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"Haverá um preço a pagar"

por henrique pereira dos santos, em 21.12.20

Gosto de Carlos Antunes.

Não concordo nada com a sua interpretação da evolução da epidemia - Carlos Antunes resume tudo a medidas para a frente e medidas para trás e eu acho que há muitos mais factores em jogo, sendo o efeito das medidas muito discutível e, quiçá, pouco relevante - mas tem uma qualidade rara: dá atenção a toda a gente que comenta o que escreve, nunca o vi perder o registo racional e cordial na resposta às objecções, etc..

Desta vez, de acordo com mais uma peça de campanha do Observador, terá dito o que transcrevo: "“É uma decisão política que resulta do peso de dois aspetos: a reparação económica ou a saúde pública. A decisão cabe à instância política, mas qualquer decisão terá um preço a pagar. Se a reparação económica pesa mais, a consequência serão mais casos, mais internamentos e mais mortes”, diz o investigador, que trabalha com o epidemiologista Manuel Carmo Gomes no aconselhamento científico ao Governo."

A peça em si não me merece muito comentário, tanto mais que a única especialista em epidemias que o Observador foi consultar (os outros são especialistas noutras coisas, medicina familiar, medicina intensiva, matemática aplicada, enfim, coisas úteis para produzir informação que permita gerir uma epidemia, mas são são especialistas em epidemias, como um especialista em borracha não é especialista em fórmula um mesmo que os pneus dos carros sejam fundamentais para o seu desempenho) é afinal favorável a uma gestão equilibrada do Natal.

O que me interessa é mesmo a frase de Carlos Antunes de que qualquer decisão terá um preço a pagar, a adaptação à epidemia da célebre ideia de que não há almoços grátis.

Para tomar uma decisão, ou mesmo para ter uma opinião, seria preciso saber qual o preço a pagar pelas diferentes decisões, visto que todas têm um preço.

Carlos Antunes diz que celebrar o Natal com as medidas em vigor em Portugal tem um preço em mais casos, mais internamentos e mais mortes.

Sensatamente não nos é dito quantos mais casos, quantos mais internamentos, quantas mais mortes.

Mas convém ter a noção de que o preço estabelecido por Carlos Antunes para a ausência de medidas anteriores foi manifestamente acima do que se verificou, em casos, em internamento e em mortes.

Já agora, o preço que Fauci estabeleceu, em casos, internamentos e mortos, para os Estados Unidos, por causa do thanksgiving também foi manifestamente exagerado.

Pelo contrário, o preço que se conseguiria diminuir no Reino Unido e na Alemanha com as medidas tomadas no início de Novembro, não se verificou, estando o preço a ser bem mais alto do que o previsto.

Daqui não se pode concluir nada sobre a qualidade do trabalho destas pessoas todas, a única coisa que se consegue concluir é que a margem de erro associada a este tipo de previsões é altíssima (por exemplo, as previsões das autoridades suecas sobre o Outono/ Inverno e sobre a imunidade de grupo, com base numa abordagem substancialmente diferente, também se revelaram muito pouco precisas).

Mas o mais estranho no que é dito por Carlos Antunes - e por todos os outros com excepção de Elisabte Ramos - não é o facto de ignorarem a incerteza nas suas previsões, mas não considerarem o preço a pagar por se adoptarem as medidas que defendem, nas outras dimensões do problema, a principal das quais é o aumento  da pobreza, quer da pobreza mitigada a que as nossas ricas sociedades conseguem ir dando resposta - pela primeira vez a Unicef distribui apoio alimentar de emergência no Reino Unido - quer a probreza extrema que se verifica maioritariamente em países do terceiro mundo, com estimativas entre 50 a 100 milhões de pessoas a voltarem a ter de viver abaixo do limiar da pobreza extrema.

A pobreza mata e para tomar decisões equilibradas é preciso saber, em relação a cada medida, se os seus efeitos globais têm um saldo positivo ou negativo.

À boa maneira do pensamento mágico que apenas olha para a facturação das empresas e não para os custos, estamos a tomar decisões com o objectivo de melhorar o desempenho de uma das componentes do problema, sabendo que o grau de incerteza sobre o seu efeito é altíssimo, ao mesmo tempo que decidimos, conscientemente, ignorar todos os custos associados às decisões tomadas.

Já não falo, sequer, na forma como vários médicos falam do assunto pondo a tónica no seu cansaço e na capacidade de encaixe dos serviços de saúde, como se a capacidade de encaixe dos serviços de saúde, e o cansaço dos seus profissionais, não fossem consequências de opções políticas de gestão do sector, incluindo coisas espantosas como a permanente oposição da Ordem dos Médicos à liberalização do ensino de medicina em Portugal, achando normal que para defender o status quo no sector, todo o resto da sociedade deva empobrecer e aguentar sacrifícios que estão muito para lá do exigível.

Honra seja a Elisabete Ramos, a única especialista em epidemiologia que o Observador resolveu ouvir, que insiste em que as decisões sejam tomadas olhando para os dois pratos da balança.


