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Imbecis há muitos

por henrique pereira dos santos, em 15.07.22

Luís Lavoura chamou-me a atenção para este post, no Aventar.

O post acaba assim:

"Na eventualidade de ser necessário evacuar aquela gente toda, por deflagrar um incêndio de largas dimensões, seria Pedrógão Grande all over again. Ou pior ainda. Mas há malta que, em nome de um egoísmo imbecil travestido de liberdade, vê na decisão um grande atropelo às suas liberdades fundamentais. A penetração do trumpismo em Portugal, para lá do partido dos fachos, é cada vez mais preocupante."

Esta ideia, com mais polimento, apareceu-me ontem nuns comentários a este post meu, de há dias, no Facebook de alguém que o tinha partilhado, exactamente porque queria expressar a sua discordância com o post.

"Eu pessoalmente prescindo sem qualquer problema de alguma da minha liberdade em nome de um bem maior que é a segurança coletiva... Neste caso do Festival, e eu conheço bem a zona, acho bastante avisado o que se fez, aquilo tem uma estrada estreita de duas vias e não tem qualquer escapatória para evacuação no caso de um incêndio... Aliás, o Estado seria sempre criticado, se deixasse fazer era porque cedia aos interesses económicos, que estava capturado, etc., se não cedeu é porque restringe as liberdades... Já para não falar se acontecesse alguma coisa e morressem pessoas...".

O mais curioso destas duas alegações é que têm uma base factual absolutamente falsa, a de que o festival tenha sido objecto de qualquer decisão por parte do Governo.

Não foi assim, o governo não tomou qualquer decisão sobre o festival e, muito menos, com base nos argumentos de segurança invocados, o governo limitou-se a tomar a decisão que consiste em limitar a liberdade de circulação de toda a gente, em espaços florestais, o que, por tabela, afecta todas as actividades em espaços florestais como é o caso desse festival.

O objectivo desta decisão é diminuir o número de ignições.

Para se ter uma noção, o Parque Bensaúde, um jardim na malha urbana de Lisboa, mais pequeno que o Jardim da Estrela, que até tem hortas no seu interior, fechou porque está em regime florestal parcial. Apesar de, como me dizia o amigo que me falou deste caso, se poder desafiar qualquer pessoa a tentar provocar um fogo, de propósito, nesse parque, apostando singelo contra dobrado em como não conseguia.

A evidente desproporção entre o objectivo da medida e a compressão das liberdades individuais, admitindo que a medida sequer tem fundamento, isto é, que está perfeitamente determinado que a redução do número de ignições que eventualmente resulte da medida tem algum efeito na gestão do fogo, é de tal maneira que eu fico espantado com as reacções.

Quando fiz notar que andar a discutir a evacuação do festival (não era isto que estava em causa, mas adiante) para o interior, quando a praia do Meco está ao lado, é simplesmente absurdo, disseram-me para olhar para o google maps para ver como a praia do Meco está a oito quilómetros do sítio do festival.

Sem Título.jpg

O ridículo de argumentar com os oito quilómetros deste trajecto, quando há uma lagoa e uma várzea ao lago e praias a menos de metade da distância, demonstra bem como a paranóia securitária associada ao risco zero é um instrumento de erosão das liberdades individuais que nos deve preocupar.

Faz-me lembrar a quantidade de pessoas que se rebelam contra a família Mesquita Guimarães, porque os pais pensam mal, porque as regras são para cumprir, etc., esquecendo-se do dia em que o Ministro da Educação for do Chega, altura em que boa parte destas pessoas redescobrirão Henry David Thoreau, a desobediência civil e, até, a "beleza de matar fascistas", a propósito do seu direito a educar os filhos e à ilegitimidade do Estado para impôr programas que os ofendem.

Para mim, quem argumenta com as dificuldades de acesso a um festival - bem menores que as que existiram no festival de Woodstock, já agora - como fundamento para apoiar a decisão do governo limitar liberdades individuais, procurando um risco zero associado ao fogo, sem notar que qualquer evacuação nessas circunstâncias se faria para sítios seguros que estão a um passo do festival, no lado contrário das tais estradas manhosas, não é com certeza um imbecil, é apenas alguém a quem a paranóia securitária fez perder qualquer vestígio de bom senso.

