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João Pires da Cruz escrevia um dia destes que o que nos separava da Suécia não eram as estratégias diferentes de gestão da epidemia, mas sim a capacidade de aprender. Tinha toda a razão: nos dois sítios foram tomadas decisões, mas na Suécia foi produzida informação largamente disponível para toda a gente (ser boa ou má é uma questão diferente), fizeram-se discussões racionais sobre os resultados obtidos e eventuais erros cometidos e as decisões seguintes incorporaram os resultados (sempre precários e provisórios, claro) dessas discussões, sendo por isso diferentes das primeiras.
Pelo contrário, em Portugal a informação tem enormes fragilidades (há coisas muito boas, como o sistema de monitorização da mortalidade, por exemplo), é extremamente assimétrica, a cultura de discussão franca e aberta é mínima e o resultado é que não aprendemos, tomamos sempre as mesmas decisões, seja agora, seja no ano passado.
A mera justificação de António Costa para não abrir já a escolas, baseada na comparação dos números com o anterior período de desconfinamento, é de bradar aos Céus, um exemplo acabado de como não aprendemos, nem fazemos nenhum esforço sério para aprender, apenas nos esforçamos para demonstrar que sempre tivemos razão (todas as generalizações são abusivas e esta não foge a esta regra, com certeza as coisas não são preto e branco).
Talvez um exemplo seja útil para explicar a falta que nos faz o verdadeiro escrutínio, o debate e a substituição da autoridade pela racionalidade.
Este gráfico foi apresentado por Henrique Oliveira, dentro da sua campanha para demonstrar como o fecho de escolas foi fundamental. O gráfico tem uma alteração feita por Fernando Batista que consiste em introduzir o ponto das eleições presidenciais, a verde, para levantar uma questão relevante: como é que o fecho de escolas numa Sexta-feira tem um efeito determinante quando no Domingo seguinte há umas eleições que põem em contacto milhares de pessoas, de milhares de bolhas sociais diferentes?
O gráfico foi apresentado assim: "Hoje consegui obter o almejado gráfico dos contágios em Portugal.
O pico dos contágios foi no dia anterior ao fecho das escolas. O confinamento do "postigo" conseguiu, durante dois ou três dias estabilizar os contágios a um nível elevadíssimo de 12.000 diários oficiais DGS, mesmo antes do dia 21, mas o fecho das escolas teve um efeito drástico."
Explicações úteis sobre como foi obtido o gráfico, zero, apenas um argumento de autoridade "consegui obter".
O mais interessante é que na imensa complexidade que é o desenvolvimento de uma epidemia, Henrique Oliveira consegue isolar e ter certezas sobre o efeito do confinamento do postigo, identificando exactamente o seu efeito nesta curva de contágios.
Naturalmente alguém questiona este gráfico chamando a atenção para o facto do Instituto Ricardo Jorge produzir um gráfico de casos (não contágios), que coloca o pico de casos a 18 de Janeiro, o que é evidentemente incompatível com um pico de contágios a 21, como pretende Henrique Oliveira.
O resultado de alguém questionar o primeiro gráfico, apresentando este segundo, não é o que seria normal, uma discussão sobre os dois gráficos para perceber de onde vêm e o que querem dizer, o resultado é o bloqueio de qualquer discussão, com Henrique Oliveira e Jorge Buescu (um senhor que ficou instantaneamente famoso no mundo da epidemiologia quando logo no início da epidemia previu que dentro de dias Portugal teria 12 milhões de infectados) a desconsiderarem o trabalho do Instituto Ricardo Jorge: "Eu fiz o gráfico com dados fidedignos, o pico da incidência registada é mesmo a 29 de Janeiro. ... (sobre o boletim do Ricardo Jorge) "viste o R0? Totalmente errado em todos cálculos que se possam fazer. Fazem correcções arbitrárias não justificadas na literatura das datas das incidências, etc etc etc... Enfim, este boletim corresponde à qualidade de quem o faz..." ... "O INSA repete essa asneira à exaustão desde o princípio. Em nenhuma parte do Mundo é 2. Vivem em Marte? Ignoram totalmente a literatura? Alienação da realidade?" ... "OLha, na última reunião do Infarmed em que o BN citava o Rt como 0,67, "o mais baixo da pandemia"... estava de facto em 0,82, quer calculado por mim quer pelo Carlos, e já tinha tido um mínimo há 10 dias. Não sei que raio de contas eles fazem!" ... "usam o modelo seird mas de forma totalmente errada..." ... "Acabei de perder a fé nos cálculos do INSA, pelos menos sobre o R." ... "se o R está errado desde o início, e é fácil, imagina o resto...", etc..
