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Fogos, eucaliptos e vacas sagradas

por henrique pereira dos santos, em 20.01.17

Para quem não tenha dado por isso, arderam 800 hectares, em fogos de mais de 30 hectares, em Novembro. Em Dezembro/ Janeiro, mais 1700 hectares. Ou seja, tendo em atenção o desfasamento conhecido entre estas medidas de satélite e a realidade, Paulo Fernandes estima que, grosseiramente, se poderá falar de cerca de três mil hectares ardidos desde 1 de Novembro até hoje.

E continuará a arder enquanto se mantiverem estas condições meteorológicas, excelentes para fogos de Inverno. Ainda recentemente, em Espanha, estava a arder, há quase uma semana, numa zona em que as temperaturas estavam seis graus abaixo de zero.

Como comentava o Laboratório de Fogos Florestais da UTAD, confirma-se que as baixas humidades podem anular o efeito das baixas temperaturas na propensão para arder, não sendo a inversa verdadeira: por mais alta que seja a temperatura, não arde grande coisa com humidades altas.

Como um destes fogos foi às portas de Vila Real, logo alguém filmou e deu origem a umas notícias de jornal e comentários inflamados nas redes sociais, por parte de quem acha um drama arderem 300, 400 ou 500 hectares de mato nas actuais circunstâncias.

Tentei explicar que a notícia destes fogos era excelente, a única parte negativa é a mania de se porem bombeiros a apagar estes fogos, em vez de simplesmente os acompanhar e conduzir, para eliminar a probabilidade, aliás baixa, de haver perdas económicas (nestas circunstâncias não há grande probabilidade de haver perdas sociais e não há perdas ambientais).

Rapidamente me estavam a chamar nomes, a ironizar sobre o que eu sabia sobre o assunto, a fazer ataques de carácter, etc..

E, inevitavelmente, a falar de eucaliptos (a arder no cimo de Montemuro e do Alvão, áreas de pastagens pobres sem aptidão para eucaliptos e os pobres de espírito a repetir mantras sobre eucaliptos e fogos, como quem reza a Santa Bárbara de cada vez que troveja).

Eu já fui um feroz opositor da plantação e da expansão do eucalipto, mas fui lendo, fui falando com quem estuda o assunto e fui verificando que grande parte do que eu julgava saber sobre o assunto não se confirmava em lado nenhum. Continuo a não gostar de eucaliptos, mas escrevo livros que  gosto que sejam lidos em papel.

Mais que isso, comecei a notar que os mais destacados militantes anti-eucalipto nunca tinham trabalhado sobre o assunto, tinham áreas de conhecimento, no máximo, próximas, mas mesmo quando eram investigadores o facto é que nunca tinham investigado nada sobre o assunto. Podiam ser, por exemplo, eminentes especialistas de solos, explicavam que sabiam muito de solos (quem diz solos pode dizer alterações climáticas, lobos, paisagem, enfim, o que se queira), usavam as suas credenciais académicas como argumento de autoridade mas, por acaso, nunca tinham mesmo estudado o assunto e os dados empíricos que usavam raramente eram abrangentes, normalmente eram sobre um pequeno factor (por exemplo, os óleos presentes nos tecidos dos eucaliptos são muito inflamáveis) para fazer generalizações e tirar conclusões totalmente abusivas. E a quantidade de asneiras por parágrafo atingia números exorbitantes sem que isso afectasse minimimente a credibilidade desses vendedores de banha da cobra.

Nada disto seria muito importante se a larga maioria dos que de facto estudam o assunto não fosse ostracizada no debate público.

Quer nos fogos, quer nos eucaliptos (mas poderia ser com o glifosato) há uma regra simples: para se ser ouvido é preciso dizer-se o que é permitido, argumentar que todos os que dizem o contrário estão vendidos aos interesses e que o mundo acaba já amanhã se não se parar a destruição a que se assiste e todos podemos ver facilmente.

Por acaso até sou presidente de uma associação de conservação da natureza, até faço trabalho concreto em matéria de conservação, até escrevo contra o mau uso de dinheiros públicos no apoio à produção (incluindo de eucalipto) em vez do pagamento dos serviços de ecossistema, mas nada do que eu faça tem a menor importância a partir do momento em que me recuso a entrar na histeria, não fundamentada, quando não mesmo errada, sobre os fogos, sobre a produção de eucalipto, sobre o glifosato e outros símbolos de pureza a que é preciso prestar vassalagem se se quiser ser considerado um bom ambientalista.