Começamos sempre numa coisa em que parece fazer sentido aceitar tolerância zero em nome de valores mais altos, perdemos o hábito de discutir a razoabilidade de cada decisão do Estado e corremos o risco de, qualquer dia, acordar apenas com a tolerância zero, seja para o que for.


11 comentários

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De balio a 15.07.2022 às 12:51


A evidente desproporção entre o objectivo da medida e a compressão das liberdades individuais


Para mim a desproporção não é evidente. (Foi-o no caso da covid; aqui não é.)


A maior parte das pessoas não é proprietária de espaços florestais e, não o sendo, não tem automaticamente liberdade, nem tem necessidade, de ir passear para esses espaços, que - repito - não são sua propriedade. Só tem a liberdade que o proprietário lhe concede.


A maior parte das pessoas não tem qualquer necessidade de aceder a qualquer espaço florestal. Pode ir passear para outro lado qualquer. A maior parte dos espaços florestais em Portugal são privados e ninguém tem nada que ir para lá andar.


Há portanto uma compressão da liberdade, de facto, mas essa compressão é muito pequena.


Portugal não é a Suécia ou a Noruega, nas quais - por lei - os espaços florestais são sempre acessíveis a qualquer pessoa. Em Portugal, tal como na maior parte dos países em que há direito à propriedade, um proprietário tem o direito de vedar as suas propriedades à entrada de estranhos.
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De Anonimo a 15.07.2022 às 13:19


Esta medida tem exclusivamente a razão do tão típico "sacudir responsabilidades".
Se acontecer uma ignição causada, casual ou propositadamente, por um indíviduo, o Governo não pode ser responsabilizado. Eles até proibiram...
É-lhes indiferente se há áreas mais ou menos fáceis de incendiar, se em algumas o próprio "utilizador" serve de agente dissuasor ou ajuda a uma mais célere detecção, é cortar a direito e dar o menos espaço possível a qualquer crítica quanto à actuação preventiva.




Por outro lado, uma dúvida... dizem que não pode haver acesso aos pinhais por causa da beata, da churrascada e do tractor, mas por outro lado é recorrente estas ignições aparecerem durante a noite.
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De lucklucky a 15.07.2022 às 14:58

Esta cultura dos 0 erros é uma das razões para a baixa natalidade. 
A única maneira de não existirem acidentes e mortes de crianças é não existirem crianças.


Estranhamente depois vão votar em partidos que só falham...
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De Hugo a 15.07.2022 às 16:05

Viva Henrique, vi-o agora na CNN. Esteve muito bem, assertivo. Nada a acrescentar. Gostei particularmente do jornalista ser bastante perspicaz com o seu passado profissional, quando entre um momento da entrevista e o outro, pediu ao Henrique para se conservar eheheheh. Um abraço.
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De Anónimo a 15.07.2022 às 17:01

Não que adiante muito, mas no início da pandemia, quando começou o 1o estado de emergência, comentei com a minha esposa que considerava que se tinha cruzado uma linha vermelha e que a partir dessa altura seria dificil colocar limites na ação governativa/legislativa. 


Infelizmente acertei.
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De entulho a 16.07.2022 às 10:11

em tempos que já lá vão ouvir falar na existência da CRP.
espero que não tenha sido EVACUADA


PROMETEU, mas não deu
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De Figueiredo a 16.07.2022 às 18:57


Pessoal, o circo começa hoje na Inglaterra:


- Calor extremo no Reino Unido obriga a reunião de resposta a emergências


https://www.noticiasaominuto.com/mundo/2036635/calor-extremo-no-reino-unido-obriga-a-reuniao-de-resposta-a-emergencias
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De Anónimo a 17.07.2022 às 09:46

