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"Para trás, fica outra geração. Solidária, organizada, mas longe da pulsão feroz que puxa o cortejo com a energia de quem tem uma causa para viver"
Isto é do comentário de Pedro Ferreira Esteves, que assina como jornalista, às manifestações de Sábado sobre habitação, é o nível em que muitos jornalistas parecem estar interessados em discutir o problema, sério, do acesso à habitação.
No Público quem escreve habitualmente sobre isto é Rafaela Burd Relvas, que devo dizer que leio como leio Sofia Lorena a escrever sobre Espanha, como cão em vinha vindimada.
Nos artigos desta jornalista raramente existe informação relevante e contextualizada, mas empatia pelos mais frágeis há a rodos (depende um bocado de quem são os mais frágeis, não me lembro de ver uma peça sobre os pequenos aforradores que investiram em casas para arrendar para assegurar uma velhice descansada e passaram anos das suas vidas numa situação bem mais difícil que os seus inquilinos de renda congelada).
Não admira que descreva uma manifestação média (no dia da manifestação a jornalista dizia que ainda seria mais forte que a de 1 de Abril, mas como depois da manifestação nunca mais ouvi falar de comparações, provavelmente aconteceu-lhe o que acontece muito a quem prevê o futuro, enganou-se) nestes termos: "A capital concentrou o maior mar de população que encheu as ruas a lutar pelo direito à habitação e pela justiça climática e, no fim, tornou-se o retrato do que a crise habitacional está a fazer não só a quem não encontra casa para viver, mas, também, às comunidades que deixam de o ser por não terem onde se encontrar. Aos megafones e nos cartazes, protestou-se contra uma cidade que tira espaço a quem quer ficar para dá-lo a quem está de passagem, que fecha portas à organização colectiva, artística e cultural e que, na hora de dormir, manda de volta para as periferias quem a constrói e limpa durante o dia".
No dia anterior, o Público tinha resolvido fazer de instrumento de mobilização do povo e dedicado mais de metade da capa, seis páginas, seis, a cenas sobre a matéria, mais um editorial hilariante (Sónia Sapage) com o seguinte lead "A crise da habitação pode vir a ser para António Costa o que a crise da troika foi para Pedro Passos Coelho: muito mais que uma dor de cabeça pontual" (garanto que não estou a inventar, há mesmo quem escreva editoriais no Público a dizer que a crise da Troika foi muito mais que uma dor de cabeça pontual para o governo de Passos Coelho e resolva fazer paralelismos sobre o seu significado para o governo que a crise de habitação pode ter para António Costa, bem sei que, sendo eu e mais meia dúzia as únicas pessoas que compram diariamente o Público, ninguém que não esteja familiarizado com o jornal, que é a esmagadora maioria da população, acredita à primeira que seja possível existir um jornal assim).
Nas seis páginas, seis, que o Público dedicou a promover a manifestação que iria haver à tarde, quatro são histórias que Rafaela Burd Relvas resolveu ir desencantar para fazer chorar as pedras.
"apesar dos senhorios não poderem denunciar contratos de arrendamento, a falta de pagamento de rendas já servia como justificação para despejar inquilinos".
Até fui ver quem era a jornalista que confunde uma quebra contratual por parte do inquilino (o não pagamento da renda) com uma justificação dos senhorios para os despejar da casa que ocupam indevidamente e, para meu espanto, a jornalista tem uma carreira que passa por dois jornais económicos, o "Jornal de Negócios" e o "ECO".
A explicação acima está no enquadramento para a primeira história que é contada, a de uma senhora que estava muito indignada por ser despejada só porque o senhorio aumentou a renda e ela deixou de a pagar, porque não tinha dinheiro para isso.
Para a jornalista, pelos vistos, isto não é um assunto que cabe à Segurança Social resolver, mas ao senhorio, conclui-se (apesar de afinal ter sido mesmo a Segurança Social a resolver, embora tenha demorado oito meses, depois do despejo, mais todos os outros anteriores, até ter uma solução).
A segunda história é a de uma senhora de 49 anos que é cuidadora informal do pai, de 89, e com um marido reformado, que está em risco de ser despejada. A tia, em nome de quem está o contrato anterior a 1990, portanto, que não podia ser denunciado pelo senhorio e não podia aumentar a renda além do determinado pelo governo, morreu há cinco anos. O senhorio deixou-a ficar uns tempos, depois aumentou a renda para 600 euros (a jornalista não teve curiosidade em saber quanto era a renda antiga que não podia ser alterada) mas como a senhora não pode pagar tanto dinheiro, continuou a pagar a renda antiga e está à beira de ser despejada, ao fim de cinco anos depois da morte da titular do contrato.
