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Lucros, prestações sociais e afins

por henrique pereira dos santos, em 20.05.24

"uma coisa é na cooperação com as instituições com vocação social esperar que elas não façam essa selecção, outra é esperar que uma empresa privada, que visa o lucro, não o faça", diz Paulo Pedroso.

Paulo Pedroso está a falar do facto de o actual governo ter admitido a hipótese de contar com empresas privadas para expandir a rede de cuidados de terceira idade, para além da rede que hoje existe, assente nos privados com vocação social (o peso do Estado na prestação desses cuidados é marginal como prestador de serviços, mas é esmagador como financiador).

Paulo Pedroso, um estatista assumido, desconfia sempre dos privados e dos lucros e acha que uma instituição com vocação social é sempre bem gerida e orientada apenas pelo bem comum.

Para além disso acha que não se pode mexer no modelo existente, que exclui o apoio directo aos utilizadores da rede de cuidados de terceira idade, em detrimento do apoio às instituições, por razões no essencial estão expressas na citação com que comecei este post: há uma superioridade moral das instituições de vocação social que as defende de serem usadas por quem as queira usar em benefício próprio.

O resultado de ter políticas públicas com postulados morais que dividem o mundo entre os que perseguem o lucro, portanto, incapazes de prestar serviços de interesse colectivo de forma eficiente, e os que não perseguem o lucro, portanto actuando sempre, sempre no sentido do melhor interesse colectivo, é que, de maneira geral, dá asneira.

No caso concreto, o actual modelo que Paulo Pedroso - diga-se de passagem, não apenas ele, o Público tinha feito um ou dois dias antes uma peça em que apareciam dois responsáveis de topo das tais instituições de vocação social, um dos quais solicitando o anonimato, cheios de medo da entrada de empresas privadas no seu negócio, argumentando com a tal questão moral sobre o lucro - acha que não se pode alterar traduz-se numa quantidade brutal de lares ilegais e numa rede de lares mais que insuficiente (daí haver tantos lares ilegais) e inúmeras situações de uso indevido das instituições como no caso da associação raríssimas, do lar do comércio de Matosinhos ou do famoso lar de Reguengos, só para dar exemplos abundantemente noticiados (e toda a gente conhece pequenas histórias por todo o lado).

Paulo Pedroso, como bom estatista, defende a solução habitual: atirar dinheiro para cima do problema. Na sua opinião, basta que o Estado pague mais, que a rede cresce pela mão das instituições de vocação social.

Paulo Pedroso teme que se o Estado abrir a prestação destes cuidados sociais a entidades empresariais, os pobres sejam prejudicados.

Porquê?

Porque o serviço é prestado tendo um financiamento do Estado, que é abaixo do custo real, as famílias financiam outra parte em função dos seus rendimentos e as instituições suportam a diferença para o custo real e portanto os privados irão procurar "ter idosos que têm maior poder de compra, para diminuir o seu risco financeiro".

Vamos esquecer que se as instituições funcionarem com custos mais altos que as receitas, estão a condenar-se a depender de terceiros ou à falência, vamos esquecer que a gestão da prestação de serviços abaixo das necessidades dá às direcções destas instituições o poder, muito pouco escrutinado, de beneficiar os seus amigos e os amigos dos que podem influenciar a entrada de recursos nas instituições e concentremo-nos na questão do lucro e do risco.

Por um lado, o risco é tanto maior quanto menor for a comparticipação do Estado, portanto aumentar a comparticipação do Estado, como defende Paulo Pedroso, diminui os riscos que ele identifica como resultantes da entrada de privados.

Por outro, e muito mais importante, qualquer privado sabe que num mercado fortemente regulamentado, em que grande parte das receitas depende de decisões do Estado sobre o valor de comparticipações que são iguais para todos, a chave para ter lucros está na eficiência do processo de gestão, e não tanto na escolha dos doentes (matéria que pode facilmente ser minimizada com regras de atribuição de apoios inteligentes).

Ao contrário do julgamento moral sobre o lucro com que se pretende impedir os privados de contribuir para a resolução de um problema social grave, a compreensão do papel económico do lucro na alavancagem da eficiência de processos, isto é, no aumento de produção com redução de custos, permitiria prestar mais serviços sociais, e não menos, ao mesmo tempo que obrigaria as instituições de vocação social a modernizarem os seus modelos de gestão.

Se há crítica que pode e deve ser feita a este governo por admitir a hipótese de entrada de privados nos lares (nas creches, nos hospitais, nos centros de saúde, nos jogos sociais, etc., etc., etc.) é que apenas fale nessa hipótese como uma solução complementar, sem a assumir como uma opção de fundo: a liberalização na prestação de serviços sociais é boa para essa prestação de serviços, não é forçosamente um risco moral que acaba a prejudicar os mais pobres.


9 comentários

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De Anonimus a 21.05.2024 às 09:15


A eficiência tem limites, e não há modo de os definir. A partir de certa altura, e não há um "manual", é impossível aumentá-la. Claro que as margens de lucro podem ser aumentadas sem alterar eficiência do funcionamento e dos processos, pagando menos a fornecedores ou cobrando mais a clientes.
O meu argumento está relacionado com a parte do texto que refere lucros, eficiência e afins, pois nem todo o texto está orientado exclusivamente para o financiamento da rede social.
Quanto à entrada de privados no mercado social, sejamos claros e honestos; só seria possível SE o Estado definisse preços (como o Estado faz noutros países em que certos sectores, como a saúde, são privados, mas regulados a 100%, malditos comunas), e isso iria contra a tal lógica do lucro liberalizado. E tenho sérias dúvidas que os lares privados, que mesmo caros não têm falta de clientela, preferissem submeter-se a um preço fixo do que cobrar o que querem (e alterar situações contratuais de preço em conformidade).
Há que referir que duvido que haja assim tantos que "escolhem" lares privados, vão para lá porque não há opção.

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