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Já podemos falar de imigrantes?

por henrique pereira dos santos, em 06.02.23

Um dia, num programa de televisão, resolvi chamar a atenção para o facto de Odemira ser quase o único concelho rural que aumentou de população entre o censo de 2011 e 2021.

Na resposta, outra das pessoas que estavam no programa resolveu dizer que temos ser mais inteligentes, como sociedade (não me estava a chamar estúpido, evidentemente), que aceitar o modelo económico de Odemira, sugerindo, em alternativa, que olhássemos para o concelho do Fundão.

O que se passa com as discussões à volta dos problemas de Odemira é que a invocação de argumentos de elevado conteúdo emocional, em paralelo com a omissão de informação concreta, tem carta de alforria entre as elites portuguesas (não sei se nas outras também, suspeito que sim).

O caso de Ana Sá Lopes que refiro no meu último post e de Alexandra Leitão, ilustram bem o problema.

Por causa de uma doença complicada Ana Sá Lopes chocou com a realidade e, de uma forma honesta que me apraz registar, resolveu afirmar publicamente que mudava de ideias para não contrariar a realidade.

O caso de Alexandra Leitão, que reclama para si uma liberdade de escolha na escola dos filhos (que ela baseia no facto de ter dinheiro para isso) ao mesmo tempo que decide politicamente contra a liberdade de escolha de terceiros (porque não têm dinheiro para isso), é, no entanto, muito mais vulgar: Alexandra Leitão (como Marta Temido, para manter o exemplo de Ana Sá Lopes) faz os outros chocarem com uma realidade a que ela continua imune, o que lhe permite manter as suas ideias, independentemente da realidade verificável.

Os problemas dos imigrantes que têm trabalho em Portugal e, mesmo assim, não se conseguem libertar da pobreza e ter condições de vida dignas, têm sido usados pelas agendas políticas que abominam a liberdade económica e a capacidade de criar riqueza dos outros ("Ser progressista exige uma visão política e comprometida do mundo. Em que se traduz essa exigência? Na disponibilidade para pagar impostos", uma citação de elevado recorte intelectual e profundidade filosófica que exemplifica bem o mundo em que vivem algumas das pessoas que apoiam essas agendas).

Só que a responsabilidade pelas condições de vida destas pessoas não tem a sua raiz nos malandros dos empresários que pagam mal, ou de sectores que têm modelos de negócio intrinsecamente maus.

Claro que haverá sempre malandros, exploradores, escroques no meio disto tudo e, periodicamente, lá aparecem as notícias de mais uma rede de tráfico humano que é desmantelada.

O problema de fundo está no facto de criarmos pouca riqueza e no facto de nós, enquanto sociedade, acharmos que as empresas têm uma responsabilidade social que as deveria impelir a pagar acima do que podem, garantir habitação condigna e por aí fora, cabendo ao Estado a tarefa de os obrigar a cumprir obrigações que o Estado não quer pagar.

Quando uma imigrante cabo-verdeana resolve, ao fim de oito anos em Portugal, trazer finalmente o filho e o marido, ela tem um problema de fundo: onde encontrar casa que seja compatível com o seu rendimento e com a nova configuração da família?

São os seus empregadores que são responsáveis pelas suas dificuldades em resolver esse problema?

Sim, na medida em que o rendimento que lhe proporcionam, e a rede de contactos que lhe proporcionam, não lhes permite encontrar a solução que a senhora Ministra da Agricultura encontrou: um T2 da Misericórdia, com uma renda abaixo dos mil euros, num sítio aceitável.

Mas há também responsabilidade do patrão dos patrões em não lhes proporcionar um rendimento mais elevado que permita ter disponibilidade para pagar melhor a quem lhes trata dos filhos.

E há também responsabilidade do Estado entender que ficar com 30 a 40% do rendimento do trabalhador é razoável.

E responsabilidade do Estado na criação de regras para a construção que impedem a produção de casas mais baratas.

E responsabilidade do Estado em ficar com 28% da renda, se algum maluco decidir construir para alugar, apesar do contexto e dos riscos de que o contexto venha ainda a ser pior para os investidores em construção de habitações.

E responsabilidade do Estado na forma como trata os imigrantes, incluindo os seus processos de legalização e de reagrupamento familiar.

