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De maneira geral, nos meus livros, escrevo sobre paisagem, uso poucas imagens e não perco tempo com descrições de paisagens inspiradoras e de cortar a respiração, eu escrevo mesmo sobre couves e batatas.
Como qualquer pessoa que escreve, gosto mais de ter leitores que de cultivar a pose do incompreendido a quem o futuro fará a devida justiça e tenho a lucidez suficiente para saber que escrever ensaios sobre couves e batatas não é a forma mais simples de cativar leitores e ser um campeão de vendas.
Se é sobre isso que escrevo é porque é o que sei fazer, sem ter qualquer problema em dizer que preferia vender cem mil exemplares de um livro a vender o que vendo, se soubesse escrever sobre coisas que interessem a mais gente.
Ainda assim, tenho de dizer que estou muito satisfeito.
O primeiro livro que escrevi, "Do tempo e da paisagem", escrevi-o porque tinha saído do ICNF, estava a trabalhar de forma independente, e achei que o meu percurso profissional era pouco vulgar, o suficiente para me permitir escrever um livro sobre paisagem que não era académico, embora tecnicamente sustentado, sem dizer só coisas que já tinham sido ditas.
Sabia que não ia vender muito, o editor (que eu conhecia de ser visita de casa de um dos meus irmãos) quis garantir um nível mínimo de vendas que eu tinha de assegurar, mas de resto sempre achou que era um livro publicável.
Vendeu-se razoavelmente, em grande parte porque eu sou um grande chato a vender, andava sempre com livros numa pasta, a todo o lado em que me pediam para ir falar eu tratava de vender alguns livros, e por aí fora. Diria que cumpriu as funções que tinha para mim, permitiu que toda a gente saísse sem perder e, ao fim de algum tempo, acabei a comprar, a preço de saldo, as sobras que iriam para o lixo. Tenho ainda alguns exemplares em casa, que não faço esforço para vender, suficientemente poucos para não me preocupar mais com o assunto, portanto, terei vendido uns 500 exemplares, acho eu (confesso que não me lembro de quanto foi a tiragem).
O segundo livro "O gosto de Sicó" tinha umas características diferentes, foi uma encomenda institucional resultante de um capítulo do livro anterior sobre alimentação e paisagem - e há várias pessoas que me perguntam porque não escrevo um livro só sobre isso -, foi puxado por um amigo meu, a que juntei o Chef António Alexandre numas receitas de cozinha (razão pela qual, nalgumas livrarias, encontrava o livro arrumado na culinária, e não na paisagem, embora raramente haja uma secção de paisagem, ou mesmo de geografia, nas livrarias).
Foi pensado como um guia que teria um mapa e fotografia a preto e branco, fortemente ilustrativa do texto, mas quem ficou com a responsabilidade dessas partes falhou e acabei por optar por publicar a partir do que era possível naquele momento, mesmo amputado de partes fundamentais que tinham influenciado o texto.
É, talvez, o livro mais chato que escrevi, mas é também o mais sólido tecnicamente, o que tem mais informação nova, o que reflecte melhor um trabalho específico de interpretação da paisagem, com horas e horas de conversa nos montes e aquele para o qual tive de aprender mais: eu conhecia bem a paisagem dos calcáreos centrais, tinha trabalhado muitos anos no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, mas escrever especificamente sobre uma região, sem ser com adjectivos a disfarçar a falta de substância, implica um pormenor que não é o que faço melhor.
Vendeu razoavelmente, quando quis ficar com os restos que iam para a guilhotina a associação de desenvolvimento local que o tinha encomendado ficou com grande parte da edição e eu, quando um dia prometi a uma pessoa que não conhecia mas que tinha interesse no livro que lhe arranjava um, acabei por ter de lhe dar um que tinha uma dedicatória para uma das minhas filhas porque foi o único que encontrei aqui em casa disponível (é irrelevante, eu até dou um exemplar a cada um dos meus filhos, mas eles não se interessam nada por isso). As vendas deste são um bocado enganadoras e dificeis de perceber, dado o envolvimento de uma associação que ficou com grande parte da edição (quer da que ia para a guilhotina, quer da inicial).
