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Funcionalização em política

por henrique pereira dos santos, em 11.11.22

Suspeito, sem ter dado ao assunto muita atenção, que grande parte da divergência das duas candidaturas na Iniciativa Liberal se prende com o difícil equilíbrio entre funcionalização e abertura à sociedade, nos partidos políticos.

Não me meto na discussão de qual será a melhor opção para a Iniciativa Liberal, por um lado porque não sou militante, apesar da minha proximidade ideológica e colaboração, por outro porque conheço Carla Castro e Rui Rocha, não com proximidade, é certo, e gosto dos dois, achando que os dois são boas opções.

Os partidos (e mais ou menos todas as organizações sociais que pretendem ser transversais e chegar a todos) são sempre confrontados com a opção entre a lógica leninista de profissionalização e funcionalização para garantir a eficácia da acção, ou a abertura caótica à sociedade, para garantir criatividade e ligação da acção política ao quotidiano das pessoas concretas.

A candidatura de Rui Rocha parece-me pender para a lógica da eficácia eleitoral através da progressiva funcionalização do partido, a candidatura de Carla Rocha parece-me pender para a manutenção de uma matriz inicial do partido, de procura de pessoas e ideias políticas através de uma ligação mais aberta com a sociedade.

Não tenho muita base para fundamentar isto, mas é uma sensação com que fico.

Quando a Iniciativa Liberal lançou um concurso aberto para seleccionar umas dez pessoas para apoio ao seu grupo parlamentar, eu concorri, cheguei a uma fase de entrevista (acho que tiveram curiosidade em perceber por que raio um velho, com uma carreira profissional completamenta alheia à política, estava a concorrer a um lugar que tipicamente é preenchido por jotinhas e outros desirmanados da política) e até expliquei que estava a fechar a selecção para um lugar de chefe de departamento no sítio onde trabalhava, que eu tinha fortes probabilidades de ganhar (como ganhei, embora depois de ganhar tenha decidido não ocupar o lugar).

Uma das principais razões que me levavam a concorrer era mesmo sentir uma certa funcionalização da acção política da IL, que me parecia prejudicial, e portanto dar-lhes a oportunidade de escolher pessoas que não se reviam nessa lógica de funcionalização, acentuando mesmo que o meu contributo principal seria fazer pontes para terceiros, fora do partido, nas matérias para as quais tenho alguma competência.

Nada me move contra a profissionalização na política, mas políticos profissionais são os que concorrem a lugares políticos, o que jogam o seu futuro na roleta da política, não são os que vão pacientemente tecendo teias de influência na sombra dos partidos, nunca arriscando, para estar no lugar e tempo certo para serem nomeados para uma coisa qualquer que achem vantajosa.

Pode haver, como Mariana Vieira da Silva, pessoas com qualidade - pelo menos nunca ouvi ninguém dizer que não é uma mulher inteligente e trabalhadora - nesse grupo de funcionários que, com o tempo, até podem passar para o grupo dos políticos profissionais, depois de uma vida inteira na bolha social partidária, começando cedo nos gabinetes e afins, e continuando assim até à oportunidade de dar o salto de funcionário partidário para político.

Este é hoje o cenário esmagadoramente dominante no Partido Socialista, e dominante na generalidade dos outros partidos (ou, por exemplo, das associações ambientalistas, que conheço bem).

É inevitável que o mundo de Mariana Vieira da Silva seja o de quem nunca teve os problemas normais da generalidade das pessoas comuns, daquelas que não têm uns pais que pertencem às elites partidárias e sociais, que não têm a facilidade de uma extensa rede de contactos e por aí fora.

O que seria bom que uma pessoa com este percurso de vida fizesse, quando forma um gabinete?

Que tivesse consciência da sua condição e privilégio, que tivesse consciência de que isso condiciona a forma como se olha para as opções de política que tem de fazer, procurando limitar os problemas associados contratando pessoas de outros mundos e outras vidas, para que na diversidade do seu gabinete houvesse capacidade crítica suficiente para avaliar o que se vai fazendo.

Ao escolher quem escolheu, por adequação do perfil à tarefa pretendida - como bem nota Alexandre Homem Cristo, se aquele é o perfil adequado à tarefa, é porque se espera muito pouco da tarefa - Mariana Vieira da Silva demonstra que o contexto em que aplica a sua inteligência e capacidade de trabalho é um contexto miserável, em que a ambição não passa da intendência e mercearia partidária, intermediada pelo Estado, com dinheiro dos contribuintes.

Se dúvidas houvesse, António Costa fez a demonstração, ao escolher para seu secretário de estado adjunto Miguel Alves: o país não passa do cenário em que se movem os actores num palco e as pessoas comuns não passam de espectadores sem direito a intervir na peça que está em execução.

A acção central do governo consiste em arranjar quem pague a peça e o ordenado dos actores, visto que os espectadores têm vindo a perder a vontade de pagar pelo bilhete, tudo o resto, a qualidade da peça, a vida dos espectadores e esses pormenores não passam disso mesmo: pormenores.


5 comentários

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De Anónimo a 11.11.2022 às 09:10

com este ps nunca seremos um país civilizado, democrático, criador de riqueza
lema 'ódio aos ricos e à riqueza' 
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De balio a 11.11.2022 às 11:53


a divergência das duas candidaturas na Iniciativa Liberal


Acha que há alguma divergência?


A minha suspeita é que não há. O que há é somente uma vontade, da parte de ambas as candidaturas, de estar no topo. Ou seja, há um desejo de protagonismo e de poder. O que, no fundo, é normal em quem faz política.


Nas últimas eleições para o Conselho Nacional da IL houve três listas. Eu li com algum cuidado a propaganda de todas elas e confesso que não percebi diferenças políticas entre elas. A minha suspeita é que também não perceberei diferenças entre as candidaturas de Carla Castro e Rui Rocha. Se calhar sou eu que tenho pouca sensibilidade...
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De Anónimo a 11.11.2022 às 17:57

A IL é um partido como outro qualquer quando atinge determinado protagonismo. Funcionalizou-se completamente. A mim não me enganam mais. 
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De s o s a 12.11.2022 às 20:19

esprimido o post,  é nada. 


Um texto enorme para nao nos dizer :  no  pais y os funcionarios sao clonados da ovelha nao sei quantas e o sistema funciona plenamente...


sugiro que leia os titulos dos jornais, de sempre, e constatará que o problema sao os espetadores e a impunidade que o sistema (mundial) lhes garante. 

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