E responsabilidade do Estado na forma como fecha os olhos a situações como as do prédio da Mouraria (toda a gente conhece este tipo de situações há anos, mas uma situação semelhante no tempo da Covid tratou de esfregar esta realidade na cara dos mais distraídos).

Continuai a discutir os problemas da agricultura intensiva (ou do negócio que escolherem para proclamarem a vossa superioridade moral à custa da realidade dos outros) como raiz dos problemas sociais que os seus trabalhadores enfrentam, só porque não gostam de ver estufas onde antes davam grandes passeios aos domingos, porque a tranquilidade está assegurada: serão sempre eles, os outros, a chocar de frente com a realidade.



14 comentários

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De entulho a 06.02.2023 às 10:08

«  Pobre gosta de luxo; quem gosta de pobreza é intelectual”. A frase de Joãozinho Trinta resume com perfeição o meu Esquerda Caviar
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De pitosga a 06.02.2023 às 11:54


Nestas actividades só me lembro de Arnaldo de Matos no seu editorial no Luta Livre referindo-se aos políticos e quejandos que ele muito bem conhecia:
«Isto é tudo um putedo»
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De César a 06.02.2023 às 12:34

Bom dia Sr Henrique Santos.
Subscrevo tudo o que disse. Um retrato fiel do mundo de unicórnios e fadas madrinhas em que a bolha urbano-depressiva vive, completamente alheados da realidade e agarrados a conceitos ideológicos retrógados embrulhados em "humanismo".
Algumas vezes discordo do senhor, faz parte. Nunca para "deitar abaixo"', tento sempre a crítica construtiva. Neste caso(como em muitos outros) esteve muito bem. Bem haja. Cumprimentos
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De Ricardo Miguel Sebastião a 07.02.2023 às 09:48

Impressionantes as condições de vida daquelas pessoas, a viverem em beliches sem qualquer privacidade e conforto por 150€ por mês. E no entanto quando perguntam a uma mulher se pretende regressar ao seu país, a sua simplicidade é desarmante: "não quero voltar, lá é muito difícil para as mulheres"...


Mas claro, para a esquerda caviar o Ocidente é que é o inferno na Terra
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De balio a 07.02.2023 às 11:23


Pois, essa é que é a realidade, eles vivem assim porque querem. Eles preferem viver assim cá, do que regressar aos países deles. Para eles, viver assim é um progresso, se não para eles próprios, pelo menos para os seus familiares na sua pátria, a quem remetem dinheiro todos os meses.
Não devemos procurar impedir ninguém de subir na vida, ou de pelo menos ajudar os seus familiares a subir na vida.
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De Anónimo a 07.02.2023 às 14:04

Sem dúvida, parece ser preciso que as tragédias aconteçam para chocarmos de frente com a realidade escondida. Toda a gente ficou muito chocada com as condições de vida e de trabalho no Qatar. E ninguém viu que o Qatar é já aqui, ao virar da esquina, paredes meias connosco?!
 Retrato correctíssimo do país e sobretudo doestes progressistas virolhos, que não acertam uma. Sempre muito cheios de virtudes e comiseração, sempre a baterem com a mão no peito, mas completamente incapazes de ir ao cerne das questões para identificarem as causas reais dos problemas.   


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De O apartidário a 07.02.2023 às 19:10

Este incêndio veio pôr a descoberto (se ainda preciso fosse) uma realidade que muitos ainda não percebiam,pois não passam nas ruas entre a Morais Soares (arroios) e a Mouraria. E agora os mesmos partidos politicos (além do ps ) que provocaram a actual situação, ao promoverem a imigraçao sem controlo para uma cidade sem condições (inclusive para os cidadãos portugueses) vêem reclamar e pedir condições como se tudo tivesse solução agora de um dia para o outro carregando num botão dos milagres. 
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De balio a 09.02.2023 às 11:05

Ninguém promoveu a imigração. Os imigrantes vieram, simplesmente.
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De Zé Manel Tonto a 09.02.2023 às 20:32

Se por ninguém promoveu a imigração quer dizer que ninguém andou a anunciar no terceiro mundo que as pessoas deviam vir para Portugal, aceito.


Mas dar vistos a imigrantes sem qualificações, não expulsar imediatmanete qualquer ilegal apanhado no território, e a cada 5 ou 10 anos fazer umas rondas de legalização em massa, é promover a imigração.