A jornalista não teve curiosidade em saber por que razão escolhia viver numa cidade cara, com habitação muito cara, se nem ela, nem o marido reformado, nem o pai com 89 anos, têm emprego fixo e no resto do país conseguiria facilmente casas muito mais baratas e espaçosas, por muito menos dinheiro. Para mim, leitor, teria muito interesse perceber as razões pelas quais há pessoas que não têm nenhuma necessidade de viver em Lisboa, mas preferem continuar a estar ali, quando acolá poderiam ter muito mais qualidade de vida.
Imediatamente entra a terceira história, a de uma senhora que ganha 760 euros e vive com dois filhos pequenos e a mãe. Tem duas filhas em Inglaterra que a ajudam. À jornalista não interessou saber que tipo de trabalho é o seu e por que razão não pode mudar-se para fora de Sintra, onde vive. A mim, leitor, intessar-me-ia muito saber por que razão gente que vive com manifestas dificuldades (está farta de pedir uma casa de habitação social, mas não há casas, e a jornalista acha que isso deveria ser resolvido pelo senhorio, cedendo a sua, e não pelo Estado, tendo mais habitação social) em zonas de habitação cara, não muda para outras regiões, se é por falta de emprego, ou há outras razões.
Uma das minhas filhas vive na capital do Texas, uma cidade pequena que sofre, neste momento, um boom imobiliário porque há uma série de empresas tecnológicas que, fartas do elevado custo de vida noutras zonas dos Estados Unidos, incluindo Silycon Valey, resolveram investir em escritórios e centros de produção fora das zonas mais pressionadas pelos preços. Não porque as empresas estejam preocupadas com o equilíbrio territorial, ou com o bem comum, o problema é que para captar quadros em zonas de elevado custo de vida, têm de pagar salários muito mais altos. Em Portugal a EDP construiu há pouco tempo uma sede nova, em Lisboa, claro, a Jerónimo Martins andava a falar numa sede nova, em Lisboa, claro, o Novo Banco andou anos tratar de uma sede nova, fê-la em Oeiras, naqueles terrenos tão férteis em que até o betão cresce. E quando me perguntaram se eu manteria os ministérios numa eventual remodelação do Terreiro do Paço, espantaram-se por eu responder que não percebia a pergunta, há muitos anos que continuo a defender que a capital administrativa deveria mudar para Castelo Branco.
Mas nada disso é importante para Rafaela Burd Relvas discutir o problema da habitação, relevante, relevante é outra das histórias que espalha por quatro páginas, quatro, a apelar à participação na manifestação.
Uma professora comprou uma casa em meados de 2021 e ficou com uma prestação mensal de 300 euros, a taxa de juro variável. Poderia ter optado por uma taxa fixa, provavelmente mais alta um bocado, mas com menos risco, fez uma opção, razoável e a que lhe pareceu melhor, ter uma prestação mais baixa no imediato, com maiores riscos no futuro. A prestação já vai em 623 euros. A jornalista acha irrelevante o facto do ordenado da senhora provavelmente já ter aumentado uns 50 (mais provável) a 100 (dependendo muito das circunstâncias, sendo ela professora) euros que devem ser descontados no aumento de 323 euros e fica muito impressionada com os efeitos desse aumento na vida da senhora professora. O drama, o horror, a tragédia: passou a trabalhar mais dez horas por semana, sem direito a férias ou a ir jantar fora. Inadmissível, manifestação já, pelo direito a jantar fora, solidarizo-me eu, mesmo tendo passado toda a minha vida a jantar fora tão poucas vezes que raramente me lembro disso e, mesmo que me lembrasse, a minha conta bancária rapidamente me faria ter um ataque de amnésia.
"1994 milhões de euros é o montante total de resultados líquidos reportados, em conjunto, só pelos cinco maiores bancos a operar em Portugal ... durante o primeiro semestre deste ano, um valor que é, maioritariamente, explicado pelo crescimento exponencial da margem financeira dos bancos, impulsionada pela subida das taxas de juro", lembra a jornalista, mas vai longo o post sobre histórias mal contadas e já chega.
Perante um assunto complexo, grande parte do jornalismo prefere militar politicamente com base em apelos irracionais às emoções, em vez de ir olhar para os factos, como fiz no meu post anterior.
Para outra altura fica uma descrição do meu prédio e de como o enquadramento legal absurdo do sector gera ineficiência e injustiça.
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