O meu terceiro livro "Portugal: paisagem rural" tem uma história diferente: António Araújo, que terá lido o meu primeiro livro, disse-me um dia que quando eu acabasse a minha tese de doutoramento, lhe falasse (não me lembro se a iniciativa foi minha ou dele, mas o percurso foi este).
Mandei-lhe a tese depois de acabada (como a uma data de gente, em PDF, mas quase ninguém abre sequer esses ficheiros, eu sei) e disse-me que a Fundação Francisco Manuel dos Santos tinha interesse em publicar um ensaio com base na tese, desde que eu respeitasse uma série de regras, em tamanho, tipo de linguagem, ilustrações e por aí fora.
Uma das regras dizia respeito a ilustrações e gráficos, que se pretendia que não existissem ou fossem escassos, e a minha tese é essencialmente um conjunto de mapas (dezenas) interpretados, com recurso a um ou outro gráfico para explicar o que os mapas não conseguiam exprimir.
Resumindo, refiz a tese para caber nesse pressuposto (o de que não podia remeter para mapas o que estava a dizer), acabou por não ter uma única ilustração (o segundo livro tem fotografia, mas o primeiro e o terceiro são livros sobre paisagem que não têm nenhuma imagem, o que é, evidentemente, um contra-senso) e informaram-me agora que no ano passado vendeu 519 exemplares e, desde que foi lançado, 4876 exemplares.
Mesmo descontando os exemplares que a própria fundação compra para bibliotecas, para oferecer aos autores dos seus livros e coisas afins, confesso que fico de boca aberta com uma venda de quase cinco mil exemplares de um ensaio a falar de couves e batatas.
Eu sei que escrevo de uma forma tão chã quanto possível, acabo por puxar por isto ou aquilo que me parece que interessa mais às pessoas comuns, às vezes só por serem curiosidades, e que isso, provavelmente, me permite chegar a mais gente, que não fica esmagada com o conhecimento enciclopédico do autor e com a sua alta cultura (felizmente, que eu gosto de vender, mas não gosto de enganar o público).
Do meu último livro, a meias com o Duarte Belo (o Duarte, não sendo um campeão de vendas, acho que vende mais que eu) e o Museu da Paisagem (poucos compradores, mas fiéis), "Das pedras, pão", também me deram os números há pouco tempo (eu sou chato nisso, tenho mesmo interesse em saber quanto se vende): devemos ter vendido uns 500 livros no crowdfunding (alguma venda institucional, mas mesmo assim) e mais uns 230 nos dois meses que leva de vida, o que também me espanta, pela quantidade, apesar de reconhecer que preferia vender 100 mil.
Não vou pôr-me aqui com conversa da treta sobre eventuais dúvidas sobre o meu mérito nisto, com certeza eu acho que há mérito meu, mas também sei que com quatro livros com histórias tão diferentes, há uma parte das vendas que resulta das circunstâncias de cada livro e, no meu caso, é bem visível o resultado que a Fundação Francisco Manuel dos Santos consegue obter, quando comparada com o resto dos editores.
Há muitas razões para isso, nem todas relacionadas com a boa ou má qualidade dos editores - estou muito agradecido ao editor dos meus dois primeiros livros, sem esse trabalho que mais ninguém faria e sem a decisão de os editar, os outros livros nunca teriam existido - ou a boa ou má qualidade dos autores: há gente que eu conheço que escreve coisas tão boas como as que eu escrevo, que não vende nem metade (podem ter publicado mais, é uma coisa diferente).
Uma boa parte das pessoas, algumas bem melhores que eu nos assuntos sobre os quais escrevo - o que não quer dizer que consigam escrever o que escrevo porque têm percursos de vida e profissionais muito diferentes -, que eu acharia que poderiam produzir boa informação sobre paisagem para aumentar a relação das pessoas comuns com o que os rodeia, estão de facto prisioneiras da academia e de uma escrita académica que as impede de falar com o vizinho do lado, se ele não for igualmente um académico.
Não por acaso, boa parte dos académicos consideram os livros como literatura (científica) cinzenta e não lhes ligam nenhuma, são pouco relevantes para a sua carreira académica.
A sensação que tenho é a de que um dia a academia vai perceber o risco e o custo de alienar a compreensão da sua utilidade social por parte das pessoas comuns.
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