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Histórias mal contadas

por henrique pereira dos santos, em 17.02.25

Uma das minhas irmãs vai dizendo, regularmente, que usa um princípio geral quando lê alguma coisa: se uma história parece mal contada, de maneira geral é porque está mesmo mal contada.

Quando li que um deputado do Chega tinha chamado aberração a Ana Sofia Antunes (no pressuposto de que isso decorria de ser cega), pareceu-me uma história mal contada.

No entanto, para a generalidade das pessoas que ouvi falar no assunto, incluindo muitos dos meus amigos por cujas capacidade intelectuais tenho grande apreço, a história não parecia mal contada.

Tenho ideia de que a razão para isso é que eu considero todos os deputados, à partida, como pessoas normais, e boa parte dos meus amigos não partem desse princípio, esperando coisas extraordinárias dos deputados de algumas bancadas (quer a sua argúcia e lucidez permanente, quer a sua irreformável boçalidade, dependendo das bancadas em que se sentam), razão pela qual acham admissível que um qualquer deputado (desde que da bancada certa) possa chamar aberração a uma pessoa cega no parlamento, porque é uma pessoa horrível.

Prudentemente, não fiz qualquer comentários sobre a peixeirada que se seguiu a uma afirmação tonta de uma deputada do Chega, e assim continuaria, não se desse o caso de ter lido a versão que o Observador apresenta do que os serviços da Assembleia da República terão registado do assunto (na dúvida, eu teria ir ver a transmissão da sessão, mas tinha várias indicações, de pessoas com pontos de vista diferentes, dizendo que não se percebia nada do que era dito sem os microfones ligados, só quem estava na Assembleia ao vivo é que poderia saber o que se passou).

Ressalvando que não li o documento a que se refere o Observador (o borrão do registo da sessão), lá aparece a confirmação de que uma história que parece mal contada, de maneira geral, é por ter sido mesmo mal contada.

O insulto da aberração (sim, é um insulto no meio do peixeirada cheia de insultos) não era dirigido a Ana Sofia Antunes nem tinha qualquer relação com o facto de ser cega, mas aparecia num bate-boca de muito baixo nível entre Filipe Melo, do Chega, e Isabel Moreira, do PS, e foi dirigido por Filipe Melo a Isabel Moreira (que, aparentemente, se enganou no deputado do Chega que queria atingir, falando de uma eventual falta de pagamentos da pensão de alimentos do filho, questão relacionada com outro deputado do Chega, com a agravante de, com esse engano, se estar a dirigir a um deputado que tem um filho autista).

Tudo isto é bastante deprimente, e parece-me uma fabulosa ilustração do artigo de hoje de Patrícia Fernandes, no Observador, sobre o chão comum que parece estar a desaparecer do mundo ocidental, à medida que a erosão de uma moral comum nos deixa à mercê de um individualismo excessivo, que não reconhece no outro o mínimo comum quer permite a liberdade e o dissenso.

Sugiro o artigo completo, nesta ligação:

"Recordemos como Arendt usa a expressão dos antigos dokei moi: o mundo aparece-nos sempre de modo diferente. E isso não se alterou. O que se tornou diferente nos nossos tempos é que destruímos o terreno comum a partir do qual nos podíamos entender apesar dessas diferenças. O dissenso deixou de ser um caminho para o consenso, e tornou-se ele mesmo o próprio resultado do sistema democrático.

Não é, por isso, surpreendente que os nossos tempos sejam marcados por expressões como “fake news” ou “desinformação” – como se a mentira política tivesse sido criada em 2016. A política foi sempre um jogo permanente de sombras, mas hoje as possibilidades de entendimento coletivo foram desfeitas. E como as sociedades se encontram profundamente divididas e deixaram de partilhar um terreno comum, a disputa pela verdade passou a refletir essas divisões: perante o mesmo facto surgem diferentes interpretações e leituras sem que nenhuma se consiga impor. O consenso tornou-se, assim, uma impossibilidade e a sensação de desconfiança e caos generalizou-se".


7 comentários

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De Anónimo a 17.02.2025 às 14:16

Antepôr sempre uma higiénica desconfiança a "acontecimentos" em que surja o "caso clínico" da moreira...
( Não fora o Pai, quem saberia da existência de semelhante aberração?...
Juromenha
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De lucklucky a 17.02.2025 às 14:45


O centro tornou-se extremista em muitas áreas cruciais por isso teve de existir uma resposta a esse centro.


 Adopção do centro vários valores extremistas do neo-marxismo - esse anti ocidente criado pelo ocidente -  explica parte. Quotas. Desigualdade perante a lei colocada na legislação, etc...O apoio institucional pelo centro á imigração ilegal.
O nascimento de uma cultura de poder supranacional.
Um jornalismo feito por activistas extraordinariamente monocultural.
Veja-se o texto do Director do CM a mentir descaradamente ou a nem sequer ter ouvido o que Vance disse: "...o vice-presidente americano, James David Vance, atacou a liberdade de expressão..."
O ataque continuado do centro a quem inventa, produz, faz, prospera sem "ajuda" desse centro.


Tudo decisões do centro que minam a nação que os elegeu.
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De César a 17.02.2025 às 16:38

A política portuguesa chegou a um tal nível de imbecilidade e baixaria que é deprimente.
Isto não é a erosão do moral comum, é o completo desabar da mesma, enredados que estão as figurinhas e os figurões em acessos de superioridade moral que não condizem com as personagens e seus actos.
Um confrangedor teatrinho de discussões à boa maneira de autênticas mulheres de soalheiro que se acham o máximo nas suas vidinhas ridículas.
Como disse Bernard Shaw , " nunca discutas com um porco; ficas todo sujo e o porco gosta"
Poupem-nos...
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De JPT a 17.02.2025 às 16:41

Admito que tenha sido sempre assim - mas antes era novo e não tinha notado, ou não havia Internet - mas, agora, não restam dúvidas que a imprensa noticia o que entende dever noticiar, martelando a realidade em nome de boas causas. Este caso é só mais um: sendo miserável chamar "aberração" a alguém - e, por maioria de razão, fazê-lo num parlamento - é totalmente diferente fazê-lo relativamente a uma deputada cega ou relativamente a uma deputada que é conhecida pelas suas opiniões extremistas e por pegar no chinelo à primeira oportunidade (e mais uma vez, nesta caso, como resulta das transcrições).
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De maria a 17.02.2025 às 18:48

Vejamos pelo lado positivo. Dizer que uma deputada só trata dos problemas de deficiência não vejo nada de errado. Pelo contrário deveria ser aceite como trabalho positivo. A tal peixeirada deve-se às mentes dos que quiseram inquinar o debate e nisto todos estiveram mal..
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De Anónimo a 19.02.2025 às 11:42

Acho que não percebeu a substancia do texto...
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De anónimo a 18.02.2025 às 01:26

Convém relembrar que estes casos se passam numa "Assembleias da República" compostas por pessoal exclusivamente dos partidos. Pessoal selecionado e consequentemente nomeado candidato a "deputado", pelos partidos. Não são uma má escolha do cidadão eleitor visto que este apenas pode escolher um dos sacos de candidatos. O pessoal que está lá dentro é escolha exclusiva e responsabilidade dos partidos.

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