência das mais aptas a essas novas condições.
Eu sei que se argumenta que as evoluções biológicas são processos lentos de milhares ou milhões de anos, mas acontece que essa ideia, bastante intuitiva, está demonstradamente errada (ler "o bico do tentilhão", por exemplo, para deixar de ter qualquer dúvida sobre como as adaptações podem ser rapidíssimas).
Argumentar com o que sucedeu há quinhentos anos para tirar conclusões sobre o que acontece com um fogo como o que existiu este ano na Madeira, não tem qualquer base científica.
Não sei o suficiente sobre a história da Madeira para saber se há alterações relevantes do padrão de fogo nas últimas décadas, mas sei o suficiente sobre evolução biológica para saber que nos últimos 500 anos o fogo e a herbivoria estiveram presentes na Madeira.
Parece-me lógico que o processo de abandono agrícola tenha chegado à Madeira, o que significa um aumento de disponibilidade de combustíveis (e, já agora, uma diminuição das ignições), portanto parece-me lógico que na Madeira se assista a um processo com semelhanças (e diferenças) com o do continente, com a progressiva diminuição da frequência dos fogos, mas com aumento de dimensão e intensidade dos fogos.
E chegamos à questão central, para a qual é útil contar com a ecologia do fogo em vez de utilizar episódios dramáticos para puxar pelas emoções que fazem com que um país inteiro ache normal mandar dois canadairs inúteis para resolver a gestão de uma situação complicada: se assim é, e se a laurissilva se dá mal com o fogo, o que fazer?, como perguntaria Lenine.
É nesse ponto que me parece estranho ver tantos botânicos que têm "um coração muito grande, cheio de fúria e de amor" a contribuir para agudizar as dificuldades de gestão do problema, excluindo da equação a ecologia do fogo e aderindo soluções que são filhas de pensamento mágico, quando bastaria voltar a Darwin para perceber que, sendo verdade que existem dificuldades grandes de gestão, não é possível pretender que o resultado final não seja a sobrevivência dos mais aptos.
Não, não estou a defender uma atitude passiva face ao gravíssimo problema das invasoras, o que estou a dizer é que soluções cujo objectivo seja a exclusão do fogo, são soluções que nunca serão soluções válidas (aqui aplica-se o princípio de que para qualquer problema complexo há sempre inúmeras soluções simples e evidentes, mas têm o problema de normalmente serem profundamente erradas).
Admitindo que todos concordamos que nem o fogo frequente, nem a herbivoria nos ajudam na gestão da laurissilva (não sei o suficiente para entrar nesta discussão e portanto tomo como boa a informação que vou coligindo), só resta concentrarmo-nos na gestão do interface entre a laurissilva e as áreas com 500 anos de humanização assente em fogo e herbivoria.
Rasgar as vestes e pintar como uma tragédia que nunca existiu, fruto da incompetência dos outros, garante tempo nos jornais e televisões, palmadinhas nas costas dos amigos, mas não resolve nada sobre a necessária discussão sobre a especificidade da gestão do fogo na Madeira.
Na verdade, o único resultado visível desta estratégia é liquidar qualquer racionalidade na discussão das soluções para a gestão da laurissilva e do fogo, e acabar tudo a discutir formas de combate e meios aéreos, sem qualquer efeito positivo real na conservação da laurissilva, embora com efeitos reais na sinalização de virtude de muitos conservacionistas.
Permita a assertividade (apenas para incendiar o debate, de modo lúdico), afirmando que este Post revela uma contradição e um erro.
--- Uma contradição, aliás, que revela bem a contradição generalizada dos ‘Ambientalistas’.
Afirma o autor do Post que: “Argumentar com o que sucedeu há quinhentos anos para tirar conclusões sobre o que acontece com um fogo como o que existiu este ano na Madeira, não tem qualquer base científica”.
Porém, nos parágrafos seguintes, usa a história da biologia (portanto esses 500, e muitos mais) para justificar os seus argumentos.
--- O erro do Post é aceitar o ‘erro do Darwin’. Concretamente: «A teoria não explica bem, como da ‘Selecção’ se passa à ‘Variação’, pois a ‘Adaptação’ por si só demora mais tempo do que a velocidade do aparecimento das novas espécies. E os Ambientes onde nascem não têm recursos suficientes para as alimentar, logo, para justificar que tenham aparecido por serem as mais aptas do ponto de vista ambiental».
E esse erro, de não estar apenas na ‘seleção dos mais aptos’ a causa das espécies, só pode ser percebido com o novo «Modelo do Comportamento dos Seres-Vivos» apresentado em 2020. Em que intervêem, não apenas as três variáveis propostas por Darwin (variação-adaptação-seleção), mas mais duas, relativas à «codificação da relevância em memória» e à «transmissão e inserção dessa relevância que está na memória nos novos ciclos comportamentais».
A ‘Variação’ (a dita “origem das espécies”) não é provocada apenas pela ‘Adaptação’. É também provocada pela «codificação interna, independente desse Ambiente exterior».
De tal modo que, na actualidade, a «codificação interna independente do Ambiente» permite criar bases-de-dados de todas as espécies, e em breve fazê-las nascer e renascer onde se quiser que seja na Terra (e daqui a uns anos até fora deste planeta).
Mas permite mais. Permite, através das técnicas actuais da bioquímica, construir novas espécies (criar ‘Variação’). Isto é, como aqui mostro, novas espécies de seres-vivos que não foram criadas por serem mais aptas, mas outrossim, pela capacidade dessa «codificação interna independente do Ambiente».
Em suma, a ‘Variação’ é insuficientemente explicada pela teoria da evolução de Darwin.
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