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Foice em seara alheia

por henrique pereira dos santos, em 19.11.23

José Meirelles Graça, de quem gosto e cujas opiniões acho estimulantes, resolveu ontem fazer um post a dizer que eu ando a dizer asneiras sobre a actuação do Ministério Público.

Devo dizer em primeiro lugar que só não diz asneiras quem está calado.

No meu caso, como escrevo muito, naturalmente direi muitas asneiras e, no caso em apreço, é ainda mais provável que diga asneiras porque não percebo nada sobre investigação criminal e pouco percebo de sistemas de justiça.

O único problema, até agora, é que não fiz qualquer apreciação da actuação do Ministério Público nos posts que fiz sobre o assunto do momento.

O que tenho dito é que me preocupa mais que seja normal um autarca ser pressionado com a perda de apoio do seu partido em futuras eleições se não tomar determinada decisão, que o Ministério Público fazer asneiras ao investigar a que propósito alguém ameaça terceiros para obter uma determinada decisão desse autarca e, por ser responsabilizado por essas asneiras, ter medo de investigar coisas dessas.

As asneiras do Ministério Público têm implicações indesejáveis na vida de terceiros?

Sim, têm, e por isso será bem arranjar regras melhores que existem, ter procuradores melhores, ter investigadores melhores, ter mecanismos de defesa das pessoas em relação aos abusos melhores, etc., mas estou velho para esperar por mecanismos perfeitos de funcionamento das sociedades, o facto é que o senhor autarca não tem nada que andar com telefonemas manhosos, faz reuniões formais (como prevê o código do procedimento administrativo), regista essas reuniões em acta (como prevê o código do procedimento administrativo) e fundamenta as suas decisões de tal forma que as suas razões sejam conhecidas e claras e não ininteligeveis ou obscuras (como prevê o código do procedimento administrativo).

O Ministério Público só acaba a entrar nesta história como os fusíveis entram na história da electricidade: quando são precisos é porque alguma coisa está mal na instalação e mais vale que cumpram a sua função para evitar danos maiores, mesmo que o corte de energia provoque também problemas.

O facto de António Costa ter resolvido demitir-se (uma decisão sua, não do Ministério Público, Sócrates foi investigado dezenas de vezes sem que isso o tenha impedido de fazer uma grande carreira política, e não foi o único), de Galamba ter a sua carreira política comprometida, etc., não é o efeito da investigação do Ministério Público mas sim o resultado de actuações que foram admiravelmente explicadas por António Costa a partir de São Bento: o Governo tem de ter liberdade para interferir em processos concretos, de forma opaca, mal explicada e não registada formalmente, quando entenda estar em causa o interesse público e é assim que deve ser.

António Costa acha normal actuações que há quem considere tipificadas no crime de tráfico de influências.

Não se pode pedir ao sistema judicial que resolva esta diferença de opiniões (em algumas circunstâncias caberá aos tribunais decidir, mas é quando tudo o resto já falhou), é ao poder executivo que cabe definir procedimentos que garantam o maior acordo possível na correcção da forma como são tomadas decisões, como escrevia ontem Pedro Bazaliza no seu artigo "O menino António": "António tem uma visão familiar e muito antiquada das organizações. Confunde informalidade com eficiência, o que, aliás, é cultural. Sem cobrar nada, informo que levantamento de processos, sua implementação e afinação é condição necessária para organizações eficientes. A boa nova para este e outros Antónios mais assustados é que ainda assim existe espaço para a informalidade. Mas, lá está, é para ser aplicada na exceção. A tal opacidade de que António se queixa resulta da falta de processos eficientes e do excesso de informalidade. Para mais informações é favor contactar muitas consultoras que existem por aí. Acreditem Antónios, a modernidade não é uma impossibilidade".

Investigar em segredo é um bom princípio, mas como se fazem buscas em segredo?

Por isso a questão das prisões preventivas e dos eventuais excessos do Ministério Público não podem ser misturadas como a questão da liberdade do Ministério Público investigar o que lhe parece ter relevância criminal, como tem tentado fazer António Costa.

Arrisco-me a dizer que essa confusão, fora os bem intencionados (que são uma minoria) não se prendem com a preocupação em relação aos direitos dos indivíduos, mas sim com a necessidade de pôr ordem no Ministério Público, um eufemismo evidente para designar o que verdadeiramente se pretende: sobrepôr o poder executivo ao poder judicial.


