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O Banco de Portugal, no seu boletim de Outubro, tem um capitulo que se chama "Habitação em Portugal nos últimos 40 anos: regime de ocupação e recurso ao crédito".
Logo no início do capitulo escreve-se:
"De acordo com o último Censos, realizado em 2021, 70% das famílias residentes em Portugal são proprietárias da residência principal, 22% arrendatárias e 8% têm uma outra situação (maioritariamente utilização gratuita, como casas emprestadas por familiares) (Quadro 1). Entre as famílias proprietárias, 38% têm um empréstimo para aquisição de habitação.
A percentagem de famílias proprietárias é mais elevada em Portugal do que na média da área do euro (62%) (Gráfico 1). Estas diferenças resultam de uma combinação ao longo do tempo dos fatores acima referidos, em especial das diferenças nos mercados de arrendamento social, um subproduto da reconstrução maciça de habitações que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, e dos poucos incentivos fiscais à compra de habitação que existem nalguns países. A preferência revelada pelos portugueses face à propriedade de habitação pode também resultar destes fatores, mas parece claramente vincada nos dados disponíveis."
Confesso que não sei se tenho estudos para perceber este português enrolado, suponho que na última frase onde está parece deveria estar aparece e dá-me ideia que há por ali umas adversativas a mais.
Dito isto, se bem percebo o que é dito, temos uma percentagem de proprietários maior que a média da zona euro e isso pode também estar relacionado com diferenças nos mercados de arrendamento social. Será que o Banco de Portugal está mesmo a dizer que mais que a ganância dos proprietários, é a negligência do Estado em acudir aos mais pobres que nos tem empurrado até onde estamos?
Certo, certo é que isto me fez lembrar um comentário judicioso de Carlos Guimarães Pinto: diz-se que em Portugal há pouco arrendamento social, porque há pouco arrendamento de casas pelo Estado, mas na verdade há muito arrendamento social, só que é feito pelos proprietários que estão impedidos de subir rendas e despejar inquilinos, independentemente da racionalidade económica na gestão da sua propriedade.
O certo é que com base neste relatório do Banco de Portugal, o Público enfatizava ontem a ideia de que os "jovens com casa própria caem para metade nas duas últimas décadas" para reforçar a ideia dominante de que existe uma grande crise na habitação e é crescente, pessoalmente, como leitor, interessam-me muito mais ideias para mim desconhecidas e não intuitivas (embora lógicas depois de se pensar no assunto), como esta, que cito directamente do estudo "Entre os proprietários, a percentagem que herdou ou recebeu como oferta a residência principal é mais elevada nos rendimentos mais baixos".
Mas mais relevante para a discussão parecem-me outros dados.
"A percentagem de famílias residentes que são proprietárias da residência principal aumentou de 57% em 1981 para 65% em 1991 e 76% em 2001. De forma simétrica, a percentagem de arrendatários reduziu-se quase 20 pontos percentuais entre 1981 e 2001 (de 39% para 21%) ... Neste período, o aumento acentuado da percentagem de proprietários refletiu também a inexistência de um mercado de arrendamento ativo. ... A partir de 2001, a percentagem de proprietários reduziu-se ligeiramente (73% em 2011 e 70% em 2021, face a 76% em 2001) e a percentagem de arrendatários manteve-se estável ... A redução na percentagem de proprietários após 2001 esteve concentrada nas famílias em que o representante tem menos de 65 anos e, em particular, nas que tem menos de 35 anos ... Nas famílias em que o representante tem menos de 35 anos, a percentagem de proprietários em 2021 reduziu-se para o nível de 1981. Neste período subiu muito a percentagem de arrendatários nas classes mais jovens, enquanto nas idades mais avançadas se continuou a reduzir".
Se bem percebo, na presença de um mercado de arrendamento inactivo, por, diz o Banco de Portugal "congelamento das rendas, da regulamentação que favorecia a proteção dos inquilinos, em que a norma era a renovação automática dos contratos, rendas com valores muito baixos e fortes restrições à denúncia dos contratos pelos senhorios", as pessoas passaram a comprar casas, fazendo das tripas coração e beneficiando, especialmente nas famílias de mais baixos rendimentos, do esforço de poupança das gerações mais velhas.
O que foi facilitado pelo aumento de rendimento que estava a ocorrer (bem como pela esperança de que continuaria a ser assim no futuro, esperança essa que não existe hoje) e pela progressiva baixa dos juros resultante do controlo da inflação.