8 comentários

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De balio a 21.12.2020 às 11:20


Não me parece que eja verdadeiro que o governo esteja a tomar medidas sem ter em conta os seus impactos sobre a economia. Isso será talvez verdade para os governos de outros países, mas não é verdade para o governo de Portugal, agora.
Na primavera, de facto, o governo tomou medidas insensatas e inconsideradas, que tiveram um grande e desnecessário impacto destrutivo.
Mas agora, no outono, o governo emendou a mão, tendo evitado fechar as escolas, fechar os restaurantes e, em geral, fechar o país. Governos de outros países estão a tomar medidas bem mais duras, mas o governo português tem-se abstido delas.
O Henrique pode achar, tal como eu, que as medidas tomadas pelo governo ainda são excessivas, mas deve reconhecer que elas são muito mais moderadas e consideradas do que as tomadas na primavera, apesar de a situação da epidemia na primavera ter sido bem mais suave.
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De Susana V a 21.12.2020 às 15:07

A questão não é tanto as medidas serem excessivas ou não, mas serem totalmente desprovidas de fundamento. Onde é fechar o comércio aos fins de semana à tarde ajuda no combate à propagação do vírus? São medidas absurdas que nem permitem a economia funcionar nem diminuem a propagação do vírus.
O facto de as escolas não terem fechado foi positivo. No entanto a maior parte das crianças passaram por quarentena prolongadas mais do que uma vez, com óbvias consequências para a aprendizagem e para o desempenho profissional dos pais.
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De balio a 21.12.2020 às 15:20


A questão não é tanto as medidas serem excessivas ou não, mas serem totalmente desprovidas de fundamento.


Concordo consigo Susana, porém mais uma vez faço notar que o nosso governo está a ser relativamente moderado. Na Europa Central a loucura está a ser bem pior. Por exemplo na Áustria, que tem muito menos casos diários que Portugal e cuja tendência é solidamente decrescente, vão impôr a partir do Natal um lockdown total, com todo o comércio fechado exceto produtos alimentares e farmacêuticos.



A generalidade dos países europeus está atualmente com menos casos diários (em relação à população) do que Portugal, porém por toda a Europa só se aumenta as restrições, ainda por cima restrições uniformes por todo o país e não em função da gravidade da epidemia, como cá.
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De Susana a 21.12.2020 às 18:05

Nisso dou-lhe razão. :-)
A Europa é um caso de loucura colectiva. Comércio fechado, escolas fechadas...
Mas os países mais ricos (e.g., Alemanha, Suíça) têem pacotes de  apoio aos comerciantes obrigados a fechar portas, o que não acontece em Portugal. 
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De lucklucky a 21.12.2020 às 12:01


"“É uma decisão política que resulta do peso de dois aspetos: a reparação económica ou a saúde pública. A decisão cabe à instância política, mas qualquer decisão terá um preço a pagar. Se a reparação económica pesa mais, a consequência serão mais casos, mais internamentos e mais mortes”



A educação,cultura Neo-Marxista, Católica que temos dá nisto...um nojo à economia excepto para reclamar que nos pague.
Até parece que a "reparação económica" não tem nada que ver com a saúde "publica". Se os hospitais, centros de saúde, laboratórios e centros de recolha não estão a funcionar em situação normal o que é que poderá ocorrer aos doentes não COVID?
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De balio a 21.12.2020 às 12:22


os hospitais, centros de saúde, laboratórios e centros de recolha não estão a funcionar em situação normal


Claro que não estão, nem poderiam jamais estar. Estamos numa situação de epidemia, com um número excecionalmente alto de doentes a acorrer aos hospitais. Em nenhum país os hospitais funcionam "em situação normal" quando há uma epidemia.
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De Anónimo a 22.12.2020 às 16:27


Todos somos especialistas, após as ocorrências! E, ninguém pode pensar que sabe o futuro, pois nunca a humanidade, como a conhecemos actualmente, passou por uma situação desta natureza.
Tomar medidas é tomar opções, com o possível equilíbrio entre a saúde pública e a economia!
E, já algum país democrático adivinhou o caminho a seguir?
OK!. esqueci-me da China, que, onde o vírus foi expressamente criado, conseguiu a sua erradicação! ou conseguiu calar?
Jorge Capela


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De Anónimo a 23.12.2020 às 00:02

A humanidade não era muito diferente durante a pandemia de 1918/19. Mas era ainda mais parecida com a atualidade aquando da Pandemia de 1957 com cerca de 2 milhões de mortos! e a de 1969, com mais de 1 milhão de mortes, sendo que imensos países não fizerem sequer rastreamentos em ambos os casos...


A história ensina-nos tanto: As vagas desta pandemia são parecidíssimas com as de 18/19 e as métricas e tipo de infeção parecem copiadas de 1957. Já algumas reações sociais e politicas de 1969 foram tão parecidas com as atuais...


O que não muda nunca é a capacidade de dizer que é sempre tudo novo e diferente, sem saber sequer o que se passou no último século neste planeta.


https://pt.wikipedia.org/wiki/Gripe_asiática


https://observador.pt/2020/05/21/a-pandemia-esquecida-de-1968-que-matou-um-milhao-de-pessoas-em-todo-o-mundo-e-foi-mais-letal-na-segunda-vaga/


https://observador.pt/2020/05/21/a-pandemia-esquecida-de-1968-que-matou-um-milhao-de-pessoas-em-todo-o-mundo-e-foi-mais-le

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