As escolas, hospitais, etc, quando se apercebem de um estrangeiro sem documentação, chamam o SEF, ou deixam andar?
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De balio a 10.02.2023 às 10:00


dar vistos a imigrantes sem qualificações


Mas para trabalhar na agricultura, nas entregas, nas cozinhas dos restaurantes, ou na limpeza não são precisas qualificações!


Entendamos: há na economia moderna montes de empregos para ser exercidos por pessoas sem qualificações. E não são os portugueses - que têm qualificações! - que os quer exercer.


Os imigrantes sem qualificações são necessários, precisamente para exercer empregos para os quais não são precisas qualificações.
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De balio a 10.02.2023 às 10:03


expulsar imediatmanete qualquer ilegal apanhado no território


Mas em geral os imigrantes não estão ilegais. Eles não vêem para cá passar férias, têm trabalhos e, uma vez tendo um trabalho, naturalmente que se legalizam, arranjam um visto de trabalho.


Pelo menos eu penso que assim seja. Não creio que a generalidade dos imigrantes esteja em situação ilegal.
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De balio a 10.02.2023 às 10:05


As escolas, hospitais, etc, quando se apercebem de um estrangeiro sem documentação, chamam o SEF, ou deixam andar?


Espero que deixem andar! As escolas e os hospitais são serviços a que as pessoas devem poder recorrer sem recearem ser denunciadas! Seria péssimo que um pai tivesse receio de pôr o seu filho na escola, ou que uma mãe tivesse receio de ir dar à luz num hospital, por temer ser denunciada e posta fora do país!
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De Anónimo a 08.02.2023 às 10:00

Não só se deve falar de imigração, como de todos os problemas que levantou. Sabendo que toda a esquerda, PS incluído, não fazem parte das soluções; fazem parte dos problemas, posto que os ajudaram a criar muitos deles. É preciso dar-lhes uma grande sacudidela para se começar a limpar e a arrumar a casa, que esta montureira está a tornar o ambiente malsão. 
Já se sabia que, mais tarde ou mais cedo, o país ia pagar o preço dos anos dessa Geringonça que se prestou a servir de "padiola portátil" para  transportar em ombros o dr.Costa, ladeira acima, até S.Bento. E como ele luzia na subida, satisfeito como um Padixá! Dizia e bem, ontem, o dr. Sérgio Sousa Pinto que essa factura  tinha de chegar e chegou! 
Estão à vista  os resultados desses anos de desvario em que se aplicaram medidas descabidas por puro capricho doutrinário, sem nenhuma adesão à nossa realidade. O país permitiu-se ter um governo suportado por um grupo de "artistas" sem tino, uns alucinados que quiseram testar os seus experimentalismos progressistas e as suas ideologias de pacotilha. Anos de tempo perdido sem um desígnio nacional! Apenas havia o projecto pessoal de poder do dr.Costa que colocou os seus interesses pessoais acima do interesse nacional, sujeitando o país às exigências de um grupelho de fanáticos. E esta brincadeira do dr.Costa está a sair-nos cara. Desmantelaram o país! É olhar-se para a corrupção quase "normalizada", para a degradação das instituições, para o desmazelo geral, para o abaixamento da qualidade da da nossa democracia, para o desmantelamento dos serviços públicos nos hospitais, nas escolas, nos transportes, no dinheiro inglório torrado na Tap,  na falta de habitação, na falta falta de estruturas e de condições dignas para absorvermos a imigração tão necessária etc.etc.etc.  

Bem podem os nossos governantes agarrar-se ao estribilho das "contas certas" e continuar a acenar com os seus números martelados, que já não pegam, porque há um detalhe importante: é que enquanto eles não nos vêem, ignoram que são vistos por um país que observa o que pensam, dizem e... fazem.  
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De balio a 09.02.2023 às 11:10

Entretanto, ontem tivemos Carlos Moedas a propôr a solução socialista-conservadora do costume: limitar a imigração através de quotas fixadas pelo Estado. O Estado, que sabe tudo e tudo controla, determinaria o número de imigrantes de que o país necessitaria, N imigrantes para a agricultura, N' para os restaurantes, N'' para as entregas, tudo planificado como na URSS, e depois o Estado permitiria a entrada desses imigrantes, e nem mais um. É assim que Moedas quer, planificação central, que o Estado tudo sabe e tudo controla. Nem mais um imigrante para além daqueles que o Estado determina que podemos acolher. Carlos Moedas como se fosse André Ventura.

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