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Luís XIV: A construção de um mito

por Daniel Santos Sousa, em 02.09.23

luis-xiv-absolutismo.jpg

Luís XIV morre a 1 de Setembro de 1715. Embora nunca tenha proferido a máxima que o celebrizou, ainda assim esta sintetiza todo um pensamento político: "O Estado sou eu". Ao contrário do conhecido aforismo o monarca terá suspirado no leito de morte “Je m'en vais, mais l'État demeurera toujours.”

Este é um reinado dinâmico que abre portas para a transformação política e social. Ao lado de teorizadores do direito divino como Bossuet, surgem os teóricos do laicismo e do individualismo (Montesquieu).

Numa França amordaçada pelas guerras da religião consegue com habilidade subjugar a nobreza e, não hesitando em explorar esse sucesso, logra disciplinar e subordinar aquele grupo através de um minucioso cerimonial que concretizará a hegemonia da coroa. A mesma nobreza que, prisioneira da redoma dourada de Versalhes, tornar-se-á refém desse esplendor, no fundo a sua própria decadência. Mas é dessa redoma que saem os ministros e os embaixadores do Rei Sol, e, um fenómeno curioso: a importância da mobilidade. Na alta burguesia, a 'noblesse de robe', começa a ascender socialmente, recebendo cargos no governo e aproximando-se da velha nobreza. São dois mundo em conflito: um medieval e feudal, do qual a hegemonia régia se liberta, e outro na dianteira do estado moderno, que os tratadistas procurarão identificar (Maquiavel, Hobbes).

Esta é uma sociedade estratificada, fundada numa correspondência de funções e de direitos, de serviços e de privilégios (Mattei). Assim era em toda a Europa: um Estado constituído por ordens e corpos. Desde o ano 1000 até 1789 esta é a realidade dos povos, a sua destruição progressiva (em França até mesmo abrupta) abrirá caminho à barbárie. O poder é garantido pelos sucessos militares, nos seus canhões inscrevia a máxima "ultima ratio regis", no fundo a visão de um homem talhado para a consumação da política interna e para a procura de vitórias no exterior.

Mas o "poder absoluto", que será tão glosado pela revolução de '89 para demonizar a monarquia, nunca significou poder ilimitado. Há aqui mais de folclore e ficção jacobina do que outra coisa qualquer. Talvez por leitura de Bossuet que teorizava a origem divina do poder a ideia tenha servido toda a propaganda "anti-monarquia".

Bossuet jamais legitimou qualquer absolutismo arbitrário. Exprime sim os limites do poder do monarca à luz da doutrina tradicional. São visões diferentes do absolutismo e todas elas deturpadas pelas revoluções liberais. Jouvenel já o demonstrara ao referir que a monarquia absoluta estava nos antípodas do regime despótico, mesmo nessas monarquias acreditava-se que não era o rei mas a lei quem mandava (Jaime Balmes) e podia mesmo no século XX ironizar um pensador como K.von Leddihn ao afirmar que se Luís XIV visse o poder que o Congresso dos USA ou o Parlamento de França tem para aprovar leis morreria de inveja.

No século XIX e XX aliás, ironicamente, os estados liberais (e os seus sucedâneos demo-liberais) seriam muito mais centralizadores (i.e., mais absolutistas) do que alguma vez fora o Estado do chamado "Antigo Regime".


7 comentários

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De urinator a 02.09.2023 às 14:50

não sou a favor de qualquer tipo de estado.
o socialismo encontra-se enraizado no pior dos absolutismos. destrói a capacidade humana, desfalca o progresso em favor da estagnação. este país anda há quase 50 anos em marcha atrás (excepção cavaquista) apesar dos subsídios da UE. trabalho mais e estou cada dia mais pobre: nos últimos 8 anos perdi 15% do poder de compra.
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De lucklucky a 02.09.2023 às 18:32

"Na alta burguesia, a 'noblesse de robe', começa a ascender socialmente, recebendo cargos no governo e aproximando-se da velha nobreza." 



As revoluções acontecem muitas vezes pelo aumento de prosperidade, mas também com o aumento no número de nobres.
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De anónimo a 03.09.2023 às 00:03


"... K.von Leddihn ao afirmar que se Luís XIV visse o poder que o Congresso dos USA ou o Parlamento de França tem para aprovar leis morreria de inveja.".

K.von Leddihn não conheceu a n/ constitucional "maioria absoluta". 
O poder Legislativo é o meio pelo qual se transforma intenções em "a Lei do País".
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De passante a 03.09.2023 às 12:14

uma sociedade estratificada


Arrenego, satanás. Agora somos todos perfeitamente iguais, perfeitamente!


Noutras notícias, um agitador chamado Vilfredo Pareto mencionou em panfletos que existe uma circulação de elites, uma vil atoarda que não merece discussão.
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De lucklucky a 03.09.2023 às 19:26

Diria 80/20?
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De pitosga a 03.09.2023 às 16:22


Daniel Santos Sousa,
Ainda bem que continua, aventurando-se em terrenos pouco conhecidos.
cumprimenta
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De Anónimo a 17.09.2023 às 17:08

O Luís XVI foi decapitado e bem decapitado. Aceita que dói menos.

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