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Glifosato, lareiras, eucaliptos e dívidas

por henrique pereira dos santos, em 15.12.16

"Governo assume proposta do Bloco e proíbe glifosato no espaço público".

 O glifosato é um químico usado no controlo de vegetação que actua sobre a fotossíntese e é dos mais usados no mundo. As razões para o seu êxito predem-se quer com a sua eficácia, quer com o seu preço, quer ainda com as suas grandes vantagens ambientais face às alternativas visto que não afecta a fauna - actua sobre os mecanismos da fotossíntese - e que tem uma persistência no solo baixíssima, sendo rapidamente neutralizado quando chega ao solo.

Pessoalmente estou envolvido num projecto de controlo de espécies invasoras, financiado pelo programa LIFE. Durante a sua aprovação foi questionada a possibilidade de uso de glifosato, e defendemos na altura o seu uso com argumentos sólidos, exactamente associados ao seu baixo risco, tendo o projecto sido aprovado com a utilização potencial de glifosato, embora dois anos depois do começo não tenhamos usado, até agora, um pingo de glifosato e seja pouco provável que o venhamos a fazer.

Mas o glifosato tem um problema: está muito associado à produção de organismos geneticamente modificados porque a Monsanto, detentora durante anos da patente do glifosato, desenvolveu algumas sementes com resistência a este fito-fármaco, com o objectivo de facilitar a monda química: sendo a produção resistente ao glifosato, era possível eliminar a vegetação indesejável de forma muito mais barata e eficaz.

Sendo a produção de glifosato uma das grandes fontes de receita da Monsanto, sendo a Monsanto uma das grandes empresas de produção de sementes geneticamente modificadas, o movimento anti-ogms virou todas as suas baterias para o combate ao glifosato, procurando demonstrar a sua toxicidade potencial.

Este movimento teve uma grande vitória: a IARC (International Agency for Research on Cancer) classificou o glifosato como potencialmente cancerígeno, ao arrepio de todas as outras agências internacionais que trabalham sobre o assunto. Com o mesmo nível de perigosidade das lareiras ou do consumo de carnes vermelhas. Note-se que é mesmo das carnes vermelhas, não é do chouriço, do presunto ou do vinho, que estão classificadas noutra categoria de risco, mais elevada que a do glifosato.

Alexandre Quintanilha explica aqui muitíssimo bem como é infantil a conversa do BE sobre o glifosato mas, num passe de mágica, acaba a defender a proibição do glifosato em algumas circunstâncias sem que perca tempo a explicar por que razão deve o glifosato ser tratado de forma diferente das lareiras ou da carne vermelha.

O que é relevante neste assunto é que a aprovação da proibição de glifosato nalgumas circunstâncias é uma vitória do obscurantismo e mais um dos exemplos de como a fragilidade estrutural da geringonça nos põe à mercê de algumas das infantilidades do BE, em especial das que não têm tradução orçamental imediata.

Já tínhamos tido um bom exemplo com a aprovação da legislação que inclui a homeapatia nas terapias que o Estado aceita como actos relacionados com a saúde susceptíveis de tratamento fiscal mais favorável. Não tenho posição clara sobre a homeopatia, conheço pessoas cuja racionalidade e sensatez reconheço e que defendem a homeopatia, mas o facto é que o Estado não pode tomar decisões com base em convicções não fundamentadas em factos minimamente reconhecidos e não há um único estudo consistente que consiga demonstrar a validade médica da homeopatia.

Não é só o BE que aproveita a fragilidade estrutural da gerigonça para fazer avançar agendas socialmente negativas, os Verdes (essa fraude partidária que consentimos sem indignação) também fizeram avançar a agenda anti-eucalipto ao arrepio do que é o melhor conhecimento científico sobre a sua produção e os seus efeitos ambientais. E, neste caso, com efeitos económicos reais potencialmente mais relevantes.

Confesso que não entendo a passividade social para com estas fraudes, com efeitos reais sobre o principal problema de saúde e ambiental que temos: a pobreza, nas suas mais diversas formas.

O prejuízo para a criação de riqueza não é um tiro nos malandros dos accionistas e do grande capital, os prejuízos para a criação de riqueza são essencialmente pagos em pobreza e afectam sobretudo os mais pobres.

Há já alguns anos, em 2010, escrevi um post em que defendia que uma das maiores ameaças ambientais do país era o endividamento. Mas acrescentava que a maior mesmo era a falta de qualidade do processo de decisão pública, como procurei ilustrar neste post com as fantasias mal fundamentadas cientificamente sobre o glifosato ou os eucaliptos.


