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Liberdade da Igreja

por Convidado, em 10.03.23

Parlamento.jpg

Ontem no Parlamento vários partidos decidiram não apenas criticar a Igreja, mas explicar aquilo que a Igreja deveria fazer na questão dos abusos de menores. Também o Presidente da República decidiu criticar a Conferência Episcopal Portuguesa sobre este assunto e fazer sugestões sobre o comportamento da Igreja, como aliás já tinha feito André Ventura. Estamos perante dois enormes equívocos que não podemos deixar passar.

O primeiro é bastante simples: por muito impressionantes que possam ser os números de relatório, infelizmente são uma minúscula minoria dos abusos sexuais que acontecem em Portugal. Em média há 2400 processos de abusos por ano, sabendo perfeitamente que os casos que chegam à justiça estão longe de ser a totalidade dos casos. A Comissão Independente recebeu 512 denúncias que considerou válidas, para um período de 70 anos, ou seja, quase um quinto da média ANUAL de casos denunciados no nosso país.

Para a Igreja é indiferente se percentualmente o número de casos no seu seio é pequeno ou grande relativamente ao resto da sociedade. Um só era de mais. Mas se o poder político quer falar de abusos de menores, então não pode ignorar que a esmagadora maioria dos casos não acontecem na Igreja.

Sobretudo quando fala dos abusos da Igreja, na consequência de um relatório que foi encomendado pela própria, num processo de purificação, que mais nenhuma instituição em Portugal fez. É verdade que no tema dos abusos houve erros na Igreja e que a comunicação tem sido muitos desastrosa. Mas nos últimos anos a Igreja portuguesa tem feito, na senda daquilo que os Papas têm proposto, um trabalho enorme para garantir a segurança dos menores. Tem regras muito mais apertadas que o Estado ou qualquer outra instituição. Em consequência do relatório apresentado todas as dioceses estão a fazer investigações para assegurar que não há padres abusadores no seu seio. Mas pelos vistos ao Presidente da República e aos deputados só lhes interessa o abuso de menores na única instituição que realmente está a fazer alguma coisa para acabar com eles!

Se estão realmente preocupados com o abuso de menores, façam o que lhes compete e tomem medidas para combater seriamente o flagelo dos abusos de menores no país. Apontar à Igreja serve à onda mediática, mas não às vítimas de abusos em Portugal.

Mas há segundo equívoco, e este mais grave. É que a Igreja é autónoma do Estado. A separação da Igreja e do Estado, não significa apenas que a Igreja não se mete no Estado, significa também que o Estado não interfere na Igreja. Os cidadãos, sejam ou não eclesiásticos, respondem perante a lei como é evidente. Um sacerdote que abusa de um menor deve ser julgado. Mas isso não significa em momento algum que o Poder político possa interferir na Igreja.

Ter o Presidente da República e os deputados a dizer que a Igreja deve fazer isto ou aquilo, que não fez o suficiente ou que tem que fazer mais, é uma violação grosseira da separação entre o Estado e a Igreja e uma ofensa à Liberdade da Igreja. Os deputados podem fazer leis para punir quem abusa de menores (e devem fazê-lo), não podem é tentar impor à Igreja o quer que seja, que não a lei geral e abstrata. Esta ofensiva é um ataque à Constituição e as regras mais elementares do Direito de qualquer Estado civilizado. Mais grave só a ideia peregrina do Chega, aprovada por unanimidade dos restantes partidos, de chamar ao Parlamento o presidente da CEP para prestar esclarecimentos, como se de um ex-banqueiro ou de um presidente de um clube de futebol se tratasse.

Sobre os abusos a Igreja tem de fazer o seu caminho de purificação. E é com esperança que vejo algumas dioceses a fazê-lo com clareza e espero que as outras lhe sigam o exemplo. Também espero que a CEP tenha mais cuidado na comunicação, centrando-se mais nas vítimas e menos em questões laterais. Mas discernir esse caminho cabe à Igreja não ao Estado. A Igreja não está acima da lei, mas o poder político também não. Em Democracia, aplica-se a boa velha máxima de Nosso Senhor: então dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. 

