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"Nesta história, há pormenores deliciosos. Por exemplo, a crença na possibilidade de desenhar a cidade ‘moderna’ perfeita, capaz de condicionar (de forma também ela perfeita) a vida dos indivíduos nas cidades, foi partilhada pela União Soviética e pelos Estados Unidos. Le Corbusier era desse ponto de vista neutral – segundo o próprio, as suas cidades eram possíveis em qualquer regime político. E aquilo que as suas cidades pretendiam alcançar falhou redondamente, como a antropóloga Jane Jacobs demonstrou a partir de um trabalho etnográfico notável".
Este parágrafo está no artigo de hoje de José Bento da Silva no Observador, que me parece muito interessante.
A minha educação formal assenta nesta ideia de planeamento racional, em especial na escola de arquitectura paisagista sobre a qual se pode ter uma ideia visitando esta exposição na Gulbenkian sobre o mais influente e discreto dos arquitectos paisagistas da primeira geração, Viana Barreto.
Que não restem dúvidas sobre a minha imensa dívida intelectual para com Caldeira Cabral, o grande intelectual que trouxe para Portugal as ideias e fundamentos da escola alemã de arquitectura paisagista, sobre os quais, Viana Barreto, Álvaro Dentinho, Ilídio de Araújo (não foram os únicos, mas penso que tenham sido os mais relevantes, nas diferentes linhas de trabalho de cada um) desenvolveram e estrumaram um corpo doutrinário que Ribeiro Telles veio a popularizar (esta exposição foi há muito tempo, mas o seu catálogo existe e deu origem a muita investigação posterior, em grande parte suportada no trabalho de Teresa Andresen, para quem tiver interesse em aprender mais sobre esta história).
Acontece que se a minha educação formal foi nesse sentido (com especial destaque para a influência de Alexandre Cancela de Abreu), a minha experiência profissional, em especial o estudo da evolução das paisagens rurais (que começa com Robert de Moura, se aprofunda com Ilídio de Araújo quando trabalhei com cada um deles, e se vai autonomizando intelectualmente com o longo e permanente apoio de Teresa Andresen, e se cristaliza na tese que fiz com a sua orientação (e a co-orientação, muito importante, de Carlos Aguiar e Miguel Bastos Araújo)), me levou por outros caminhos, mais cépticos em relação ao poder do planeamento.
Passo a passo fui reforçando a convicção de que Ilídio de Araújo estava carregado de razão quando afirmou numa conferência que o mais relevante de um processo de planeamento é o que restaria se no dia da apresentação do plano um mafarrico qualquer queimasse todos os seus elementos materiais (João Menezes, um dos melhores presidentes do Instituto de Conservação da Natureza com que trabalhei, e trabalhei com todos os que houve, dizia frequentemente o mesmo, com a linguagem da gestão, e demonstrou-o com os resultados que conseguiu na melhoria do Instituto que geriu).
Não tenho hoje dúvidas de que uma boa parte dos problemas transversais de habitação das grandes cidades se devem a esta ideia, errada, de que a sua gestão centralizada, assente em regras administrativas desenhadas para obter o melhor resultado social possível, é uma das causas da ineficiência que gera a falta de habitação.
Não apenas porque criam dificuldades reais na adaptação do mercado de habitação à procura que existe, mas também porque dificultam a adaptação do mercado de trabalho a essas ineficiências, deslocando-se facilmente para os sítios em que as cidades e a gestão do território sejam mais eficientes.
Com alguma dose de ironia, cito frequentemente a dificuldade de discussão sobre a mudança da capital administrativa de Portugal para Castelo Branco para explicar que a discussão de planeamento centralizado tem constrangimentos que nada têm a ver com a racionalidade cartesiana, tal como acontece com as decisões dos indivíduos.
Tal como ninguém consegue explicar por que razão se continua a investir em universidades em Lisboa e Porto, em vez de as deslocar para sítios em que possam responder mais eficazmente às necessidades de integração social, alojamento, miscigenação social de que os alunos, enquanto destinatários finais, e as universidades, enquanto instituições, seguramente beneficiariam muito mais que com a situação actual.
O que me leva à minha posição actual sobre estas eleições, mantendo a minha base liberal de avaliação de alternativas, com o pragmatismo de saber que, antes de tudo, o essencial é remover a camada de estatismo que nos sufoca, no governo, nos jornais, nas escolas, na sociedade, limitando a nossa liberdade de fazer escolhas.
Depois de oleado os mecanismos de funcionamento da sociedade e da economia, então poderemos discutir se o melhor é ir mais para um lado ou para outro.
Para já, temos simplesmente de pôr o sistema em funcionamento, removendo a ferrugem que o tolhe.
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