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Liberdade e igualdade

por henrique pereira dos santos, em 12.05.25

Por acaso, ouvi Mariana Mortágua a dizer que a igualdade é uma condição de liberdade.

Nada de novo "só há liberdade a sério, quando houver, a paz, o pão, a habitação, saúde, educação, quando pertencer ao povo o que o povo produzir", cantava Sérgio Godinho há largos anos, dando forma à ideia querida do marxismo que entende que condições objectivas de igualdade, a liberdade é meramente formal.

A mim parece-me que a aceitação da desigualdade é uma condição essencial para que cada um tenha liberdade para ser diferente, mas percebo quem queira argumentar que estou a falar de condições de chegada, quando Mariana Mortágua estava a falar de condições de partida.

Patrícia Fernandes é das cronistas mais interessantes que vou lendo por aí e hoje ajuda-me a fazer este post (involuntariamente).

"O que quer dizer Rawls com esta ideia de lotaria? O filósofo norte-americano pretende chamar a atenção para o facto de as circunstâncias que rodeiam o nosso nascimento não serem responsabilidade nossa, mas serem resultado de mera sorte: não escolhemos nascer numa família com recursos materiais ou com pais capazes de estimular intelectualmente os seus filhos, tal como não escolhemos nascer saudáveis, inteligentes ou como filhos mais velhos. É uma questão de lotaria social e natural, o que significa que as vantagens que retiramos dessas condições de sorte não podem ser vistas como resultado de um esforço da nossa parte – isto é, não são resultado do nosso mérito".

O artigo de hoje de Patrícia Fernandes segue por caminhos diferentes do que eu gostaria de realçar neste post.

Sim, é verdade que grande parte da trilogia em que se baseiam as nossas carreiras profissionais e o nosso sucesso social - capacidade, conhecimento e contactos - resulta, em grande parte, da lotaria genética, da lotaria no lugar de nascimento, da lotaria no contexto social, da lotaria nos professores que nos calham em sorte, etc..

Não é só lotaria, até porque grande parte da forma como lidamos com o nosso contexto, isto é, com os resultados da lotaria, é opção de cada um, mas há uma esmagadora quantidade de lotaria da qual depende a nossa vida.

O que me interessa realçar é que com a justa procura de menor injustiça - a lotaria, por definição, não tem qualquer relação com a justiça - desvalorizámos o princípio aristocrático de respeito pelo "favor dos deuses" que, em tese, fundamentava a ética aristocrática de estar ao serviço dos outros, como forma de estar à altura desse "favor dos deuses".

Um aristrocrata tinha obrigações éticas, pelo menos teóricas, de prover os que dele dependiam e de servir aqueles de quem dependiam as mercês que sobre ele caíam.

Pelo menos parte dessa ética, a que, por exemplo, Warren Buffett dá corpo com a sua promessa de doar 99% da sua fortuna para fins filantrópicos, motivando o movimento entre ultra-ricos americanos para se comprometerem a doar pelo menos 50% da sua fortuna para organizações filantrópicas, deveria ser revalorizada.

A mim parece-me bem mais útil aceitar que a desigualdade é uma consequência inevitável da liberdade, implicando a criação de uma dívida dos mais favorecidos sobre os que ficaram na mó de baixo, que tentar resolver os problemas de desigualdade limitando a liberdade, como resultou sempre da ideia de que a liberdade, e não a justiça, é um bem social a perseguir.

O resultado prático dos paladinos da igualdade foi sempre a perda da liberdade, sem grandes ganhos na redução das desigualdades e da injustiça.

E não me incomodem com os grandes ganhos motivados pelas lutas sociais dos paladinos da igualdade, por exemplo, o que verdadeiramente diminuiu a desigualdade entre os estatuto das mulheres e dos homens não foi sobretudo a luta das operárias por salário igual, foi a invenção da máquina de lavar roupa e dos contraceptivos baratos e acessíveis.


12 comentários

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De Anónimo a 14.05.2025 às 11:07


Concordo consigo excepto no uso da palavra "participar", porque esta pressupõe colaborar e envolver-se voluntariamente. Ora não é esse o caso nas personalidades autoritárias que estão ao comando dos regimes despóticos, Estes, simplesmente, forçam e subjugam, não é tida nem achada a vontade individual nem a  liberdade de escolha de cada um decidir o seu destino. Mas V. tem absolutamente razão quando afirma que os "tais" são como os violadores, pois não admitem um "não", nem se põe essa questão.

Peço desculpa ao HPS por sair do tema. Mas lembro  (a propósito de tiranias)  o zigue-zague calculista do BE para "corrigir" a sua posição inicial no caso da Federação Russa e do seu expoente máximo, Putin que inconfessadamente admiram. Sabem eles e sabemos nós que foi treinado pelo KGB,  formatado e marcado pelo regime soviético, de pendor marxista e um dos mais tirânicos e sanguinários à face da Terra. Veja-se como ele se comporta com um total desprezo pela vida humana e dando ordens nesse sentido, como se sabe. Observe-se Putin em relação à Ucrânia: ele é o seu carrasco e o violador (para usar a sua expressão) que não admite um "não", porque ela lhe "pertence". Como tal, reclama os "seus" direitos sobre a Ucrânia e "viola" o país à força, por este não se submeter à sua vontade e_ pelo contrário_ quis libertar-se da sua tutela e tomar nas suas mãos o próprio destino. O "castigo" infligido por Putin à Ucrânia é a resposta ao seu sentimento de rejeição, por não aceitar a liberdade e o seu direito à autodeterminação. 
 
Assim funcionam os regimes autocráticos _ a utopia venerada secretamente pelos extremistas de esquerda, esses paladinos da Liberdade, da Justiça e da Igualdade como a M.Mortágua e outros que tais. Vejo como se esforçam por cruzar na mesma frase os conceitos de "Liberdade" com "Igualdade", mas tanto quanto sabemos, nem no Politburo dos regimes que defendem se pratica...  Muito embora, é claro,  se propague para o exterior que «todos os animais são iguais»,  sabemos que, em assumindo o mando da "quinta" logo  «uns são mais iguais que outros».  Como vulgarmente  acontece nas distopias  dos "amanhãs que cantam", mas muito desafinado.


Regressando ao Putin, que é um caso de estudo: como o marido (Rússia) abandonado e rejeitado pela mulher (Ucrânia) de quem se sente o "dono", mas ela quis dele libertar-se e/ou trocá-lo por outro parceiro (NATO, UE, etc.). A vingança ou o "castigo" (a Operação Militar Especial) seria inevitável, já que "se não és minha, não és de mais ninguém". Frases semelhantes a esta ouvimos noticiadas frequentemente e culminam, quase sempre, em tragédia, infelizmente.


 

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