7 comentários

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De Ah pois é!!! a 15.12.2016 às 10:31

Há muita gente tentando relacionar Luís Cunha Ribeiro, mas ninguém repara que era um dos homens do PSD na área da Saúde, um príncipe.
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De Tiro ao Alvo a 15.12.2016 às 21:05

Do PSD e não só. Do PS, do PSD e do CDS, um pau para toda a obra. Mas este não é o tema do post. Não desviemos a atenção das questões levantadas.
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De Ah pois é!!! a 17.12.2016 às 10:45

Quando este blogue se esquiva a postar sobre temas que lhe são incómodos, temos o dever de os lembrar!
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De Carneiro a 15.12.2016 às 21:23

concordo genericamente com a sua opinião sobre o oportunismo do Bloco em introduzir a sua agenda fracturante.
Porém em relação ao glifosato é ou não verdade que a quantidade  por Ha aconselhada pelo fabricante  quadriplicou em 20 anos ? Passaram-me a informação, com a qualidade de fidedigna, de que meio litro por Ha em 1995, exigia agora 2 litros na mesma área para ser eficaz sobre as mesmas infestantes que entretanto teriam desenvolvido resistências ao herbicida. Ponho à sua consideração, porque a ser assim, eu continuarei a sentir-me incomodado ao ver os cantoneiros da CMLisboa a pulverizar as ervas no passeio em frente à porta do meu prédio.  Pelo menos do ponto de vista psicológico sempre me incomodou essa pratica camarária.
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De henrique pereira dos santos a 17.12.2016 às 07:45


Eu não entendo as práticas camarárias de controlo de vegetação, acho que são, de maneira geral, excessivas.
No entanto, se quiser controlar canas, por exemplo, tem dificuldades muito grandes e pode ser aconselhável o uso de glifosato (tal como noutras invasoras).
Não me parece nada lógica essa história do desenvolvimento de resistências tratadas com maiores quantidades do fitofármaco: ou desenvolveram resistências, e não é a quantidade que resolve, ou não desenvolveram, mas não sei o suficiente do assunto e posso estar a raciocinar mal e isso acontecer.
Só que a questão de fundo é outra e é a que indentifica: a percepção de risco é muito mais elevada que o risco real, isto é, a probabilidade de um avião bater num prédio nos arredores do aeroporto de Lisboa é muito mais alta que a probabilidade de uma barragem ruir, mas a generalidade das pessoas aceitaria viver num desses prédios e recusar-se-ia a viver numa casa em frente ao paredão da barragem.
Reconhecer essa dimensão da percepção de risco não obriga ninguém a dizer que o glifosato é mais perigoso que uma lareira, porque não há nenhuma evidência disso, bem pelo contrário.
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De Carneiro a 17.12.2016 às 10:48

Concordo com o que diz na parte da percepção do risco. 
Na parte do desenvolvimento da resistencia ao glifosato voltei entretanto a falar com a pessoa que é produtora de milho e o que me foi explicado agora com mais detalhe é que efectivamente há necessidade de reforçar as doses por Ha. Até se nota que a planta infestante interrompe o crescimento no local da haste onde sofre a pulveriza, mas rebenta logo após se a dose não for suficientemente forte. Existe pois um desenvolvimento de resistencias. Tecnicamente chamam a isso Darwinismo, grosseiramente traduzido como a adaptação dos seres vivos a todas as condições adversas. Isso está a interferir com os custos de produção do milho e com a sustentabilidade futura das produções, pois que se antecipa um agravamento do fenómeno correspondente á perda de eficacia do herbicida. Com custos tremendos na area complementar dos OGM, pois a vantagem relativa destas culturas deixa de ser tão desnivelada e lá se vai o investimento milionario no seu desenvolvimento. Obviamente que estas considerações nada têm a ver com o Bloco de Esquerda - sempre seriam sofisticadas demais para aqueles lindas e graciosas cabecinhas - mas a questão do glifosato tem que se lhe diga, para lá da arrumada exposição que ofereceu no seu artigo. Se não leva a mal que assim conclua. (Aliás, se o Bloco pretendesse acabar com as OGM, o glifosato a medio prazo seria o melhor aliado - isto do ponto de vista de uma estratégia "maquiavélica"...)
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De Vítor Araújo a 16.12.2016 às 09:14

Só quem não está minimamente atento é que não se apercebe que o preço do apoio à governação orçamental do PS pago aos dois partidos da extrema esquerda, é a cativação completa e sem qualquer critério do processo legislativo sobre tudo e mais alguma coisa neste país. Eles vão conseguir torná-lo inabitável. 

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