Como "A partir de meados dos anos 2000, e em particular a partir de 2011, foram introduzidas medidas destinadas a dinamizar o mercado do arrendamento, nomeadamente, maior liberdade na estipulação da duração dos contratos pelas partes e definição de um período de transição para a atualização das rendas mais antigas, de acordo com o rendimento e a idade dos inquilinos", passou a haver mais arrendatários, em especial nas pessoas até 35 anos.
São parágrafos como o que transcrevo abaixo que permitem ao Público fazer uma manchete que apoia as suas ideias sobre o direito à habitação, dando destaque a uma questão completamente irrelevante quando se lê integralmente o relatório em que se apoia (é apenas o resultado lógico das alterações do mercado de arrendamento, não acrescenta grande coisa para a caraterização do problema real):
"A geração de 1967-76 é aquela em que as famílias se tornaram proprietárias mais cedo. Nesta geração, cerca de 70% das famílias eram proprietárias aos 25-34 anos, ou seja, por volta de 2001. Na mesma idade, as gerações anteriores tinham uma percentagem de proprietários bastante mais reduzida (55% e 42%, para os nascidos em 1957-66 e 1947-56, respetivamente). Estas gerações só atingiram percentagens de proprietários de cerca de 70% também em 2001. Como descrito anteriormente, nas gerações mais recentes, a percentagem de proprietários jovens reduziu-se significativamente. Aos 25-34 anos, a percentagem de proprietários na geração de 1977-86 situava-se em 61% e na geração de 1987-96 em 42%, um nível idêntico ao da geração de 1947-56. Por sua vez, a percentagem de proprietários com menos de 25 anos reduziu-se para menos de 35% nas gerações nascidas após 1986, o que compara com valores entre 45% e 55% nas gerações nascidas nas três décadas anteriores".
As actuais dificuldades de acesso à habitação resultam, tanto quanto percebo da leitura do relatório, mas também do que vou lendo noutros lados sobre o assunto, do facto do preço das casas ter vindo a subir mais que o rendimento, coincidindo com o aumento do custo do crédito, o que resulta, pelo menos parcialmente, quer do aumento dos factores de produção, quer da redução de construção nova em Portugal.
Se a isto somarmos a destruição do mercado de arrendamento pela destruição da confiança dos proprietários, de que resulta uma escassez de oferta de arrendamento que pressiona os preços para cima, temos o caldo entornado para quem quer hoje encontrar uma casa e não tem muito dinheiro.
Estes três bonecos ajudam a compreender melhor a evolução da situação.
O que decidiu o Governo, pressionado pela opinião publicada e pelos populistas e demagogos?
Melhorar a oferta, criando condições para maior ritmo de construção?
Racionalizar as regras para a disponibilização de quartos e casas, deixando de exigir a lua ao preço da uva mijona (questão de que o próprio Estado se queixa, como no caso da Ministra do Ensino Superior que diz que não consegue ter quartos para estudantes mais rapidamente por causa da burocracia e das exigências regulamentares a que esses quartos têm de obedecer)?
Disponibilizar rapidamente edifícios devolutos, através de acordos com privados que permitissem mobilizar capital e capacidade?
Facilitar os despejos e reforçar as respostas sociais para quem realmente precise, para reforçar a confiança dos proprietários?
Encontrar respostas sociais de emergência para quem precisa de um tecto, mesmo que temporário?
Bonificar créditos ou apoiar rendas às pessoas de mais baixo rendimento, assumindo a componente social do acesso à habitação que lhe compete?
Não, nada disso, apontar baterias aos proprietários, hostilizar proprietários, hostilizar os estrangeiros que investem ou querem viver em Portugal, reforçar as obrigações sociais dos proprietários e inventar esquemas malucos para transferir imediatamente casas, que não são do Estado, para o arrendamento, sem nenhuma garantia de que tal venha a suceder, com base em ideias parvas de que o papel do Estado não é garantir um tecto a quem precisa, mas garantir preços razoáveis para que a classe média possa ter casas em qualquer ponto do território.
Sempre, sempre a mesma técnica habitual dos populistas, escolhendo um inimigo em cada momento a quem acusam de ser especulador, ganancioso e etc..
Por que razão se deve esperar alguma coisa de diferente do que essas técnicas sempre deram: mais pobreza e menos liberdade, no caso, menos casas disponíveis, a preços mais altos, como já parece estar a verificar-se?
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