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Lewinsky e o futebol

por henrique pereira dos santos, em 30.01.18

Nos Estados Unidos, uma questão de cama entre o Presidente e uma estagiária foi levada tão a sério que deu origem a um processo de destituição.

Foi por causa da questão de cama? Não exactamente, o problema é que o Presidente teria mentido sob juramento.

Na verdade a questão de fundo é a quebra das regras: há países onde quebrar as regras é mais importante que saber a relevância substancial dos factos.

Para alguns, quebrar as regras é sempre mau, seja por causa de uma caixa de fósforos, seja por causa de uma Caixa Geral de Depósitos, porque o império da lei é um bem comum em si mesmo e o fundamento de uma sociedade equilibrada.

Não é essa a nossa cultura: os nossos governantes, se apanhados a 200 Km/ hora numa autoestrada, não sofrem qualquer censura social por isso. Não é assim tão importante não cumprir o código da estrada, todos fazemos isso, não achamos que os governantes têm uma responsabilidade especial no cumprimento da lei, pelo contrário, achamos que se vai a 200 é porque tem razões de interesse público para isso.

Tal como não tem realmente grande importância pedir uns bilhetes para o futebol, ou receber um cabaz pelo Natal, ou fazer (ou pedir) um jeitinho de qualquer espécie, mesmo sem contrapartida material, só pelo gosto de agradar a um amigo, ou amigo do amigo.

Por isso tanta gente clama pela injustiça de condenar um homem bom como Lula, só por haver uma coisa esquisita com um apartamento que afinal nunca comprou: como é possível admitir que um homem como Lula se deixaria comprar por um apartamento?

Nós somos assim, para haver trafulhice, tem de ser em grande, como na Tecnoforma, isso sim, uma coisa a sério, agora bilhetes para o futebol?

O relevante é isto: quando Souto Moura tinha em mãos o assunto Casa Pia, até o Presidente da República discutia publicamente o assunto, Eduardo Prado Coelho escrevia cartas a despedir-se do gato, dando lições a Souto Moura sobre como conduzir uma investigação judicial.

O mesmo se passou quando Sócrates jogou a cartada da encenação da sua prisão em directo (que só falhou porque a polícia o conhecia de gingeira e lhe trocou as voltas à saída do avião), escandalizando tanta gente que garantia que o espectáculo da detenção tinha sido criado pela investigação a Sócrates.

O mesmo se passa agora, com as evidentes pressões sobre o ministério público por causa, ou melhor, a pretexto dos bilhetes de futebol.

Quando o assunto era a Tecnoforma, os vistos gold e outras coisas que tais, nunca Passos Coelho mandou recados ao Ministério Público ou disse que alguém não saía do seu governo, mesmo que fosse arguido.

Uns sabem que as regras são as regras, outros acham que as regras são uma coisa a avaliar caso a caso, não vale a pena aplicá-las em pequenas coisas.

E, no fim, porque a aplicação das regras deve ser avaliada caso a caso, acabam sempre a seguir o princípio geral da governação portuguesa há séculos: proteger os amigos, perseguir os inimigos e aplicar a lei aos restantes.

O único azar é que, aparentemente, Joana Marques Vidal tem a estranha panca de achar que "dura lex, sed lex".


3 comentários

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De Zé a 31.01.2018 às 16:13

https://youtu.be/MTfNJ6vIFfo



É para isto que os espanhóis vivem e trabalham ?
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De Anónimo a 01.02.2018 às 18:43

Um texto muito apreciável e de aguda análise do comportamento dos nossos governantes. 
Como o exemplo vem de cima, o Português em geral, quando confrontado com as regras tende, por norma,a fugir ao cumprimento das mesmas seja por via do compadrio, do suborno ou até de outros meios muito mais sofisticados a que os aventais não são alheios, penso eu.
Muito mais grave ainda, é o caso em que o feitor da regra é aquele que a infringe publicamente e, de seguida, move céus e terra para se ilibar da sua responsabilidade, com todo o descaramento.


  
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De Anónimo a 01.02.2018 às 19:19

Sr. Zé 


Interessante a sua pergunta.
Desconheço a resposta e julgo que só um conjunto alargado de espanhóis poderia responder para dar uma ideia aproximada da realidade.
O que acho interessante é a questão geral:
Para que serve um monarca e uma monarquia?
Ao observar o comportamento das monarquias actuais e passadas julgo poder estabelecer o seguinte:
1) Um Povo precisa sempre de quem o governe, pois consciente ou inconscientemente sabe quais são as consequências da anarquia.
2) Um Povo, relativamente homogéneo, escolhe rei para nele se rever e a ele obedecer.
3) Como ser humano que é, o Rei erra e acerta consoante a sua sensibilidade e os apoios dos conselheiros que espera lhe sejam leais, bons profissionais e igualmente interessados no Bem Comum.
4) O aparecimento das monarquias constitucionais veio trazer para o Rei um papel pouco mais que irrelevante e, por isso, o Rei passou a ser um emblema e pouco mais. Daí que o Rei e a Família Real passam a ser um conjunto de ilustres e quase inúteis  diletantes que vivem à custa do erário público, estando constantemente a representar farsas em que o Povo acredita  mas de nada disso beneficia embora o pague.
E estamos nisto.

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