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Interesse público

por henrique pereira dos santos, em 21.12.22

Esta semana a Rádio Renascença convidou-me para ir conversar sobre ordenamento do território com Joanaz de Melo e José Pedro Frazão, no programa "Da capa à contracapa", uma parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

A primeira intervenção de Joanaz de Melo levou-me a pensar um bocadinho sobre a invocação do interesse público, em especial a sua invocação por contraponto aos interesses privados.

Na verdade acabei a fazer uma analogia em que nunca tinha pensado: tal como não existe dinheiro público, apenas dinheiro dos contribuintes, também não existe interesse público, apenas interesses privados (não tenho a certeza de estar totalmente de acordo com o disse, mas isso é frequente em mim).

Comecei pela velha ideia de que o interesse político é tão privado como o interesse económico, não existe qualquer diferença moral entre fazer uma acção para ganhar mais dinheiro ou para ganhar mais votos, as duas dizem respeito aos interesses privados dos beneficiários, e os dois criam, ao mesmo tempo, retorno público para terceiros.

O interesse público fundamental que o Estado deveria perseguir é a liberdade para cada um prosseguir o seu interesse privado.

O Estado não é omnipontente, logo, não vai resolver, por si, os problemas que a sociedade não consegue resolver, o Estado tende a perseguir os interesses de quem o domina, logo, razão tinha Lenine em defender que os interesses do proletariado obrigavam à ditadura do proletariado (onde não tinha razão era em considerar que os interesses do proletariado eram o que ele pensava sobre o assunto e não o que os proletários faziam no seu dia a dia para tratar da sua vida) e cada privado perseguir os seus interesses implica conflitualidade e cooperação, em diferentes proporções que resultam das diferentes circunstâncias em cada momento.

Sempre que o Estado pretende restringir a liberdade de cada um perseguir os seus interesses, por exemplo, com as actuais propostas de alteração da constituição para garantir o interesse público de gestão de uma epidemia, é preciso uma atenção redobrada para garantir essa restrição resulta de um interesse que verdadeiramente se sobrepõe ao interesse público de garantir a liberdade dos privados tratarem da sua vida.

Não basta a invocação de um interesse genérico e mal definido, é preciso garantir que há proporcionalidade entre restrição da liberdade de cada um perseguir o seu interesse e a forma como se gere a conflitualidade, para garantir que o maior número possível de pessoas vê a sua liberdade - e segurança - não afectada pela liberdade de terceiros.

A ideia de que o interesse público é definido pelo Estado é a ideia que nos levou a enterrar o dinheiro que enterrámos na TAP, que levou à aprovação de projectos ruinosos como a organização do Europeu de futebol, que levou à construção de auto-estradas sem tráfego que as justifique, etc., etc., etc..

No fundo, no fundo, trata-se da versão fofinha da ideia de que os problemas da humanidade se resolvem pela apropriação colectiva dos meios de produção e os resultados são os mesmos: os beneficiados são os que detêm o poder de decidir, em cada momento, onde se aplicam os recursos colectivos retirados a cada um, em cada momento.

Naturalmente, sempre é melhor usar os impostos e a restrição legal das liberdades de cada um, num sistema democrático, que aceitar que o instrumento para atingir o bem comum seja a força mas, na essência, a ideia base é igualmente errada.


24 comentários

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De balio a 21.12.2022 às 11:11


não existe interesse público, apenas interesses privados


Claro. Isso é frequentemente afirmado por Noam Chomsky - o "interesse nacional" é na verdade o interesse das classes dominantes.
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De entulho a 21.12.2022 às 15:27

discordo da discussão interesse público e privado porque o dinheiro é dos contribuintes privados ... de tudo
nesta republiqueta o estado é tudo e quem o dirige  considera-se Luís XIV
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De Jose a 21.12.2022 às 22:05

Pode pensar que é o Luís XIV... Mas mais parecido com o Idi Amin...
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De Anónimo a 21.12.2022 às 21:08

tal como não existe dinheiro público, apenas dinheiro dos contribuintes, também não existe interesse público, apenas interesses privados (não tenho a certeza de estar totalmente de acordo com o disse, mas isso é frequente em mim).

Raciocino de facto incompleto.
Existe dinheiro público:
- Nem tudo é financiado pelos contribuintes;
- E o que é financiado pelos contribuintes é-lo sem motivação  especifica privada.
- Há um interesse público, que se sobrepõe â soma dos interesses privados que, aliás, não são substanciáveis (Castelo de Bode e Ponte sobre o Tejo, por exemplo), interesse esse que é definido de acordo com a circunstância e as necessidades públicas.de cada momento, de cada época.
Tema muito diferente é o da gestão do dinheiro público, do desperdício do dinheiro público, que não satisfaz necessidades publicas, que infelizmente não tem tido qualquer sindicância 

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De henrique pereira dos santos a 22.12.2022 às 08:13

Fiquei com curiosidade: que recursos do Estado são esses que não provêm dos contribuintes?
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De The Mole a 22.12.2022 às 17:15

Fiquei curioso também. Pena não termos resposta…

Em todo o caso, se há recursos do estado não financiados por nós contribuintes, fica dúvida: porque não os usam mais frequentemente em vez de virem sacar (não tem outro nome) sempre ao mesmo sítio?