19 comentários

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De balio a 19.11.2023 às 09:52

Naturalmente que não se fazem buscas a empresas em segredo, mas as buscas a residências particulares podem ser feitas em segredo.
De qualquer forma, fazer buscas não é nada de grave. Pôr uma pessoa na prisão, é.
As investigações devem ser feitas sem atropelar os direitos dos inquiridos, em particular o direito à liberdade.
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De O apartidário a 19.11.2023 às 10:04

Sejamos francos, o MP limitou-se a cumprir o seu dever, ou seja, tendo tido conhecimento de indícios da prática de crimes, abriu os respectivos inquéritos, de acordo com o princípio da legalidade a que está sujeito.

Se esta atingiu em cheio o coração do governo, o primeiro responsável pelo sucedido é, naturalmente, António Costa, que, desta vez, certamente por não ter tido escapatória possível, fez o que lhe competia: demitiu-se.

O núcleo duro de Costa, homens por si escolhidos e alguns já com antecedentes obscuros, está objectivamente comprometido em negociatas à margem das leis do País, daí concluir-se que o governo não foi derrubado por ninguém, mas sim, implodiu.
O polvo socialista treme, mas não vai baixar os braços.
As recentes declarações da segunda figura do Estado, numa descarada intromissão na esfera judicial, a exemplo, aliás, do que o próprio Costa fizera, são disso exemplo.

Os próximos tempos vão ser conturbados!
https://sol.sapo.pt/2023/11/17/a-reaccao-do-polvo-socialista/
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De anónimo a 19.11.2023 às 10:13


Sim, mas pelos vistos sobrepôr o poder Executivo ao poder Judicial não é tarefa fácil. 
Não foi fácil aquando a redação da actual Constituição (existem opções diversas e todas "constitucionais"). 
Não foi fácil ao Legislar a gosto de todos, o detalhe. E não é fácil e sua implementação quotidiana.


Curioso é que aqui, em Portugal, um Executivo -nomeadamente um governo com uma "maioria absoluta"!- seja alvo de tão decisiva acção judicial do "seu" Judicial. Teremos atingido a tão desejada perfeição na dificílima arte que é a separação de poderes do Estado?. À justiça o que é da Justiça....
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De urinator a 19.11.2023 às 10:24

L'arte dell'inganno dimostra quanto siamo vulnerabili, tutti, governo, imprese e ciascuno di noi individualmente, alle intrusioni degli ingegneri sociali. In questa epoca attenta alla sicurezza, investiamo enormi somme in strumenti pensati per proteggere le nostre reti informatiche e i nostri dati. 

Kevin Mitnick

isto numa sociedade civilizada, o que não é o caso, onde os dirigentes do ps se apropriaram dos organismos do estado decrépito e de economia turística. vivóo
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De Anónimo a 19.11.2023 às 11:44


Para se tentar perceber o motivo do seu pedido de demissão é preciso regressar àquela manhã e ao contexto preciso que o levou a admitir não ter condições para continuar no cargo.
Há dois pontos essenciais a ter em conta: naquele dia, António Costa desconhecia em absoluto o que o MP tinha apurado:


--  sobre si próprio, quais as suspeitas, que acusação pendia, o que tinha sido descoberto sobre si. Também desconhecia o que tinha sido apurado e investigado sobre os seus colaboradores próximos, Ministros e ex-Ministros (Escaria, Lacerda Machado, Galamba, etc.etc.etc.);
 -- da mesma forma também não sabia qual o âmbito das investigações e sobretudo não sabia em que fase as mesmas se encontravam.


Façamos um exercício de tentar "to put yourself in other shoes". E veja-se o que lhe terá passado pela cabeça imediatamente, em fracções de segundos __  sublinhe-se que não tinha ainda qualquer informação concreta sobre a área de investigação do MP.  Tenho a convicção que se lhe afigurou uma certeza absoluta e  inequívoca: ou eram matérias relacionadas com os negócios do Lítio, ou do hidrogénio verde, ou sobre o Data Center de Sines. E, como desconhecia em que fase se encontravam as investigações, deduziu que eventualmente podiam estar avançadas e, portanto,  na iminência  de serem revelados ao país inteiro, factos relacionados com os "negócios" do seu governo que o envolviam a si e aos seus "colaboradores"__ o que explicaria que a manutenção do Galamba no governo era indispensável e não uma "mera" teimosia... 