José Seabra Duque



22 comentários

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De Anónimo a 10.03.2023 às 14:33

Excelente, conciso, claro, evidente para quem tem mente sadia! Tenho dito!
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De Donaciano a 10.03.2023 às 14:53

Você tem bastante razão, mas também é verdade que se o Estado e os seus representantes não falarem e não fizerem nada não me parece que a instituição Igreja (pelo que se tem visto) leve este assunto muito a sério. E não sendo os casos na Igreja os maioritários, eles têm mesmo assim que ser combatidos - e pode isto servir de incentivo mobilizador para tratar convenietemente do resto.
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De balio a 10.03.2023 às 15:16


Ter o Presidente da República e os deputados a dizer que a Igreja deve fazer isto ou aquilo [...] é uma violação grosseira da separação entre o Estado e a Igreja e uma ofensa à Liberdade da Igreja.



Não, não é. Qualquer cidadão, incluindo o Presidente e os deputados, tem a liberdade de dar a sua opinião, ou comentar, sobre aquilo que a Igreja deve fazer ou fez. O que é, é despropositado fazê-lo numa entrevista, ou num discurso na Assembleia.



A Igreja permanece completamente livre mesmo quando o Presidente e/ou os deputados dão as suas opiniões. Ninguém está a retirar, nem sequer a ameaçar retirar, a liberdade à Igreja de fazer o que bem entender.
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De Anónimo a 10.03.2023 às 16:45

Há uma ligeiríssima diferença entre um abuso perpetrado por um qualquer desregulado e um abuso praticado por um sacerdote: um não tem, por vezes, bússola moral, o outro devia tê-la o que torna o crime ainda mais hediondo.
Por outro lado e porque há atitudes diferentes em Dioceses diferentes - e o afastamento de um padre do contacto com menores não lhe fere liberdades particulares, pelo menos não como feriram a de outros -, a Igreja segue a dois ritmos e num deles estão aqueles que continuam a enterrar a cabeça na areia numa sanha protecionista sobre a qual, se calhar, ainda ouviremos falar das razões. Lá diz o povo que quem não deve, não teme... só que não...
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De Anónimo a 10.03.2023 às 16:46


Falam da Igreja ? Alguns dos referenciados quando foi da Casa Pia ainda andam por aí.... e nas televisões... "diz o roto ao nu porque não te vestes tu"...
Suponho que há quem agradece a cortina de fumaça mediática à volta deste caso (que terá sem dúvida a sua importância) mas, aparentemente, mais importante que explicar aos portugueses porque é que nestes ultimos anos, qualquer dia já não ganham para se alimentar...
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De Rui Figueiredo a 10.03.2023 às 16:47

Como diria o outro, “palavra da salvação!”
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De Anónimo a 10.03.2023 às 16:56

A Deus o que é de Deus, a César o que é de César.
Há criminosos em todas as instituições. Ainda ninguém baniu nem o PS nem o PSD por terem, e por terem tido, criminosos nas suas fileiras.
Neste país, está a considerar-se padres abusadores como se fossem instituições. Se alguém tem um filho que mata outro, não são os pais que têm de ir parar à cadeia. É só o filho criminoso.
Infelizmente, neste país todo o mundo debita críticas sem saber de nada.
É como o Marcelo. Está aqui, está a pronunciar-se sobre o sentido de oportunidade do ciclo menstrual das mulheres: se deve ser de 4 em 4 semanas ou só uma vez em cada meio ano.
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De Anónimo a 10.03.2023 às 17:08