Os únicos dinheiros “públicos” que estou a ver que eventualmente possam não ser financiados por contribuintes são aqueles que empresas falidas (logo “não-contribuintes”) do tipo BES dão directamente aos políticos… não é a minha definição de dinheiro público, mas talvez haja quem considere isso, não sei? E mesmo esses – como se tem visto – saem-nos MUITO caros para um benefício (social) de ZERO...
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De Anónimo a 23.12.2022 às 06:47

Por exemplo rendimentos de capitais e prediais
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De henrique pereira dos santos a 23.12.2022 às 06:56

Na sua opinião, um Estado que deve mais de 250 mil milhões de euros consegue ter um saldo positivo do rendimento de capitais?
Na sua opinião, o Estado português, que tem um vastíssimo património imobiliário, é um facto, consegue obter desse património mais do que gasta com ele?
Talvez pondo uns números à frente das afirmações seja possível discutir mais objectivamente.
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De Anónimo a 23.12.2022 às 08:03

Não podemos confundir contas de exploração com receitas 
É evidente que o estado tem receitas prediais e de capitais e que as gasta muito mal
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De henrique pereira dos santos a 23.12.2022 às 09:12

Para se dizer que os recursos do Estado podem ter origem em receitas de capital e imobiliária o que interessa é o saldo dessas origens, não vale a pena dizer que há receita do Estado que não provém dos contribuintes se para obter essa receita é precisa uma despesa maior que, essa sim, vem dos contribuintes.
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De Anónimo a 22.12.2022 às 19:21

Também tive a mesma dúvida, deve faltar ali "portugueses".
É que os apoios europeus vêm de contribuintes, ainda que não portugueses.
E como os empréstimos bancários não devem ser para pagar nunca, também aí os contribuintes portugueses não entram.
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De Miguel Raposo Magalhães a 22.12.2022 às 05:19

Muito bem, Henrique. Subscrevo
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De Anonimo a 22.12.2022 às 07:48

O interesse público fundamental que o Estado deveria perseguir é a liberdade para cada um prosseguir o seu interesse privado.



Um programa nacional de vacinação é um exemplo de interesse público. Protege a população em geral, incluindo os que não se podem vacinar.
Saneamento básico,  rede de estradas, caminho de ferro, forças de segurança,  são de interesse público. 
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De henrique pereira dos santos a 22.12.2022 às 08:14

Um programa nacional de vacinação tem como objectivo garantir o interesse privado na saúde de cada um.
Etc., segue igual para o resto do comentário.
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De Anonimo a 22.12.2022 às 09:20


Não, porque o interesse privado pode não coincidir com o público.
Eu posso não estar interessado em estar protegido de vírus e bactérias (há pessoas que, individualmente, desprezam cuidados de saúde, por razões religiosas ou ideológicas), e no entanto o dito PNV existe.
Efectivamente há situações em que existe um conceito de bem geral. As leis são outro exemplo. Há quem legisle (supostamente) para proteger um conceito de sociedade em detrimento de valores individuais dos mais fortes ou poderosos, que se poderiam sobrepôr.
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De henrique pereira dos santos a 22.12.2022 às 10:20

Volto a repetir, não existe interesse público, o que existe é o interesse privado em não ficar doente.
O Plano Nacional de Vacinação não tem, salvo raríssimas excepções, vacinas obrigatórias, só recomendadas.
Entre outras razões, porque a vacinação obrigatória, praticada aqui e ali, tem demonstrado ser menos eficiente que a vacinação voluntária.
Não existe nenhum interesse público próprio, existem interesses privados em ter uma boa saúde.
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De Anonimo a 22.12.2022 às 10:36


Volto a repetir, não existe interesse público, o que existe é o interesse privado em não ficar doente.




O seu (e meu) conceito de interesse público e privado é meramente subjectivo, não factual.
Discordo do mesmo...
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De henrique pereira dos santos a 22.12.2022 às 11:59

Obrigado pelo fair play de concordar comigo: a definição de interesse é subjectiva, logo, não existe definição de interesse colectivo.
O que é objectivo, e pode ser definido temporariamente em cada momento, são os instrumentos de equilíbrio que permitem gerir a conflitualidade inerente ao facto de todos termos interesses não só diferentes, como subjectivos.
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De Anonimo a 22.12.2022 às 20:26

"Discordo do mesmo" significa isso mesmo... que discordo.

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De henrique pereira dos santos a 22.12.2022 às 10:22

A lei não corresponde a nenhum interesse público, a lei é a codificação do ponto de equilíbrio dos interesses privados em cada momento, é um contrato entre privados, não persegue interesses públicos nenhuns mas apenas o interesse privado em que os conflitos de interesses privados se resolvam de forma previsível e sem efusão de sangue.
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De Anonimo a 22.12.2022 às 20:23

Leis anti monopólio são um exemplo do bem público se sobrepor ao privado.

Nao acredita na sociedade como um todo. Está à vontade. Mas que ela existe, existe.
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De henrique pereira dos santos a 22.12.2022 às 21:36

As leis anti-monopólio? Quer leis mais evidentemente defensoras dos interesses privados?
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De JM a 23.12.2022 às 09:22

O interesse público infelizmente é cada vez menos o interesse em comum do cidadão e cada vez mais o interesse do Estado com centro de poder alienado do cidadão, que se comporta como um entidade privada que procura a manutenção do seu poder a todo o custo, veja-se a sistemática não criação de legislação que possibilite o combate à corrupção e ao enriquecimento ilícito.

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