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Vítor Bento produziu este gráfico (atenção, o sinal das variações de abstenção está invertido) mas o que vejo a partir dele só me responsabiliza a mim.
O gráfico interessou-me por ser muito expressivo a identificar uma aparente (o tempo dirá) alteração na natureza do crescimento do Chega nestas últimas eleições.
Aparentemente (puro achismo meu), até às eleições de 2024, o Chega cresceu ocupando o espaço deixado vazio pelos outros partidos, isto é, mobilizando os que tinham desistido de votar, por sentir que ninguém respondia ao que lhes interessava, isso parece muito claro na correlação entre aumento do Chega e diminuição da abstenção.
Entre 2024 e 2025 este processo de crescimento esgotou-se e o Chega cresceu à custa de outros partidos, o que parece claro ao olhar para o crescimento, simultâneo, do Chega e da abstenção (não esquecer que a coluna da abstenção tem o sinal invertido, cresce para baixo, diminui para cima).
Nada disto é preto e branco, as transferências podem não ser directas, o Chega pode continuar a alimentar-se da abstenção, e serem os outros partidos a alimentar a abstenção, mas essas subtilezas não me parecem essenciais.
O que me parece essencial é que usar a distinção esquerda/ direita é muito pouco útil na discussão sobre o que está a acontecer, parece-me melhor distinguir entre partidos que defendem uma forma razoavelmente liberal de democracia (não confundir com o liberalismo económico) e os que defendem formas iliberais, populistas, se quisermos, de representação democrática (neste sentido, para muitos dos seus apoiantes, o Chega não é um partido de representação popular, é o povo, ele mesmo).
Até 2024, PSD, CDS, IL e PS eram essencialmente defensores de uma democracia representativa liberal, os outros eram partidos mais iliberais e populistas.
Há uma tendência global que tem vindo a corroer a democracia mais liberal, a favor de modelos mais musculados e nacionalistas, assente nas críticas históricas ao liberalismo (corrupção e protecção endogâmica das elites, excluindo informalmente o povo do processo democrático, deixando-o sem representação, apesar da manutenção dos formalismos democráticos).
O que me parece mais relevante, entre 2024 e 2025, é a transferência do PS (no meio de um complicado processo de dissolução ideológica que vem de muito longe) do campo das democracias representativas liberais para o campo do populismo.
Talvez a melhor ilustração dessa mudança de campo do PS seja mesmo o processo Spinumviva em que a extrema dependência do espaço mediático em que vivia o PS há demasiado tempo acabou por o levar a cavalgar a campanha moralista (uma das características essenciais do populismo) à volta da Spinumviva.
O PS resolveu abandonar a pedagogia que o assunto deveria merecer (por exemplo, deixar claro que ter a sede de uma empresa na casa de alguém não só é o normal, como não dá qualquer indício de irregularidade, está dentro do que é a liberdade económica de que todos os agentes económicos e políticos devem gozar) para abraçar, com força, as teses populistas de que a história está tão mal contada que, embora não haja nenhuma demonstração de comportamentos censuráveis, alguma coisa vai aparecer qualquer dia, com certeza.
Note-se que a Iniciativa Liberal, por puro cálculo táctico, embora mantendo uma posição menos populista, abandonou a defesa da liberdade dos indivíduos para se juntar à tese de que há, no caso Spinumviva, uma questão ética qualquer (que nunca é concretizada).
Esta aliança entre o espaço mediático e alguns partidos tradicionais do campo liberal acabou por contribuir para a ideia de que são todos iguais ou que, pelo menos, Montenegro estaria mais próximo de Sócrates e Manuel Pinho que da santidade exigível aos agentes políticos, acabando por deixar a Aliança Democrática, sozinha, no campo da democracia representativa liberal.
Ouvi um dirigente do PS a lembrar que nos últimos 30 anos, o PS governou 22 anos (dos outros oito, quatro dizem respeito ao governo da troica, o que quer dizer que os partidos da AD verdadeiramente só governaram, a espaços, quatro anos, nos últimos trinta, acrescento eu).
O que tem o PS a apresentar ao fim desses 22 anos de Governo?
O inepto Guterres, com tanto medo de desagradar que foge de um pântano que se escusa a identificar, o reformista Sócrates (sim, Sócrates era manifestamente um reformista) que, esquecendo todas as questões judiciais, executou uma política suicidária de reforço do Estado, do controlo da vida das pessoas e de investimento e gastos públicos irresponsáveis e António Costa, que prefiro caracterizar transcrevendo um parágrafo de Nuno Gonçalo Poças, publicado ontem no Observador:
"António Costa foi um desastre institucional, disfarçado de pragmático talentoso. Ele sim um terramoto, mas apreciado. Aclamado por tantos como mestre da manobra, foi apenas um sobrevivente dotado de instinto partidário, mas destituído de sentido de regime. Quebrou regras não escritas, relativizou a ética institucional, e transformou a convivência com a extrema-esquerda em normalidade funcional. Criou a ideia de que tudo é táctico, tudo é negociável, tudo é descartável".
É sobre este histórico de governação do PS que a actual direcção do PS resolveu achar que era boa ideia cavalgar uma suposta pureza ética, com insinuações constantes (Alexandra Leitão já apresentou alguma coisa de substancial, meses depois da acusação de procuradoria ilícita?), como base de actuação e relação com o governo que, com todas as suas fragilidades, era um governo que resultava, legitimamente, de eleições democráticas.
Não sei como vai evoluir a situação, o que sei é que o campo da defesa clara da democracia representantiva liberal está hoje reduzido à AD, a que se junta o surpreendente agnosticismo da Iniciativa Liberal, cega pela tática política, com a oposição de todos os outros.
Por mim, o que seria mais positivo, é que o PS percebesse que por mais agruras que tenha de sofrer no curto prazo, longe do poder que tanto o atrai, há mais futuro para si em retomar a sua antiga tradição de estar do lado da democracia representativa liberal, que na actual deriva moralista iliberal, de que se alimenta o populismo.
É que os que escolhem essa posição populista, como estas eleições parecem demonstrar, parecem preferir os originais às cópias mal amanhadas.
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