Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Igrejas a arder

por João Távora, em 07.09.24

eglise (1).jpg


Deparo numa rede social com um vídeo assustador de uma igreja em chamas em França. A Igreja da Imaculada Conceição de Saint-Omer, um templo inaugurado em meados do século XIX no nordeste da França, foi consumida por um incêndio na noite de domingo dia 2 de Setembro. Ao que parece uma tragédia que se vem repetindo naquele país, um fenómeno que mereceria um trabalho jornalístico sério, tanto mais que os comentários ao referido post são bastante alarmistas, com acusações aos imigrantes e a conspirações muçulmanas. Não parece ter sido esse o caso. Incêndios em Igrejas acontecem, sempre aconteceram, mas este caso foi de fogo posto, o incendiário chama-se Joël Vigoureux, é francês, e, confrontado pelas autoridades, afirmou: “Je n’ai pas de problème avec les églises”. O teor da frase parece mais vinda de um louco demasiado afectado pelos profetas laicistas da Revolução Francesa, cuja ideologia nos nossos dias refinada, tem demasiada influência no discurso e legislação daquele país. 

Constato por aí que há muitos cristãos que se satisfazem com a tese de vitimização, duma suposta perseguição e silenciamento da Igreja, que perde a voz por culpa da imigração e do desleixo das autoridades na protecção dos seus interesses e património, por contraste ao tratamento tolerante dado às outras culturas e religiões que se vão afirmando por essa Europa fora. A minha questão é: estamos dispostos a acreditar que vamos preservar a cultura cristã e os nossos templos através do favorecimento de leis e da vigilância do Estado aos vândalos invasores? De que servirá reclamar o bom tratamento aos católicos, certamente merecido, se as igrejas por essa Europa afora vão sendo encerradas e votadas ao abandono pela ausência de novas gerações de crentes? Há quanto tempo deixámos de levar os nossos filhos à igreja?

Percebe-se bem o cuidado de Roma de progressivamente privilegiar a atenção às igrejas em África e na Ásia onde crescem as comunidades católicas fecundas, mesmo em ambientes sociopolíticos adversos, e desse modo carecem desse olhar, desse conforto. É disso sinal a visita do Papa Francisco à Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor-Leste e Singapura naquela que será a mais longa visita pastoral de sempre, em distâncias e tempo, de um Sumo Pontífice.

Como cristão e português, entristece-me muito a decadência da nossa cultura, a crescente perda de peso dos católicos na vida das nossas cidades. Não falta muito que por cá também comecem a arder igrejas por mero abandono ou vandalismo. Uma coisa convida a outra. Não falta muito para as nossas igrejas abandonadas se tornarem lugares de diversão nocturna, como já acontece em muitos lugares por essa Europa do Norte. Não é preciso fazer muitas contas ou desenvolver complexas teorias para constatar o crescente número de igrejas fechadas por falta de fiéis e sacerdotes em Portugal, não obstante as honrosas exceções das inúmeras paróquias dinâmicas, de clérigos carismáticos e leigos dedicados a remar contracorrente. Mas definhamos. O excesso de conforto, uma vida entretida e fútil não desafia a dúvida existencial. Adicionando a crise de natalidade, criámos o ambiente perfeito para a decadência da nossa cultura, desvanecimento da nossa identidade.

Por tudo isto não me venham com teorias da conspiração e bodes expiatórios. As pessoas deixaram de frequentar as igrejas e a “culpa” não é dos estrangeiros, é nossa. Sem que tenhamos a coragem de nos olharmos com atenção ao espelho nunca enfrentaremos os verdadeiros desafios. Como refere o maior dos Mestres, “Porque reparas tu o cisco no olho de teu irmão, mas não percebes a viga que está no teu próprio olho?” (Mateus 7:3-5).

Entretanto, que sirva de consolo o crescente desejo de Salvação das fecundas comunidades cristãs nas novas centralidades do Mundo Cristão. Nós por cá, burgueses e anafados, definhamos… de dedo em riste.

 
Texto publicado no Observador
 

 


9 comentários

Sem imagem de perfil

De Anónimo a 09.09.2024 às 20:34

«As pessoas deixaram de frequentar as igrejas e a “culpa” não é dos estrangeiros, é nossa.»



Caro João Távora:


Muito estimaria saber num futuro post quais são para si as razões de tal "culpa", entre nós.
Um comentador acima falava da lei da separação francesa de 1905, como podia ter falado da nossa de 1911. Mas, lá como cá, tal lei não impediu  o catolicismo de gozar duma aparente boa saúde até aos meados do XX...

Comentar post



Corta-fitas

Inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios.

Contacte-nos: bloguecortafitas(arroba)gmail.com



Notícias

A Batalha
D. Notícias
D. Económico
Expresso
iOnline
J. Negócios
TVI24
JornalEconómico
Global
Público
SIC-Notícias
TSF
Observador

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • M.Sousa

    Não existe. Essa é a suprema ironia do wokismo, cr...

  • Francisco Almeida

    Ou sou eu que estou errado ou o dicionário Oxford ...

  • Anonimo

    O mercado não é perfeito, apenas os wokes são perf...

  • Anonimus

    Ainda hoje vi uma manifestante/activista a queixar...

  • António

    Os “Democratas” americanos fizeram uma campanha ba...


Links

Muito nossos

  •  
  • Outros blogs

  •  
  •  
  • Links úteis


    Arquivo

    1. 2024
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2023
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2022
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2021
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2020
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2019
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2018
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2017
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    105. 2016
    106. J
    107. F
    108. M
    109. A
    110. M
    111. J
    112. J
    113. A
    114. S
    115. O
    116. N
    117. D
    118. 2015
    119. J
    120. F
    121. M
    122. A
    123. M
    124. J
    125. J
    126. A
    127. S
    128. O
    129. N
    130. D
    131. 2014
    132. J
    133. F
    134. M
    135. A
    136. M
    137. J
    138. J
    139. A
    140. S
    141. O
    142. N
    143. D
    144. 2013
    145. J
    146. F
    147. M
    148. A
    149. M
    150. J
    151. J
    152. A
    153. S
    154. O
    155. N
    156. D
    157. 2012
    158. J
    159. F
    160. M
    161. A
    162. M
    163. J
    164. J
    165. A
    166. S
    167. O
    168. N
    169. D
    170. 2011
    171. J
    172. F
    173. M
    174. A
    175. M
    176. J
    177. J
    178. A
    179. S
    180. O
    181. N
    182. D
    183. 2010
    184. J
    185. F
    186. M
    187. A
    188. M
    189. J
    190. J
    191. A
    192. S
    193. O
    194. N
    195. D
    196. 2009
    197. J
    198. F
    199. M
    200. A
    201. M
    202. J
    203. J
    204. A
    205. S
    206. O
    207. N
    208. D
    209. 2008
    210. J
    211. F
    212. M
    213. A
    214. M
    215. J
    216. J
    217. A
    218. S
    219. O
    220. N
    221. D
    222. 2007
    223. J
    224. F
    225. M
    226. A
    227. M
    228. J
    229. J
    230. A
    231. S
    232. O
    233. N
    234. D
    235. 2006
    236. J
    237. F
    238. M
    239. A
    240. M
    241. J
    242. J
    243. A
    244. S
    245. O
    246. N
    247. D