Perante a gravidade daquilo a que o país ia assistia nessa manhã, António Costa, por uma vez não foi o "optimista irritante" e num clarão de lucidez terá percebido que estava prestes a abater-se uma hecatombe sobre o seu governo. 
E havia uma coisa clara para A.C. ele fora escutado. Entrou em pânico? O que escutaram? (terá pensado?)
Demitiu-se por má consciência? Sentimento de culpa? Auto-censura? Foi uma decisão exclusivamente sua e só ele saberá porquê. Afinal foi o próprio que disse não ter condições para continuar.   
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De Anónimo a 19.11.2023 às 13:31

Só depois A.Costa se apercebeu de que a sua decisão tinha sido precipitada.  "Que alívio!" deve ter pensado_  afinal ainda era incipiente a investigação e... pouco sustentada pelo que se sabe e...com lapsos... o que vem mesmo a calhar para descredibilizar o MP. 
 Mas, azar... já não podia voltar atrás na sua demissão ... Entretanto, já recuperado do susto e já mais seguro de estar a salvo, dispara em todas as direcções, na tentativa de arranjar bodes expiatórios.   
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De Anónimo a 19.11.2023 às 13:41

... e fá-lo com mestria. O "talentoso Sr.Costa" porque a força de uma   "personagem absolutamente amoral é não tem limites"  _ como diz A.A. Amaral
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De anónimo a 20.11.2023 às 07:17


Diálogos fictícios ou diferência entre habilidades, as rústicas e as refinadas.
Sujeito A. - ... se não acredita no que digo demita-me.
Sujeito B. -  Está bem, considere-se demitido.
Na máquina política, laica, republicana -criada pelos alemães e cá via Mário Soares- os Sec. Gerais, do PS, têm (só) a força que essa estrutura política lhes, temporariamente, confere ... enquanto reinam. Recentemente o drama pessoal do ex-Sec. G. Sócrates, e agora o de Costa, espelham esse facto: o poder que tanto gostam e exibem, é emprestado e a prazo. Não é seu.

Nas repúblicas a cena é triste. O candidato que se segue ainda não foi ungido e ao Rei, deposto, só resta estrebuchar. 
Podia ao menos evitar-se esse triste espetáculo, republicano. 
Nisso as monarquias são bem mais escorreitas. "The King is dead, long live the King.
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De Anónimo a 19.11.2023 às 15:12

Mas podem fazer buscas sem presença da CS... podiam.
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De Marques Aarão a 19.11.2023 às 16:54

"Mais do que normal": "A senhora procuradora pode pedir que os serviços do DCIAP ou da PGR lhe preparem um comunicado e pode revê-lo, alterá-lo ou escrevê-lo de novo com o seu próprio estilo"

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De Anónimo a 19.11.2023 às 17:05

A escumalha do Ministério Público, instituição que chega a defender assassinos neonazis cadastrados, devia ir toda para o desemprego.
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De Bilder a 19.11.2023 às 18:21

Gosta mais do MP da China ou da Coreia do Norte não é? 
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De Anónimo a 20.11.2023 às 11:54

São as únicas opções?
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De Anónimo a 19.11.2023 às 19:02

O poder judicial não deve ser subjugado ao executivo, mas o oposto também não é aceitável. 
Rui Rio estava disponível para um entendimento na Justiça, Costa preferiu o enxovalho de um possível parceiro, mostra bem as suas prioridades governativas.
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De balio a 20.11.2023 às 11:48


pôr ordem no Ministério Público, um eufemismo evidente para designar o que verdadeiramente se pretende: sobrepôr o poder executivo ao poder judicial



O Henrique está a confundir as coisas: o Ministério Público não faz parte do poder judicial.


Num processo, o Ministério Público é a acusação. Ou seja, é parcial - tal como a defesa, representada pelos advogados de defesa, o é.


O poder judicial é titulado pelo juiz, o qual é suposto ser imparcial e, naturalmente, não pode ser tutelado pelo poder executivo.


O Ministério Público, muito pelo contrário, deve ser tutelado pelo poder executivo (e, indiretamente, pelo legislativo, o qual controla o executivo).

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