É por causa de pensamentos retrógrados como este é que a igreja se acha acima da Lei. Caso não saiba mas, num estado de direito a sério, esses monstros disfarçados de cordeiros de batina supostamente ao serviço de um deus já estariam no mínimo a ser alvo de inquéritos judicias. Pois se há denuncias de outros tempos, NADA garante que não tenham o mesmo comportamento até aos dias de hoje. E caso a igreja não os afastasse de imediato seria igualmente sancionada como foi em tantos outros países. O azar de todas as vitimas conhecidas ou não, é que vivemos num país onde até o presidente da republica se apressou a minimizar o "fenómeno". Imagine-se as movimentações de bastidores que estarão a acontecer para no fim do dia, acabar tudo na clássica mão cheia de nada. Se acha que compete a deus julgar esta gente, entao que lhes promovam o encontro divino.
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De Anónimo a 10.03.2023 às 20:36

Houve casos que seguiram para o Ministério Público. 
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De IO a 11.03.2023 às 19:40

Graças a Deus!
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De Carbonário a 10.03.2023 às 20:04

Quer o PR, quer os senhores mandatados no Parlamento não têm moral para virem criticar ou mandar "postas de pescada" sobre o que a CEP deveria ou não fazer, atendendo que, é vergonhoso não terem ao longo dos anos mudado a lei da prescrição de crimes desta natureza (foi preciso vir um Comité específico criado para investigar este tipo de crimes no seio da Igreja) e todo o mediatismo na comunicação social para começarem a "palrear" mas na realidade nada vai mudar e tal como noutras situações vai cair tudo no esquecimento e em saco roto e não vai sair do papel, e daqui a uns anos a conversa irá voltar à estaca zero.
A prescrição no Direito Canónico é mais prolongada do que no Direito Civil. Como se pode constatar, o Direito Canónico é mais vanguardista do que o Direito Civil.
A CEP falhou e continua a falhar na fiscalização e aplicação do Direito Canónico. Desde sempre que estas situações não são novas, se a CEP está à espera que os abusadores da Igreja sejam condenados pelo Estado, terá de esperar "sentada", pois muitos dos crimes já se encontram prescritos.
Então não seria de esperar que a CEP indemnizasse pelo menos as vítimas pelos danos criados pelos seus "representantes" (sacerdotes) ? Por que não o faz ? De que outra forma vão reparar o danos criados ? As vítimas têm bilhete direto para o "céu" ? 
O que interessa o "trabalho enorme para garantir a segurança dos menores" se a Igreja não aplica sanções aos visados ? Ainda não vi ninguém afeto à Igreja responder quais os dados da última década e as sanções que foram aplicadas e quantas indemnizações foram pagas às vítimas ?
Portugal já deixou de ser um estado laico há muito tempo. Neste momento, não oficialmente fazemos parte do conjunto de Estados ambíguos. A Constituição não é respeitada pelos seus máximos órgãos de soberania.
Exemplo disso é a notícia de 2016 infra:
https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2016/05/23/camara-de-lisboa-expropriou-predios-para-construir-mesquita/54882/
A maior parte dos portugueses continuam enganados.
A Igreja e os seus membros têm de se sujeitar às normas do Código Penal. O sacerdote que tiver conhecimento do crime e não denuncie, está a praticar o crime de abuso de poder, bem como o crime de omissão de auxílio.
Infelizmente nada vai mudar em Portugal sobre esta situação, quer a classe política quer a Igreja não estão interessados em combater este flagelo. 
Outra questão que coloco é se o flagelo acontece também noutras religiões ? A meu ver deveriam criar outro "Comité" para averiguar isto, não esperem que seja outro país europeu a ser pioneiro para depois irmos atrás...
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De Alexandre N. a 10.03.2023 às 20:19

Não é bem o estado que quer por tudo em pratos limpos, são os próprios Católicos que se sentem envergonhados tanto pelo comportamento dos criminosos mas também pelo silêncio da hierarquia religiosa.
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De IO a 11.03.2023 às 19:43

...e pela ausência da JUSTIÇA

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