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Já agora

por henrique pereira dos santos, em 31.01.23

Em 24 de Março de 2019, o Jornal de Negócios publicou este artigo de opinião meu, em que olhava para a forma como eram gastos, e os destinos que eram dados, os 420 milhões de euros do Fundo Ambiental no ano de 2019.

Estes mais de 400 milhões de euros anuais que o Fundo Ambiental distribui não despertam a menor comoção, tanto que são gastos a partir da assinatura de um ministro apenas, sem que ninguém estranhe.

O artigo, naturalmente, não teve nenhuma importância.

Suscitou apenas uma reacção, tanto quanto me lembro.

Sá Fernandes, que não conheço, ligou-me para me explicar os imensos benefícios que a conservação da natureza e as áreas protegidas iam ter pelo facto do Fundo Ambiental dedicar 700 mil euros a financiar uma exposição em Lisboa, portanto eu estava a ver mal o problema.

Este padrão de decisão sobre dinheiros públicos é frequente: decisões discricionárias, justificadas com histórias da carochinha sobre efeitos indirectos da despesa, cujos resultados nunca são avaliados no fim e cujo resultado final é o benefício político, pessoal ou partidário, de quem encontrou a maneira adequada para garantir que o destino dos recursos disponíveis é o mais conveniente para si.

Como as decisões são grandemente discricionárias, a maneira adequada para aprovar este tipo de afectação de recursos é um mínimo de coerência lógica na história da carochinha, o canal adequado para convencer quem decide, com um despacho, sobre 420 milhões de euros e um método de decisão que pareça uma decisão aberta e competitiva ou, no mínimo, alinhada com interesses colectivos mal definidos.

E é assim que são tomadas muitas decisões de apoio a coisas extraordinárias, seja a biblioteca de Manguel, seja a Expo 98, seja a fundação Eugénio de Andrade ou casa do cinema de Manoel de Oliveira, seja o apoio público às Jornadas Mundiais da Juventude, seja o Euro 2004, seja a TAP, e por aí fora.

Tudo isto é potenciado pelo "já agora": já que vamos fazer a Expo98, vamos reconverter uma parte de Lisboa, já que vamos fazer as jornadas, vamos fazer um parque urbano numa zona degradada, etc., por aí fora.

Esquecendo o argumento jacobino de que um Estado laico não pode apoiar nada que tenha uma base religiosa (um argumento que não resiste ao facto de um Estado apartidário apoiar as actividades dos partidos, sem nenhum escândalo), e outros argumentos que aparecem e desaparecem na discussão ao sabor dos preconceitos de cada um, o problema central consiste em, apoio após apoio, continuarmos a cometer os mesmos erros porque não avaliamos os resultados desse investimento.

Podemos perguntar: qual o efeito da tal exposição - uma exposição estimável, tenho ali o catálogo e gosto dele - sobre as áreas protegidas?

Seria a pergunta adequada à avaliação do argumento de Sá Fernandes para me explicar que eu estava a ver mal a coisa e financiar uma exposição em Lisboa sobre biodiversidade era melhor que gastar esses 700 mil euros em projectos concretos de gestão da biodiversidade onde ela existe ou pode ser criada.

Só que ninguém consegue responder porque ninguém avaliou esse efeito, como aliás ninguém avalia o ganho ambiental ou de sustentabilidade da aplicação dos mais de 400 milhões anuais do Fundo Ambiental.

E essa falta de avaliação permite que o "já agora", a pior coisa que existe para rebentar com prazos e orçamentos de obras, se mantenha como rei das decisões esquisitas de apoio a coisas excepcionais.

Tenho a certeza de que se alguém avaliasse com rigor por que razão os 700 mil euros de adaptação do hospital militar se transformaram em mais de 4 milhões, uma parte, relativamente pequena, diria respeito ao que hoje mantém esse assunto no mundo mediático, a corrupção, mas a esmagadora maioria desse desvio, diria respeito ao "já agora".

A corrupção é uma coisa chata, muito corrosiva para a confiança das pessoas nas instituições, mas o que nos conduz à relativa mediocridade e pobreza é mesmo a ineficiência na afectação de recursos, públicos e privados, sendo por isso que a avaliação de resultados da sua aplicação deveria ser uma prioridade nacional.

E está muito, muito longe de o ser.


3 comentários

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De Anonimo a 31.01.2023 às 10:54


Gostaria de saber como e de onde, em Portugal, aparecem os números.
Investimento de X, retorno de Y (basta ver o post anterior), N utilizadores, Z taxa de utilização. Curiosamente ou não, no papel os números são sempre maravilhosos e o saldo será sempre positivo. A prática teima em contrariar.


Há uns anos, um então deputado tentava vender, em conversa informal, a um grupo de pessoas, eu incluído, o TGV Lisboa-Madrid. Estava estudado que, n milhões de pessoas usariam anualmente o serviço. Perguntei-lhe qual (quais) era o preço de bilhete usado nesse estudo, e qual a comparação com o serviço aéreo, supostamente o principal concorrente. n milhões, *n* milhões, foi a resposta!!!!

 
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De entulho a 31.01.2023 às 11:44

o zé faz falta no já (aqui e) agora 
« A hipocrisia é fatal. A ignorância é imbatível. E na sua veste de imbecilidade é ainda mais mortífera. Está completo o estado d’arte da presente geração»
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De pitosga a 01.02.2023 às 19:35

entulho,

Ainda bem que mencionou o zé do túnel do marquês.

Ignorance is curable, stupidity is forever. Stupidity cannot be cured.

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