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“P: Limitei-me a perguntar-te se esses investimentos do Estado são, forçosamente, mais eficientes que a espontânea adaptação das pessoas e empresas a situações de escassez.
R: Eu sou pragmático e gosto de deixar ao Estado o que é do Estado e aos privados o que é dos privados. As grandes infraestruturas (e.g., distribuição de energia, ferrovia) ou auxílios à adoção de tecnologia em transição requerem investimento público para serem implementados e/ou acelerados. … A dicotomia sobre a mão invisível versus planeamento, neste contexto, é conversa para boi dormir pois é evidente que há espaço a ambos. O outro dia sorri com a insistência nesta dicotomia num podcast (do Observador) de tipo litúrgico em que participaste”.
Este diálogo surgiu a propósito da retirada dos EUA do acordo de Paris, mas só marginalmente se prende com o assunto, é um diálogo (na verdade, dois monólogos) sobre uma divergência muito mais funda.
A pergunta, feita por mim, e a resposta, de um amigo, partem de pressupostos tão diferentes, que nem sequer conseguem ter um chão comum de discussão.
A pergunta é uma pergunta clássica sobre o que é o Estado, como funciona o Estado e qual o seu papel na economia, a resposta evita qualquer hipótese de discussão ao responder com uma alegação dogmática (logo, fora de qualquer discussão) que é exactamente o que a pergunta questiona "As grandes infraestruturas (e.g., distribuição de energia, ferrovia) ou auxílios à adoção de tecnologia em transição requerem investimento público para serem implementados e/ou acelerados".
Ora a pergunta mantém-se: existe alguma evidência de que o investimento público seja "forçosamente" um acelerador, como se pretende?
Por mim, vale pena manter a discussão neste ponto, neste "forçosamente", eliminando o ruído introduzido pela afirmação posterior de que "há espaço a ambos", que em nenhum momento é questionada.
A resposta das sociedades ao seu contexto assume muitas formas, mas não existe corpo teórico nem evidência empírica de que o investimento público (mais alargadamente, a intervenção do Estado, visto que pode ter outras formas relevantes, como a regulamentação) seja a forma mais eficiente de responder às alterações de contexto, forçosamente desconhecidas à partida e demasiado complexas para serem reduzidas a processos racionais de formalização da informação.
Note-se que esta afirmação não implica o dogmatismo reverso que consiste em dizer que há mercados perfeitos e que os mercados têm respostas sociais satisfatórias perfeitas, sem intervenção do Estado: por um lado os únicos sítios em que existem mercados perfeitos são os livros de economia, por outro lado nem todas as respostas sociais satisfatórias são monetarizadas, logo, podem não ter resposta satisfatória nos mercados, como por exemplo, o acesso universal a cuidados de saúde ou educação.
Para além da questão central de que apenas exercício do monopólio da violência legal pelos Estados, associado ao primado de leis democráticas, permitem amenizar razoavelmente os problemas sociais decorrentes do primado da lei do mais forte.
Os Estados usam, forçosamente, processos longos, pesados e parciais, de transmissão de informação aos mercados.
Quando essa informação está correcta e é transmitida em tempo, os Estados podem acelerar processos sociais em curso e que se consideram desejáveis.
Um dos problemas é que, frequentemente, os Estados transmitem estímulos errados aos mercados, resultando em ineficiência, ou seja, atrasam os processos de adaptação das sociedades ao seu contexto em evolução.
Outro dos problemas é que os Estados confundem, frequentemente, a sobrevivência dos mais fortes com a sobrevivência dos mais aptos, acabando por atrasar a substituição dos mais fortes pelos mais aptos.
Os mercados - insisto, só existem mercados perfeitos em livros de economia - não são mais que interacções entre pessoas.
O mecanismo central de transmissão de informação é o preço, mecanismo esse que é imensamente mais eficiente que os processos de produção, validação e devolução de informação usada pelos Estados.
É por estas razões que não se pode dar como adquirida a afirmação de que "As grandes infraestruturas (e.g., distribuição de energia, ferrovia) ou auxílios à adoção de tecnologia em transição requerem investimento público para serem implementados e/ou acelerados", pode acontecer, mas para isso é preciso que os Estados tenham informação correcta e desenhem os incentivos adequados de adaptação ao contexto, sendo muito fácil (e por isso frequente) que os Estados rapidamente transformem incentivos à adaptação das pessoas a novos contextos em mecanismos de preservação do poder de quem decide no Estado.
Liturgia, religião e coisas que tais são expressões que servem para anular a discussão sobre cada decisão e cada opção, em especial, para anular qualquer discussão sobre a eficiência de cada opção.
Um exemplo cuja informação base não confirmei (lá está, o preço das coisas transmite-me informação muito mais eficientemente) mas que serve para ilustrar.
A propósito das afirmações de Trump sobre a Gronelândia, li algures que se espera que, com algum aquecimento (para além de desenvolvimento tecnológico), as rotas marítimas do ártico possam ser crescentemente usadas no Verão, reduzindo em 40% as rotas comerciais entre a Ásia e a Europa e a Ásia e a América.
Qual é a probabilidade dos Estados processarem esta informação, que pode ter impactos relevantes na eficiência (e consequente redução de emissões) do transporte marítimo de mercadorias, de forma mais rápida e eficaz que os mercados, através do preço?
Eu diria que essa probabilidade é baixíssima.
E este é só um exemplo de como a flexibilidade dos mercados tem muito mais probabilidades de criar eficiência que os Estados.
Argumento diferente, e bastante mais sólido, é o de que os mercados são muito eficientes a processar informação no presente, mas frequentemente falham na capacidade de integrar as novas realidades do futuro, em especial se não for claro o seu impacto económico no presente (por exemplo, as emissões de hoje impactam o clima de amanhã, sem que se conheçam mecanismos de mercado que possam lidar eficientemente com este problema, para além da percepção que cada um tem do que virá a ser o futuro).
Convenhamos, no entanto, que o registo histórico dos estados fundados em visões de amanhãs que cantam também não é de molde a deixar-nos tranquilos quanto à sua lucidez sobre o futuro.
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