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Sempre que aparecem umas coisas como os Pandora Papers, levanta-se uma gritaria assente em princípios morais que talvez valha a pena discutir.
Grande parte da condenação moral dos que usem paraísos fiscais prende-se com a ideia de que é errado fugir ao pagamento de impostos.
Tratemos pois de separar questões.
Há uma parte dos utilizadores de offshores que pretendem lavar dinheiro provenientes de actividades ilícitas. Isso é ilegal, e moralmente indefensável.
Há outra parte dos utilizadores que usam esquemas ilegais de fuga aos impostos, o que, por mais moralmente defensável que seja - e existem ângulos em que é possível defender moralmente ilegalidades -, é ilegal e, como tal, cabe na enorme categoria de acções que estão proibidas a quem não queira ser um fora da lei.
Mas há uma outra parte, considerável, dos utilizadores que, na verdade, não cometem qualquer ilegalidade, para além das que decorrem de falar contra si. O que querem é simplesmente pagar menos impostos.
Sobre estes cai a acusação de "corrupção" moral, no sentido em que cumprir as obrigações fiscais seria uma obrigação dos contribuintes.
Eu não estou de acordo com esta visão moral do mundo: não sou eu que tenho de me oferecer ao Estado para pagar impostos, é o Estado que tem a obrigação de os colectar.
Vamos deixar de lado a hipocrisia dos que defendem a visão moral descrita primeiro - todo o bom cidadão tem obrigação de cumprir todas as suas obrigações fiscais, mesmo as que correspondem a uma auto incriminação - e depois, na prática, fazem uma coisa diferente do que apregoam. Isso é uma hipocrisia e a hipocrisia é moralmente condenável em si.
Se eu for um assassino, a lei e a sociedade reconhecem-me o direito de não me incriminar, ninguém me pode obrigar a confessar o meu crime ou a dizer o que quer que seja que possa ser usado contra mim, o direito a estar calado é reconhecido de forma absoluta.
Quando chegamos aos impostos, este direito a não me incriminar não é reconhecido, pelo contrário, a lei estabelece, de forma imoral, que eu tenho a obrigação legal de me denunciar ao fisco.
Vejamos, até eu fiquei espantado quando resolvi ir alargar os exemplos de resistência fiscal que conhecia.
Mesmo reconhecendo que com estados democráticos é mais difícil defender o direito à resistência fiscal, a verdade é que essa resistência fiscal já foi considerada como uma atitude moralmente superior, por exemplo, quando o movimento pacifista defendia a recusa a pagar impostos que os estados usam para fazer a guerra.
É muito popular a ideia de que os impostos correspondem ao dinheiro que nos faz falta para "as nossas escolas, os nossos hospitais, os nossos planos de descarbonização, até a possibilidade de um rendimento básico incondicional que erradique a pobreza das nossas sociedades", para citar o imorredoiro Rui Tavares.
O mesmo Rui Tavares, dois dias depois, acusa Zuckerberg de poder excessivo porque "uma boa parte do mundo, que é altamente dependente do whatsapp, em particular na América Latina, ficou por umas horas sem uma das suas principais infraestrturas de comunicação. Noutras partes do mundo, em particular em África, o Facebook é a internet", demonstrando o contrário do que dizia antes sobre a utilidade dos impostos: quem disponibilizou infraestruturas de comunicação nos países pobres terá sido um empresa privada que procura o lucro, e não os estados colectores de impostos. Nem os estados dessas regiões, que são pobres, nem os estados das regiões ricas, com os seus programas de cooperação e desenvolvimento.
Ou seja, na inesperada demonstração de Rui Tavares, nem os impostos são intrinsecamente bons, nem o dinheiro dos privados é intrinsecamente mau quando continua na mão dos privados.
Seja através do Estado, ou através de indivíduos ou organizações privadas, os recursos podem sempre ser bem ou mal usados.
O corolário é o de que o negócio do Estado é colectar impostos, das formas que as sociedades entenderem que é legal - o que nem sempre quer dizer moral, João César das Neves, estando longe de ser o único a dizê-lo, é aquele que mais vezes ouço a lembrar e insistir sistematicamente na ideia de que o uso do dinheiro público (eu sei, eu sei, não existe dinheiro público, o que existe é dinheiro dos contribuintes) é aquele cuja utilização é eticamente mais exigente por incluir dinheiro dos mais pobres de todos - mas isso não significa que as pessoas não tenham o direito de procurar pagar o mínimo de impostos possível.
Se forem apanhados em actividades ilegais, com certeza, o sistema legal aí está para aplicar as sanções previstas, mas moralmente não há nada de indigno em não pagar impostos e esforçar-se por diminuir a parcela da minha riqueza que é entregue ao Estado (e não à sociedade, são coisas bem distintas), pelo contrário, é um direito semelhante ao que tem qualquer pessoa de não dizer nada que a incrimine.
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