P.S. Finalmente começa a fazer o seu caminho e a entrar na cabeça das pessoas aquilo em que o Sr. Arquitecto tanto tem insistido: o risco de só se olhar para cima, para as árvores e esquecerem-se de olhar para o chão onde começam as ignições e está o verdadeiro risco "explosivo": os pequenos matos que se deixam acumular, "raminhos, paus, carumas, folhas secas, etc...."
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De Anónimo a 17.07.2022 às 09:46

Por falar em liberdade, em Portugal toda a costa, o seu areal  e as suas praias são públicas. Não existem praias privativas no nosso país e a circulação é de livre acesso a qualquer um. Dito isto,  há resorts e hotéis "topo de gama" que, na sua publicidade, "informam" que o hotel dispõe do "seu" acesso próprio e directo à praia, fazendo crer aos eventuais clientes que aquela praia é privativa e propriedade do hotel. Se fosse assim, os hotéis poderiam restringir o acesso às praias de pessoas não hospedadas no hotel, já que  teriam o "direito de admissão" de circulação de pessoas estranhas. Ora tal restrição é proibida em Portugal.  A única coisa que o hotel pode, é impedir  que os estranhos possam usufruir das comodidades disponibilizadas aos hóspedes, como o mobiliário da praia, os guarda-sóis e demais "amenidades". Pode haver praias que tentam proporcionar alguma "privacidade" aos clientes. Mas.... praias privadas  portuguesas é que não existem. 
Não era destituído de sentido aplicar o mesmo critério em relação às matas e florestas. Depois de tudo devidamente cadastrado (como foi feito em Espanha) o Estado começaria por deixar de perseguir e multar os donos das pequenas terras ao abandono, mas antes  adquirindo-as e compensando justamente os proprietários, que as vendessem (por não conseguirem viabilidade económica suficiente para fazerem a manutenção dos seus terrenos). O Estado,  passaria a fazer a sua gestão. Outra possibilidade é a medida muito bem pensada, avançada pelo Sr.Arquitecto, há dias, num canal de tv  _e que respeita a propriedade privada_ que consiste na possibilidade de os proprietários aumentarem os seus terrenos _se assim o desejassem_ adquirindo as terras contíguas às suas, pelo justo valor, responsabilizando-se pela sua gestão e sem que o Estado  viesse taxar a transacção comercial feita e acordada entre as partes vizinhas. Porque o que tem acontecido com a cobrança irrealista e cega dessas taxas, é que elas fazem disparar os preços e exorbitar o valor comercial «real» das terras. O que desde logo,  dissuade a compra-venda de eventuais interessados. E o resultado está à vista de todos. Terras sem dono, sem lei nem roque que vão acumulando combustível  (E ainda repetem que as culpadas "são as pessoas"?) 
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De Anónimo a 17.07.2022 às 10:42

Sobre as restrições à liberdade:
 " O presidente do Tribunal Constitucional João Caupers, 4ª figura na hierarquia do Estado, disse:

Se me perguntassem qual a principal lição que os anos de 2020 e 2021 me trouxeram, eu responderia: afinal, a garantia e proteção dos direitos fundamentais, que eu tinha por certa e, tanto quanto possível, eficiente, é bem menos segura e garantida” (...) “A anormalidade tornou-se uma nova normalidade. Entraram nas nossas rotinas coisas antes impensáveis como confinamentos forçados, proibição de deslocações, reconduções ao domicílio por agentes policiais, internamentos compulsivos, encerramento de escolas, serviços públicos e estabelecimentos comerciais”.

 Num lugar menos folclórico, sobretudo as afirmações do presidente do TC suscitariam um abalo social se calhar irreversível, e uma crise institucional de certeza consequente. Aqui, na vasta maioria dos “media”, a coisa não chegou ao rodapé noticioso. Que eu reparasse, a totalidade dos partidos não lhe dedicou um pio. E a população nem soube da respectiva ocorrência. "

Daqui:

https://observador.pt/opiniao/o-que-diz-o-presidente-do-tc/

(O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa é um prestigiado e mui distinto constitucionalista, mas muito distraído, para dizer o mínimo...)

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