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O exercício de funções políticas resulta de apreciações políticas dos actores políticos (que inclui os eleitores) e não deve ser misturado com considerações judiciais.
Por isso João Galamba tinha razão em não ver razões para se demitir.
É normal ser investigado, eu já devo ter sido investigado (ou pelo menos decisões em que participei) meia dúzia de vezes, quer pelo sistema judicial, quer pelo jornalismo, quer dentro de processos administrativos, e isso nunca me incomodou.
Se há dúvidas, investiga-se, esse deve ser o princípio geral.
Em determinada altura, num processo conhecido (o golfe do Melancia) houve uma questão qualquer com um parecer do ICN, que não foi emitido em devido tempo, qualquer coisa, não me lembro.
Foi levantado, penso que por mim, mas seguramente pela presidência de que fiz parte, um processo disciplinar à directora de serviços responsável pelo processo e não houve maneira de que a convencer de que esse era o procedimento normal, não varrer problemas para debaixo do tapete, avaliar as razões e responsabilidades dos diferentes envolvidos e isso não tinha qualquer relação com a minha convicção pessoal de que o processo seria arquivado, como realmente foi, depois de feita a investigação, ilibando totalmente as pessoas a quem tinha sido levantado o processo disciplinar.
Vários processos em que participei foram duramente criticados e lidei com inúmeras acusações de ilegalidade nas decisões (minhas ou de terceiros), incluindo, em alguns casos, processos judiciais decorrentes de denúncias (o mais conhecido foi o do Freeport, mas houve mais processos, alguns ligados aos empreendimentos na costa alentejanda a Sul do Sado, e também vários outros).
Isto é o normal.
António José Cerejo, um dos poucos jornalistas de investigação nestas matérias, apareceu uma vez no ICN para passar a pente fino a adjudicação de um estudo de uns milhares de euros, limitei-me a arranjar-lhe uma mesa, pôr-lhe à frente todos, rigorosamente todos os dossiers do processo de adjudicação, informá-lo de como poderia pedir para fazer cópias do entendesse e de qual era o gabinete onde eu estaria para lhe dar as informações de que precisasse. Ficou espantado, nunca lhe tinham feito isso nas inúmeras investigações desse tipo, andou ali umas horas a olhar para os papéis, concluiu que não havia matéria para uma notícia de jornal, e foi à sua vida.
Volto a repetir, ser investigado é o normal, há organizações que estão sistematicamente a fazer auditorias internas, em especial nos departamentos mais sensíveis, e o que é pena é que isso não aconteça, de forma sistemática, na generalidade da administração pública.
Os meus amigos que estão sempre irritados com o Ministério Público, que acham incompetente, abusivo, pouco respeitador das liberdades individuais, tendem a confundir a condenação ou isenção de culpa, matéria que se trata nos julgamentos, com os efeitos sociais das notícias sobre investigações judiciais, e portanto ficam horrorizados com o que aconteceu, por exemplo, a Miguel Macedo (para não falar sempre dos mesmos).
Dizem que a vida de Miguel Macedo ficou destruída.
Não é verdade, a sua carreira política ficou destruída, a sua vida ficou prejudicada, mas não pelo Ministério Público que investigou, mas pela sociedade que equivale escrutínio a condenação. E por procedimentos da administração pública que ele próprio poderia ter ajudado a mudar, aumentando-lhes a transparência que teria tornado normais e escrutináveis as decisões que foram investigadas.
A ideia de que o Ministério Público deve subordinar as suas investigações e acusações a critérios de oportunidade política e à probabilidade de afectar a vida de pessoas e depois, afinal, não ter razão nas acusações, é uma ideia muito mais perigosa socialmente que a ideia de que o poder não precisa de ser escrutinado por quem não tenha medo de o escrutinar.
É por isso que os juízes, seja qual for a dimensão dos seus erros (por serem incompetentes, desleixados ou venais) não podem ser responsabilizados pelas decisões que tomam. Com isso estragam a vida de pessoas concretas se errarem? Sim, é verdade, mas é o preço a pagar pela liberdade de julgamento do juíz, doutra forma o juiz estaria sempre condicionado pelos poderosos.
Se há regras que poderiam ser melhores? Sim, com certeza.
Mas foi António Costa que decidiu pedir a demissão, foi Marcelo que decidiu convocar eleições e foram os deputados que resolveram criminalizar o tráfico de influências, que por estes dias vejo dizer que é uma questão menor.
O Ministério Público limitou-se a investigar uma suspeita séria, um juíz resolveu autorizar escutas, outro juíz decidiu validar algumas coisas e outras não, a investigação continuará (o argumento de que não se passou nada, ou no máximo passou-se uma coisa normal porque tráfico de influências é uma questão sem grande relevância, é pornográfico, pornográfico), a decisão de levar ou não os suspeitos a julgamento será tomada por um juiz e, havendo julgamento, podem ser todos absolvidos (espero que sim, era sinal de que o nosso Estado funciona de forma mais decente do que penso) mas nada disso é razão para dizer que o Ministério Público não deveria ter o poder de investigar o que acha que é criminalmente relevante.
E o que dá força ao que se passou é o rasto de coisas mal explicadas por António Costa ao longo da sua vida, e o rasto de coisas mal explicadas ao longo dos governos do PS, não é o facto do Ministério Público fazer uma investigação à forma como uma decisão foi tomada.
Cumprissem o Código do Procedimento Administrativo, com reuniões formais e registo de actas em todos os contactos e não havia processo nenhum, porque tudo estava claro.
Há gente incompetente no Ministério Público? Com certeza.
Há gente venal? Com certeza.
Há gente sem noção? Com certeza.
É bom que desenhemos regras a contar com isso, mas não posso concordar com regras especiais para pessoas especiais, como ter de ser o supremo tribunal de justiça a ter de validar actos investigatórios do primeiro ministro (ainda posso aceitar para o presidente da república, mas esse não ter poder executivo) e menos ainda concordar com a ideia de que o risco do ministério público ter medo de investigar seja quem for é muito pior que o risco de um político ou empresário não ser escrutinado (não é condenado, senhores, é escutinado) para não ser prejudicado por qualquer injustiça que sofra no processo.
António Costa poderia ter dito que não se demitia, que ser investigado era normal e que já que nos oito anos anteriores não tinha tido tempo para desenhar melhores políticas de justiça, ficava até ao fim da legislatura com o encargo de, para o futuro (para não decidir em causa própria), se concentrar numa reforma da justiça que desse mais garantias de maior escrutínio e menos injustiça.
O Ministério Público não derrubou governo nenhum, António Costa sim.
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