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Desde o princípio da epidemia que há quem procure padrões geográficos na sua evolução.
Ainda por estes dias Miguel Araújo lembrava o que sobre o assunto escreveu muito no princípio da epidemia.
É verdade que não me parece que alguns dos pressupostos do Miguel (e meus, já agora, e penso que mais ou menos de toda a gente que olhou para isto com os olhos da geografia) se tenham verificado, pelo menos da forma como se pensou no assunto, com uma grande associação entre a actividade viral e o frio, como parece lógico a partir do padrão sazonal da Europa temperada (ainda hoje fico de boca aberta com as pessoas que não vêem sazonalidade na actividade viral do hemisfério Norte temperado, obcecadas que estão com a ideia de que somos nós e a forma como controlamos as nossas interacções sociais que determinam a evolução da epidemia).
Mas também é verdade que a ideia central de uma grande influência da geografia - o que pressupõe que em grande medida a evolução da epidemia é fortemente influenciada por factores naturais que não controlamos - me parece hoje uma hipótese bastante sólida.
A Europa temperada tem, para Sul, muito mar e deserto, isto é, uma descontinuidade geográfica que torna mais difícil ver a oscilação geográfica que foi ocorrendo desde o início da epidemia.
A América, desse ponto de vista, parece-me dar indicações mais claras.
O mesmo se poderia dizer da Ásia, mas não são claras para mim as razões para os padrões de ataque da epidemia na Ásia, em especial a hipótese, grandemente especulativa, de uma maior imunidade a vírus deste tipo, portanto não tenho perdido muito tempo a olhar par a evolução da epidemia nessa zona do mundo, para além de notar a diferença temporal do ataque na China (e arredores) e na Índia, coerente com o que vou escrever.
Os EUA têm duas grandes virtudes para esta discussão: 1) continuidade geográfica Norte/ Sul, com grandes estados muito povoados tanto a Norte como a Sul; 2) dados razoavelmente seguros.
É do conhecimento geral que primeiro os surtos estiveram a Norte, acompanhando a Europa temperada, e depois, durante o Verão em que praticamente desapareceu da Europa e dos estados do Norte dos EUA (não confundir a histeria sobre os dados resultantes de testes laboraratoriais positivos decorrentes de alterações profundas na política de testes com a verdadeira evolução da epidemia, em que estes números de testes positivos têm de ser lidos no contexto da evolução dos números de hospitalizações e mortes), a actividade viral desceu para os estados do Sul, nomeadamente os estados muito povoados da Florida, Texas e Califórnea.
Nos últimos tempos, em paralelo com a subida de testes positivos na Europa temperada - acompanhada de um aumento moderadíssimo de mortalidade, que provavelmente continuará pelo Outono/ Inverno fora, até valores semelhantes aos da gripe, nuns sítios mais acima, noutros sítios mais abaixo - a lista de estados dos EUA ordenada por números de casos diários começou a sofrer alterações, com a progressiva descida dos casos nestes grandes estados do Sul e a subida de outros estados mais a norte, embora na mortalidade ainda haja uma clara predominância dos estados do Sul.
Ontem o segundo estado com mais casos foi o Winsconsin, quase no Canadá, na região dos grandes lagos (por acaso, ontem, com zero mortes, mas dados diários não dizem nada).
Vale a pena olhar para os gráficos desse estado.
Coerentemente com a Europa temperada, há um súbito crescimento de casos a partir do princípio de Setembro, mas a mortalidade, que sempre foi baixa no primeiro embate, continua sem reflectir este número de casos, sendo razoável supôr que irá, mais tarde ou mais cedo, reflectir este aumento de casos, embora com várias ordens de grandeza abaixo, isto é, à mais que duplicação de casos, que passaram dos menos de 700 a mais de dois mil em três semanas, sendo natural que continuem a aumentar, não corresponderá, no período de duas a três semanas em que seria de esperar ver o crescimentos de casos transformar-se em maior mortalidade, um crescimento da mortalidade mais de duas vezes maior, de acordo com o padrão que tem sido observado, até agora, em toda a Europa.
Nada disto são previsões, em lado nenhum tenciono dizer que o futuro vai ser assim ou assado, o que estou a dizer é que parece evidente a existência de padrões geográficos de evolução semelhantes para situações semelhantes, independentemente das medidas de controlo da epidemia tomadas.
Ou seja, os indícios que hoje temos da evolução observada da epidemia reforçam a hipótese de uma evolução natural da epidemia, e desconsideram a hipótese de uma evolução da epidemia determinada pelas nossas opções de controlo social de interacções entre as pessoas.
Talvez seja por isso que, até hoje, na enxurrada de estudos e coisas publicadas sobre a epidemia, não haja um único artigo concludente sobre os efeitos das medidas não farmacêuticas na evolução da epidemia.
Há muita modelação.
E há alguns estudos de base empírica que sugerem efeitos relevantes das medidas não farmacêuticas, mas os que vi, de maneira geral, têm a mesma arquitectura base: são estudos de caso que interpretam uma correlação estatística simples como a explicação para dados empíricos de um processo complexo, ignorando hipóteses explicativas alternativas, em especial hipóteses baseadas numa evolução natural do surto.
Em lado nenhum se encontram (que eu saiba, claro, agradeço todas as demonstrações de que esses estudos existem) análises globais, ou meta-análises que consigam explicar diferentes evoluções a partir da adopção de diferentes medidas não farmacêuticas, ou resultados semelhantes obtidos a partir das mesmas medidas não farmacêuticas.
Quer isto dizer que as medidas não farmacêuticas são inúteis e devem ser descartadas?
Seguramente que não, o que isto quer dizer é que os custos e benefícios de cada medida não farmacêutica têm de ser discutidos numa base sólida que permita a ponderação de todos os seus efeitos sociais, e não na opinião de um delegado de saúde qualquer sobre o confinamento de turmas inteiras só porque está convencido de que mandando os alunos para casa deixa de haver interacção social entre as bolhas sociais de cada um dos alunos e isso vai ser um grande contributo para a evolução da epidemia que, apesar de todas essas bravatas, eppur si muove indiferente às nossas opiniões sobre ela.
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