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Luís Lavoura chamou-me a atenção para este post, no Aventar.
O post acaba assim:
"Na eventualidade de ser necessário evacuar aquela gente toda, por deflagrar um incêndio de largas dimensões, seria Pedrógão Grande all over again. Ou pior ainda. Mas há malta que, em nome de um egoísmo imbecil travestido de liberdade, vê na decisão um grande atropelo às suas liberdades fundamentais. A penetração do trumpismo em Portugal, para lá do partido dos fachos, é cada vez mais preocupante."
Esta ideia, com mais polimento, apareceu-me ontem nuns comentários a este post meu, de há dias, no Facebook de alguém que o tinha partilhado, exactamente porque queria expressar a sua discordância com o post.
"Eu pessoalmente prescindo sem qualquer problema de alguma da minha liberdade em nome de um bem maior que é a segurança coletiva... Neste caso do Festival, e eu conheço bem a zona, acho bastante avisado o que se fez, aquilo tem uma estrada estreita de duas vias e não tem qualquer escapatória para evacuação no caso de um incêndio... Aliás, o Estado seria sempre criticado, se deixasse fazer era porque cedia aos interesses económicos, que estava capturado, etc., se não cedeu é porque restringe as liberdades... Já para não falar se acontecesse alguma coisa e morressem pessoas...".
O mais curioso destas duas alegações é que têm uma base factual absolutamente falsa, a de que o festival tenha sido objecto de qualquer decisão por parte do Governo.
Não foi assim, o governo não tomou qualquer decisão sobre o festival e, muito menos, com base nos argumentos de segurança invocados, o governo limitou-se a tomar a decisão que consiste em limitar a liberdade de circulação de toda a gente, em espaços florestais, o que, por tabela, afecta todas as actividades em espaços florestais como é o caso desse festival.
O objectivo desta decisão é diminuir o número de ignições.
Para se ter uma noção, o Parque Bensaúde, um jardim na malha urbana de Lisboa, mais pequeno que o Jardim da Estrela, que até tem hortas no seu interior, fechou porque está em regime florestal parcial. Apesar de, como me dizia o amigo que me falou deste caso, se poder desafiar qualquer pessoa a tentar provocar um fogo, de propósito, nesse parque, apostando singelo contra dobrado em como não conseguia.
A evidente desproporção entre o objectivo da medida e a compressão das liberdades individuais, admitindo que a medida sequer tem fundamento, isto é, que está perfeitamente determinado que a redução do número de ignições que eventualmente resulte da medida tem algum efeito na gestão do fogo, é de tal maneira que eu fico espantado com as reacções.
Quando fiz notar que andar a discutir a evacuação do festival (não era isto que estava em causa, mas adiante) para o interior, quando a praia do Meco está ao lado, é simplesmente absurdo, disseram-me para olhar para o google maps para ver como a praia do Meco está a oito quilómetros do sítio do festival.
O ridículo de argumentar com os oito quilómetros deste trajecto, quando há uma lagoa e uma várzea ao lago e praias a menos de metade da distância, demonstra bem como a paranóia securitária associada ao risco zero é um instrumento de erosão das liberdades individuais que nos deve preocupar.
Faz-me lembrar a quantidade de pessoas que se rebelam contra a família Mesquita Guimarães, porque os pais pensam mal, porque as regras são para cumprir, etc., esquecendo-se do dia em que o Ministro da Educação for do Chega, altura em que boa parte destas pessoas redescobrirão Henry David Thoreau, a desobediência civil e, até, a "beleza de matar fascistas", a propósito do seu direito a educar os filhos e à ilegitimidade do Estado para impôr programas que os ofendem.
Para mim, quem argumenta com as dificuldades de acesso a um festival - bem menores que as que existiram no festival de Woodstock, já agora - como fundamento para apoiar a decisão do governo limitar liberdades individuais, procurando um risco zero associado ao fogo, sem notar que qualquer evacuação nessas circunstâncias se faria para sítios seguros que estão a um passo do festival, no lado contrário das tais estradas manhosas, não é com certeza um imbecil, é apenas alguém a quem a paranóia securitária fez perder qualquer vestígio de bom senso.
Começamos sempre numa coisa em que parece fazer sentido aceitar tolerância zero em nome de valores mais altos, perdemos o hábito de discutir a razoabilidade de cada decisão do Estado e corremos o risco de, qualquer dia, acordar apenas com a tolerância zero, seja para o que for.
“Se me perguntassem qual a principal lição que os anos de 2020 e 2021 me trouxeram, eu responderia: afinal, a garantia e proteção dos direitos fundamentais, que eu tinha por certa e, tanto quanto possível, eficiente, é bem menos segura e garantida” (...) “A anormalidade tornou-se uma nova normalidade. Entraram nas nossas rotinas coisas antes impensáveis como confinamentos forçados, proibição de deslocações, reconduções ao domicílio por agentes policiais, internamentos compulsivos, encerramento de escolas, serviços públicos e estabelecimentos comerciais”.
Num lugar menos folclórico, sobretudo as afirmações do presidente do TC suscitariam um abalo social se calhar irreversível, e uma crise institucional de certeza consequente. Aqui, na vasta maioria dos “media”, a coisa não chegou ao rodapé noticioso. Que eu reparasse, a totalidade dos partidos não lhe dedicou um pio. E a população nem soube da respectiva ocorrência. "
Daqui:
https://observador.pt/opiniao/o-que-diz-o-p
(O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa é um prestigiado e mui distinto constitucionalista, mas muito distraído, para dizer o mínimo...)
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