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Foi a MTV que trouxe popularidade e imagem à música ligeira. Música para todos e a visão dos seus intérpretes em todos os ecrãs. Depois, lentamente, insidiosamente, os discos passaram a ser feitos para a MTV, ou seja, com quantidades crescentes, crescentemente vistosas e aceleradamente curtas de filmes, instantâneos, flashes e explosões. Por fim, o lado negro da Força ganhou: os videodiscos passaram a ser peças publicitárias nervosas, com cadências cada vez mais extremas. E a música foi despromovida a subproduto.

Todos os anos, por esta altura, a cerimónia dos Grammy consagra esta aberração.

Os Grammy de 2014 abriram com Beyoncé. Intérprete poderosa e sensual de composições totalmente olvidáveis, Beyoncé trazia uma novidade. Sentada, em exercícios de ginástica sobre uma cadeira (há quem diga «coreografia»), entoou outra inanidade, mas de forma algo nova: cantava apenas um fio minimalista da canção; mas esse fiozinho despojado ia sendo assoberbado com uma orquestração majestosa, e fumos, e jactos de luz, e estrelinhas e convulsões. Em vez da velha «wall of sound», que era do próprio corpo das canções, uma «wall» de coisa nenhuma, sensacionalista e vaporosa. As duas canções seguintes seguiram o mesmíssimo formato. Veio Katy Perry e cantou também a mera medula de uma canção, mas, novamente adornada com um pleno de «sound and fury meaning nothing». Veio depois Ella Maria, dos Lorde, e, em vez de respeitar a sua notável «Royals» seguiu a linha da moda: assumiu pose e gestualidade de deficiente motora, e cantou a espinha dorsal de «Royals» (que assassinou, de passagem) enquanto a regie a envolvia numa vaga de adornos inconsequentes.

Não era, portanto, um acaso. Era, portanto, uma tendência.

Não foi, assim, de espantar que se lhe seguisse Pink a fazer exercícios em cordas suspensas, mal cantando o que tentava cantar por estar a braços (e pernas) com duras solicitações ginásticas.

A música, essa, é que andava longíssimo, perdida, a coitadinha. Mas para fingir que não, o alinhamento trouxe de seguida, e em sucessão, dois números de voz e piano. Um, de John Legend, cujo nome só por si convida à maior desconfiança, outro, de Taylor Swift, loirinha, bonitinha e miúda popular, e ambos magnificamente medíocres e inultrapassavelmente esquecíveis.

Talvez com a intenção cavilosa de prevenir quaisquer saudades do passado, apresentou-se a incomparável banda Chicago Transit Authority que, no entanto, sujeita ao lastro de Stevie Wonder, que lhe penduraram à ilharga, pouco conseguiu produzir. E houve ainda vez para Willie Nelson e Kris Kristoferson que, como talvez também fosse desejado, demonstraram que já não devem cantar (e em público muito menos).

E de música, de música-música, de música propriamente?

De música houve pouquíssimo, embora alguma coisa.

A nostalgia de ouvir Ringo Starr; a confirmação, com Paul McCartney, de que a música dos virtuosos empalidece os modismos (e a alegria suplementar de ver a bruxa Yoko Ono dançando confrangedoramente ao som dos acordes de Paul); os magníficos Imagine Dragon, embora albardados com um dispensável Lamarr; a voz envolvente e superior da nova cantora country Kacey Musgrave (e o inesquecível metro e meio de pernas que a sustenta); a jovial impertinência dos Daft Punk e de Pharrel Williams; e - sobretudo, sobretudo - a voz original, poderosa, notável do rapper branco Macklemore, de que, felizmente, ouviremos falar muito mais, e de quem, como tudo indica e promete, teremos ainda muita música e poesia.

As coisas acabaram, portanto, e apesar de tudo, bem?

Não. A vacuidade nunca desiste. E, assim, o espectáculo não terminou sem uns minutos de insuportável Madonna, e uma cerimónia de troca pública de alianças entre umas dezenas de casais, entre eles, curiosamente, até heterossexuais.

Nos Grammy é assim. Pode a música intrometer-se brevemente, mas o natural dos Grammy logo regressa a galope: lantejolas em profusão, politicamente correcto à desfilada, fogos de artifício em barda, flashes, fumos e derisão.

 


3 comentários

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De João Távora a 30.01.2014 às 17:27

Gostas dos Daft Punk, José?
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De José Mendonça da Cruz a 31.01.2014 às 13:49

Muito. Escapar ao tédio da corrente é obra!
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De David Calão a 30.01.2014 às 18:29

"o rapper branco", ena...

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