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O nosso futuro não é um negócio, li um dia destes num desses artigos que falavam do futuro dos jovens.
Mariana Mortágua diz que é contra o negócio imobiliário.
Comecemos pelo princípio: um negócio é um acordo entre duas partes feito com base no que cada uma delas quer para o seu futuro.
Ser contra negócios, sejam eles imobiliários, da saúde, da educação ou de outra coisa qualquer, para mim é um mistério, não consigo entender como se é contra o livre acordo de pessoas ou organizações que concordam em trocar entre si bens ou serviços que acham que melhoram o seu futuro.
Percebo que se seja contra circunstâncias que permitem que num negócio uma das partes retire uma vantagem ilegítima dessa troca, seja porque se tem acesso ilegítimo a um bem ou serviço essencial a terceiros, o que retira qualquer liberdade a esses terceiros para não fazer negócio nenhum ou procurar outro parceiro para o fazer, seja porque se consegue condicionar terceiros de tal forma que a sua liberdade de escolha está limitada, ou outras limitações das partes no estabelecimento do negócio, mas ser contra o negócio em si mesmo, parece-me estulto.
Se alguém me aponta uma arma carregada e me pede para escolher entre entregar-lhe a minha bolsa ou a minha vida, estamos perante uma circunstância que impede um negócio de livre acordo de troca, na medida em que eu não tenho a liberdade de não fazer negócio e a desproporção de relevância entre a minha bolsa e a minha vida é de tal maneira grande, que "livremente" só me resta entregar a bolsa, em troca de coisa nenhuma.
Da mesma forma, se fui atropelado e à entrada do hospital me dizem que ou pago um preço absurdo ou me deixam na rua, a minha liberdade de ficar à porta a esvair-me em sangue é evidentemente limitada.
Em qualquer caso, qualquer negócio depende, muito mais que do dinheiro, da confiança das partes uma na outra, isto é, depende de eu acreditar que o que estou a receber corresponde ao que me foi prometido antes do negócio.
Quando Hierão II pediu a Arquimedes para verificar se a coroa era toda de ouro ou o tipo que a tinha feito era um aldrabão, estava apenas a usar um mecanismo primitivo para validar a base de confiança do negócio que tinha feito quando ecomendou a coroa.
Essa é uma das razões pelas quais as sociedades se empenham tanto em garantir, de forma simples (nem sempre há Arquimedes à mão para encontrar formas de verificar o cumprimento do contrato), a confiança das pessoas comuns nos mecanismos de verificação que permitem trocas mais eficientes, sejam eles a confiança na moeda que é usada como instrumento de facilitação das trocas, sejam eles nas regras que permitem sancionar as aldrabices usadas nos negócios, etc..
É exactamente porque a lei pretende garantir a honestidade das trocas, que fora da lei a confiança pessoal estre as partes é fundamental para continuar a fazer negócios ou, para citar Bob Dylan, que fica sempre bem, "to live outside the law you must be honest".
E aqui volto ao tema destes últimos posts, o da habitação.
A destruição da confiança dos proprietários no mercado de arrendamento - o mercado das vendas de casa depende de outros factores de confiança, diferentes dos do arrendamento - primeiro com o congelamento das rendas que vigorava desde a primeira república e vai funcionando mais ou menos enquanto a inflação é relativamente baixa e a valorização das casas é alta, depois com os sucessivos adiamentos em relação à liberalização total dos arrendamentos, depois ainda com a permanente alterações das regras aplicáveis, teve como consequência a "inexistência de um mercado de arrendamento activo", para usar a qualificação que o Banco de Portugal usou no relatório que ontem publicou (a que tenciono voltar noutro post, obrigado ao Público por me chamar a atenção para este relatório, mesmo que tenha sido com uma evidente distorção sobre o que lá está escrito) mas, acima de tudo, o problema esta na falta de confiança de todos os operadores na capacidade de reaver a plena posse da casa quando há quebra contratual por parte dos inquilinos, isto é, na falta de confiança na rapidez e eficiência dos processos de despejo.
O que me interessa aqui é que se a lei e as regras formais e informais de arrendamento não criam confiança nos proprietários, há um conjunto de casas que passam do mercado formal de arrendamento para mercados informais (durante anos, por exemplo, nas zonas turísticas, funcionou um florescente sector de camas paralelas, totalmente à margem das regras formais de arrendamento ou da utilização turística de imóveis).
E, como tento demonstrar acima, nos mercados informais, a confiança pessoal é essencial.
O efeito concreto disso na reprodução social, que não consigo demonstrar (qualquer sociólogo poderia testar a hipótese através de inquérito, perguntando a senhorios e inquilinos se havia qualquer relação pessoal entre eles prévia ao arrendamento, mas as duzentas e tal mil casas ocupadas mioritariamente por familiares, ou os 8% de casas cedidas gratuitamente, pelo menos formalmente, são indicadores relevantes), parece-me evidente: é nas classes sociais mais altas, com maior património e com redes sociais de acesso a esse património, que vai ser mais fácil existir uma relação de confiança que permita o arrendamento, ou a cedência de outra forma, de casas disponíveis para ocupação, mesmo que fora do mercado.
Eu sei que o povo que reclama o fim dos despejos é bem intencionado, mas a realidade é o que é, e na realidade o processo de despejo em Portugal, pela sua complicação e demora, acaba a tornar muito mais difícil o acesso à habitação de todos os que não têm relações sociais extensas e com acesso a património imobiliário: os mais pobres, os estrangeiros, os "esquisitos" de toda a espécie em que os proprietários não depositam confiança suficiente para lhes entregar, formal ou informalmente, uma casa
Claro que despejos rápidos e fáceis, para não serem desumanos, implicam respostas sociais imediatas por parte do Estado para as situações que socialmente as justificam, mas parece que exigir isso do Estado é mais complicado que simplesmente ir para rua fazer manifestações contra os proprietários, a quem se nega não só o livre usufruto da sua propriedade, como ainda se lhes exige que substituam o Estado na acção social.
E tudo isto com o apoio de uma comunicação social que parece saber tanto de imobiliário como eu sei de lagares de azeite.
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