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Guilherme II, último Imperador da Alemanha e rei da Prússia, faleceu a 4 de Junho de 1941, em Huis Doorn, Doorn (Países Baixos). Derrotado e exilado foi talvez dos mais odiados homens do século XX, ainda que a justiça tarde para esta figura renegada num século que conheceu todas as catástrofes. Um homem singular: grande orador, carismático, culto e apreciador das artes, tinha ao seu alcance o esplendor de uma era. Mas era também de temperamento irascível, instável e irritável, muitas vezes tendente a depressões.
O neto preferido da rainha Vitória foi talvez o mais inglês de todos os alemães, a proximidade que sentia ao povo de além-Mancha faziam-no crer numa aliança futura. Não podia estar mais enganado. Guilherme II admirava os ingleses, mas não os compreendia. Imediatamente a criação da marinha de guerra alemã levantou suspeitas à Britânia senhora dos mares. Entre outros erros diplomáticos (a política externa não era o seu forte), a incapacidade para garantir o equilíbrio entre a Áustria-Hungria e a Rússia, impérios cuja sede de ambição nos Balcãs conduziria a Europa para o suicídio colectivo em 1914.
O equilíbrio que Bismarck habilmente criara aos poucos começava a ruir. Aspirando à ribalta e consciente do seu desígnio histórico, o Kaiser afastara o velho ministro da vida política (a incompatibilidade dos homens de temperamento forte). Mas Guilherme II demonstra-se internamente um político hábil. É sobretudo um "imperador social" que para combater a ascendente força do partido social democrata institui uma legislação do trabalho sem precedente na Europa: desde leis sobre acidentes de trabalho, doença e velhice votadas entre 1882 e 1889 as quais formam, depois das políticas de Bismarck, o primeiro conjunto de reformas sociais, décadas antes da "revolucionária" e "republicaníssima" França.
São também pensados pelo Kaiser os tribunais arbitrais, o descanso ao domingo e a limitação das horas de trabalho. Juntamente com Bismarck, Guilherme II é o arquétipo do revolucionário de topo, como fora Alexandre II, da Rússia, Leopoldo da Bélgica e, entre nós, o nosso rei D. Carlos.
Do que mais gostava era das encenações, as grandes demonstrações militares, contudo teme a guerra. No fundo, cultivava o culto da personalidade. Todo esse "teatro" (um “regime de opereta” como chamava o nosso D. Carlos) fazia-o talvez ignorar a realidade do seu próprio poder: Guilherme II estava limitado como “rei constitucional”. Mas, ao mesmo tempo, está politicamente na vanguarda dos novos tempos: apercebe-se de elementos políticos importantes que no futuro definirão a política de massas: os discursos, a grande oratória, a ideia do soberano reflectir a vontade do povo, são constatações que fazem dele sobretudo um estadista moderno.
Acredita no direito divino, mas não ignora que o poder deriva da nação, o que é interessante no seu pensamento: tradicionalista e revolucionário, conservador politicamente, mas ideologicamente na linha de um “socialista de cátedra”, propenso para a reforma social e para a manutenção da ordem e da autoridade. Em tudo é um paradoxo.
No reinado de Guilherme II a liberdade cresce. Entre as várias reformas políticas está a visão de um monarca esclarecido. Assim, a lei que reprimia os socialistas é revogada, aceita também que se constituam partidos políticos: desde a direita, militada pelo conservadorismo prussiano, hierárquico, castrense, nobiliárquico, ao centro católico. Amnistia as esquerdas sociais-democratas e dá alento à burguesia dividida entre liberais nacionais e liberais de esquerda.
Esta não é apenas a Alemanha do grande fomento industrial e do progresso económico, mas também da cultura, das artes e das ciências, que a Europa reconhece nos inúmeros galardoados com o Nobel, ou que são reconhecidos nas letras, na pintura, nas reformas políticas e na vanguarda da reforma social. Que mundo se perdeu.
Com o Kaiser morre uma certa Alemanha, o Reich que não resistiu a Bismarck seu arquitecto principal. Desaparece uma certa ordem, mas também sucumbe esse status quo, que foi história e tradição, que no âmago das hierarquias tradicionais reunia o melhor escol do Império. Junger foi um bom juiz deste declínio ao referir "os últimos troncos da nobreza alemã" que durante mil anos tinham sobrevivido a todas as crises e provações, mas não ao século XX. Duas guerras mundiais ditariam o fim da velha ordem.
No final, traído e amargurado, o velho monarca permaneceu um exilado, nunca desejando regressar à pátria enquanto a monarquia não fosse restaurada. O ciclo político não lhe foi grato, consomou-se a transformação europeia numa realidade que ficou nos antípodas de toda a concepção heróica, tradicional e metafísica, um mundo "de ontem" petrificado na história.
Guilherme II é uma das mais interessantes figuras do século XX, admirado e odiado, merece ser estudado com atenção e com a relevância necessária.
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