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Lembranças

por henrique pereira dos santos, em 15.10.21

Há muitos anos, quando, por acaso e provável equívoco, eu era vice-presidente do ICN, era o representante desse instituto público no conselho nacional da caça, um fórum onde se juntavam organizações de caçadores e organizações de ambiente.

Nessa altura o ICN, ao contrário de hoje, não era a autoridade nacional do sector da caça e as organizações ambientalistas estavam convencidas de que o ICN tinha a obrigação de apoiar os devaneios ambientalistas em relação à caça, o que manifestamente não acontecia, frequentemente.

Numa dessas ocasiões houve uma discussão acessa entre as organizações de caçadores e as de ambiente por causa da idade a partir da qual se poderiam frequentar campos de treino e coisas afins (a carta de caçador, ou lá como se chamava a licença para caçar, já tinha limite mínimo de idade para ser atribuída, portanto já havia idade mínima para caçar).

As organizações de caçadores entendiam que sendo a caça uma actividade permitida, era melhor que fosse exercida por quem tivesse uma boa formação na actividade, pelo que entendiam que era absurdo que se impedisse a formação de futuros caçadores em idades em que essa formação poderia dar melhores resultados.

O representante de uma das organizações de caçadores dava o exemplo da sua casa, em que tendo vários filhos, uns eram caçadores e outros não, independentemente de todos terem tido a mesmo educação, concluindo que ou se nasce caçador ou não se nasce caçador, e para os que nascem caçadores, o melhor era terem formação adequado à actividade, tão cedo quanto os seus instrutores entendessem adequado (penso que a questão é que uns queriam que as pessoas com mais de doze anos pudessem andar pelos campos de treino e os outros quereriam qualquer coisa como 16 ou 18 anos como idade mínima, para se evitar a doutrinação de crianças influenciáveis).

Se não me engano, penso que o ICN acabou por concordar com os caçadores, não havendo nenhuma razão objectiva para proibir o contacto com a actividade da caça em idades tenras.

Por acaso, ao almoço, acabei por ficar na mesa em que estava o grosso dos representantes dos caçadores que, simpaticamente, me queiram convencer a ir a uma caçada não sei onde.

Francamente, quer por razões institucionais, quer por razões pessoais, não queria aceitar o convite, mas também não queria ser desagradável e andei por ali a fugir a dar uma resposta, até me lembrar de citar o que tinha ouvido de manhã: ou se nasce caçador, ou não se nasce caçador, e eu não tinha nascido caçador, o que resolveu a situação a contento de toda a gente.

Lembrei-me desta história a propósito da proibição de ir ver toiradas antes dos 16 anos.

Trata-se de uma proibição idiota, quer porque na prática não impede ninguém de ver touradas  (quer em Portugal, quer em Espanha, quer na televisão), quer por uma questão de princípio: trata-se de uma mera proibição assente nos valores morais de uma minoria mais que minoritária na sociedade.

A associação pró-toiro e outro tipo de organizações relacionadas com a actividade, em vez de andarem a protestar contra a decisão, deveriam simplesmente promover um referendo sobre o assunto, que é o tipo de coisas em que os referendos são úteis, e aceitar o resultado do referendo, se o perdessem, o que significaria que estou errado nesta minha ideia de que o apoio social a esta medida é ultra-minoritário.

Eu, que para além de não ter nascido caçador, também não nasci aficionado, ofereço-me desde já para fazer campanha para a revogação dessa norma, em nome da liberdade das famílias educarem os seus filhos de acordo com os seus valores, em nome da liberdade de expressão, em nome do combate a regulamentação absurda que permite todo o género de violência em horário nobre de televisões em sinal aberto, incluindo telejornais e afins, mas pudicamente quer impedir marmanjos de 15 anos de serem sujeitos à violência de uma tourada e, sobretudo, em nome do dever de resistir à intervenção do Estado na definição do que é permitido e proibido em matérias que apenas dizem respeito aos interessados e nas quais não há qualquer prejuízo para terceiros.


1 comentário

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De António C. Mendes a 15.10.2021 às 12:27

Concordo com quase tudo o que diz. À excepção do referendo. Em Portugal os referendos fazem-se e repetem-se até que a agenda fraturante das minorias reinantes ganhe. É inadmissível. Eu detesto a actividade contemporânea de atirar numeros como quem joga ao guelas, mas aqui não há como evitar. Peço desculpa, não pretendo viver num regime que não seja a democracia, mas não posso deixar de lutar contra a imperfeição de alguns representantes de 175.000 votantes quererem impor a milhões a sua vontade arbitrária, com as agravantes de: quererem impor que educação estrutural dar aos filhos dos outros; quererem apropriar-se dos valores estruturantes de uma sociedade e de um povo; de o fazerem comprometendo-se como joguetes políticos ao serviço de invertebrados politicos de peso. Quanto aos invertebrados políticos de peso então, já não tenho palavras para o alcance da canalhice com que se movem.

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