Se eu gostasse de usar argumentos de autoridade, diria que não deixa de ser irónico que matemáticos que ouviram falar de epidemiologia há um ano se entretenham a dar lições ao departamento de epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge, mas eu não tenho o menor respeito por argumentos de autoridade e acho perfeitamente razoável que se questione o trabalho do Instituto Ricardo Jorge, mais que isso, acho fundamental que isso se faça.
Tal como acho útil questionar o trabalho de toda a gente, porque é da crítica séria, desassombrada e frontal que podemos ir melhorando, incluindo questionar o primeiro gráfico que Henrique Oliveira usa para defender a sua tese.
Henrique Oliveira faz este gráfico de forma simples: pega na incidência acumulada a sete dias (aparentemente centrada), medida pelo número de casos, parte do pressuposto de que há dois dias de diferença entre sintomas e registo de teste positivo pela DGS, e mais cinco dias entre contágio e sintomas e faz um gráfico de contágios que é uma deslocação do gráfico de casos para sete dias antes.
Que problemas existem com isto?
Estabelecer dois dias de intervalo entre o início dos sintomas e o registo do caso positivo é manifestamente absurdo. Pode ser que o Instituto Ricardo Jorge, que usa uma técnica que todos as autoridades europeias usam para transformar reposicionar os casos no início dos sintomas, esteja a cometer erros nesse processo, mas o que é verdadeiramente seguro é dizer que é uma tolice dizer que apenas existem dois dias entre sintomas e registo de teste positivo.
Todos nós conhecemos, com certeza, dezenas de pessoas que testaram positivo, eu conheço, mas não me lembro de em algum dos muitos casos que conheço terem passado apenas dois dias entre os primeiros sintomas e o resultado positivo do teste.
Ou seja, o gráfico de Henrique Oliveira precisa de ser recuado pelo menos dois dias (um número que estou a definir arbitrariamente, acho que é curto, mas prefiro errar contra o meu argumento, para evitar qualquer dúvida sobre má-fé), isto é, o fecho de escolas apareceria depois da linha verde do gráfico, bem dentro da descida brutal de contágios e sem qualquer sinal de os ter influenciado.
Assim sendo, a interpretação do gráfico de Henrique Oliveira, que já era fraquinha, torna-se impossível de sustentar: o pico de contágios já não é no dia anterior ao fecho de escolas, mas três dias antes, e a tal demonstração do efeito do fecho do postigo é anterior ao dito fecho.
Tudo isto só discutindo o tempo que decorre entre sintomas e registo de caso positivo, matéria para a qual não tenho informação de qualidade, ao contrário do Instituto Ricardo Jorge que diz que é bem mais que o que diz Henrique Oliveira.
Henrique Oliveira respondeu-me que tinha as previsões fantásticas e que batiam certinhas num relatório oficial que fez. Naturalmente perguntei se podia ter acesso ao relatório.
Respondeu-me que evidentemente que não.
Henrique Oliveira, pelos vistos, desconhece que todos os documentos oficiais são públicos (as excepções estão definidas na lei) e acha normal passar o tempo a influenciar decisões que afectam milhares de pessoas sem disponibilizar abertamente a informação que usa, para que essas decisões possam ser escrutinadas e, por essa via melhoradas.
Duvido que a academia sueca esteja tão viciada como a academia portuguesa no segredo que permite usar a autoridade como argumento.
E isso é uma responsabilidade que a academia portuguesa carrega às costas e um factor brutal que nos empurra para a pobreza e para a fragilidade institucional que nos caracteriza.
“A governante considerou que, para perceber as consequências no aumento de casos em janeiro das decisões tomadas pelo Governo no Natal, é preciso entender o contributo de alguns factos, como o frio, a época de festas e as novas variantes.
"Nós entrámos no mês de dezembro com um nível com o qual todos nos sentimos confortáveis, na relação à pandemia, em termos de pressão sobre os cuidados de saúde. E acho que temos ali três efeitos conjugados", afirmou.
A ministra sublinhou o papel da variante detetada no Reino Unido, que, sabe-se hoje, já estava em circulação: "O Reino Unido só alertou a Organização Mundial de Saúde no dia 14 de dezembro, mas também sabemos (..) que nós sequenciámos os primeiros casos já em janeiro e (...) que hoje conseguimos olhar para trás, com o espelho retrovisor, e antecipar que já tínhamos a variante em circulação".
O frio - "que às vezes é ridicularizado" - e a "menor disponibilidade para adesão às medidas de proteção" contra a covid-19 são outros dos fatores determinantes apontados pela governante.”
É preciso voltar a perguntar aos especialistas: o acontecimento climatérico de frio em excesso, que durante 3 semanas se instalou em portugal, foi tido em conta nos modelos? Sim ou não?
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