O que me parece perigoso nisto tudo não é a pequena minoria radical, muito vocal, que vocifera contra toda a heterodoxia, isso é da natureza das coisas e os sectários tendem a ser polícias do pensamento dos outros. E quanto menos importância têm, mais cultivam a pureza da linha justa e mais sectários são (o verdadeiro caso de estudo na matéria são os trotskistas clássicos).

O que é perigoso, e não se verificava de forma tão evidente há uns anos atrás, é o silêncio da grande maioria dos sabem, que pode ser voluntário (como eu os percebo, realmente há mais para fazer na vida que aturar parvos radicais e radicais parvos que não têm qualquer pejo em reduzir toda a argumentação a acusações de corrupção) mas é também, e muito, um bloqueio real que os jornalistas fazem a quem não pensar da forma certa.

E no fim queixam-se todos dos populismos que vamos alimentando com a condescendência social para com os ignorantes atrevidos a quem damos o direito de definir o que está certo e errado, não porque não saibamos que estão errados, mas porque não queremos lidar com a sua evidente agressividade e intolerância e não queremos acabar a ser acusados de corruptos, de estar ao serviço dos interesses, de ser pagos pelos malandros a quem só interessa o lucro.

Por mim, tolerância zero para o obscurantismo que me prentender impôr um pensamento único seja em que matéria for: o direito à asneira é sagrado e eu não tenho a menor intenção de abdicar desse direito só porque há uns tontos a quem as acusações saem mais facilmente que os argumentos.

Ide ver se está a chover.


14 comentários

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De Renato a 21.01.2017 às 10:24

Henrique, eu tenho como regra nunca chamar idiotas ou vendedores de banha da cobra a quem estuda de forma profissional assuntos de que sou apenas amador, ainda que amador dedicado. O que verifico é que, neste caso, há opiniões diversas. O Professor Jorge Paiva, por exemplo, é contra a proliferação dos eucaliptos e talvez preferisse, já agora, que lhe chamasse vendedor de banha da cobra na cara. Ou, pelo menos, colocar-lhe aqui o nome e dos outros. 
Um dos que discorda do professor Jorge Paiva, ainda que noutros termos, é o professor Paulo Fernandes, que não deixa, ainda assim, de dizer isto:

http://rr.sapo.pt/noticia/64536/vidoeiros_carvalhos_e_castanheiros_as_arvores_bombeiras_que_podem_travar_fogos

Isto tudo para dizer que se calhar afinal o Henrique tem ainda muito a aprender sobre eucaliptos e espécies vegetais em geral e talvez fosse aconselhável, por isso, menos soberba. Eu acho que pode aproveitar para protestar junto do professor Paulo Fernandes contra essa coisa da florestação com "árvores bombeiras", com que não se faz um papel de jornal decente e ainda por cima atrasa as rotativas ;

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De henrique pereira dos santos a 21.01.2017 às 14:23


Jorge Paiva (e pode acrescentar Ribeiro Telles e muitos outros) tem opiniões muito fortes sobre eucaliptos (ou sobre pastoreio, ou sobre evolução recente da paisagem rural) mas não tem um único trabalho científico sobre estes assuntos (suponho, mas não posso garantir, que o trabalho que esteve a fazer em Moçambique para plantações de eucaliptos foram trabalhos de inventariação botânica, que é aquilo em que Jorge Paiva é realmente bom).
Já lho disse pessoalmente, em especial quando os dois apanhávamos o alfa das seis da manhã, pedi-lhe para identificar os erros do meu primeiro livro (que lhe dei e sei que leu) mas escusou-se a concretizar.
Jorge Paiva é um excelente comunicador, um bom sistemata, um bom botânico, mas nunca produziu trabalho científico relevante como ecólogo, que nunca foi.
Quanto aos viduais, em algumas circunstâncias, promoverem a auto-extinção do fogo, não vejo o que tenha com o post.
É pena que os jornalistas que escreveram essas parvoíces sobre um pequeno comentário que Paulo Fernandes fez no facebook (como ele disse, trinta anos de investigação e torna-se instantaneamente famoso com uma curiosidade irrelevante) não tenham querido acompanhar o nosso último passeio do fogo, por áreas ardidas, que o Paulo acompanhou e onde até houve um vidual em que discutimos as circunstâncias em que se favorece essa auto-extinção do fogo.
Um bom exemplo que como se distorce o debate público.
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De Renato a 21.01.2017 às 15:00


Eu não citei parvoíces de jornalistas, mas um link da RR, sobre declarações do próprio Paulo Fernandes. Pelo que me está a dizer, não foi ouvido pela rádio; parece que lhe tiraram isso do facebook. Mas, das duas uma, ou o citaram mal, ou citaram bem. Se citaram mal, o próprio Paulo Fernandes já terá protestado veementemente. É perguntar-lhe. Mas o Henrique, curiosamente, não diz que são declarações falsificadas, mas que são irrelevantes, terá dito o próprio  professor Paulo Fernandes. Se é como diz, fico também a saber que é irrelevante dizer-se que "Os vidoeiros, carvalhos e castanheiros são umas das principais “árvores bombeiras”, porque são folhosas e mantêm o ambiente “relativamente” húmido, abrigado do vento durante o Verão"
Ou que “a aposta nestas árvores permitirá, a longo prazo, limitar o flagelo dos incêndios” Ou isto: “raríssimo encontrar um fogo cuja origem ocorra numa área com estas espécies e, quando acontece, as árvores mantêm-se verdes”. E é irrelevante dizer que "Para as zonas com “piores condições de solo”, se aconselha o uso do “sobreiro, espécie que, embora arda com maior facilidade, consegue recuperar”? E que “No extremo, temos aquelas espécies que ardem muito bem, como por exemplo os eucaliptos e os pinheiros. A natureza da espécie impõe o fogo, e com a acumulação de biomassa há sempre um potencial risco”?
Se isto é irrelevante, convinha que o professor Paulo Fernandes (ou o Henrique por ele), nos elucidasse sobre quais as suas declarações que devem ser levadas a sério e quais as não devem ser levadas a sério. 
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De Anónimo a 21.01.2017 às 20:40

Renato, não percebi a relação entre as minhas declarações sobre árvores "bombeiras" e o post do Henrique. Para a próxima terei o cuidado de pôr água na fervura e informar que 36% de toda a área de carvalhal ardeu entre 1996 e 2014, ao nível do pinheiro bravo (35%) mas pior q o eucalipto (30%). Aliás se analisarmos isto como deve ser, com um índice de seleção pelo fogo, somente as acácias são mais preferidas pelo fogo que os carvalhos. Ou seja, em termos de comunicação terei q ter o cuidado de dizer que as árvores só são bombeiras em determinadas circunstâncias de estrutura e acumulação de combustível, e isto é válido para qualquer espécie. Sim, os eucaliptos tb podem ser árvores bombeiras.
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De Renato a 22.01.2017 às 10:34

É o Paulo Fernandes? O seu texto é sobre espécies mais ou menos adequadas, por causa dos fogos.  Portanto, a aposta nos vidoeiros, carvalhos e castanheiros permitiria, a longo prazo, limitar o flagelo dos incêndios, porque é raríssimo encontrar um fogo cuja origem ocorra numa área com estas espécies. Do outro lado estariam os eucaliptos e os pinheiros, cuja natureza impõe o fogo. 
Ora bem, é o Paulo Fernandes que, de acordo com a natureza de cada uma, aconselha quais as espécies melhores para evitar os fogos. Julgo não ser preciso um curso avançado de hermenêutica para perceber o que disse.
Eu estou aqui para aprender, se me quiser ensinar. Dependendo da sua resposta, se a quiser dar, terei outras perguntas. Por acaso, sou um pequeno proprietário agrícola, uns eucaliptais e um pinhalzinho. Apenas estou cansado da pesporrência agressiva de amadores que tratam os outros como imbecis. 
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De Lucas Galuxo a 22.01.2017 às 13:58

É raro encontrar um fogo cuja origem ocorra numa área de carvalhos, vidoeiros e castanheiros porque essa área é muito menor e porque se encontra em regiões  cujas condições de temperatura e humidade já conduzem a menor risco de incêndio. O eucalipto, a partir dos 2-3 anos de idade, se for evitada acumulação de matos sobre o solo, resiste aos incêndios (na maior parte dos casos, excepto num fogo de copa, com vento). A folha é combustível mas fica lá no alto e o incendio até pode ser benéfico, completando a limpeza do solo. Só na presença de grande acumulação de mato, o calor sobre o pé provocará danos severos sobre a árvore (que de qualquer modo regenera, não seca).

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