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O fogo e o pastoreio tinham, e ainda têm, muito má fama nos meios da conservação da natureza.
Essa má fama decorre da ideia de que, na ausência de perturbações humanas, os sistemas naturais evoluíriam para matas pristinas complexas em que a diversidade seria máxima por ser o apogeu da natureza, uma declinação da ideia muito humana de que existe um sentido da história, rumo ao paraíso.
Esta é a ideia base das políticas mais clássicas de conservação que associam perturbação a perda, e ausência de intervenção a melhoria do estado de conservação.
Só que esta ideia base tem vindo a ser destruída pela acumulação de conhecimento. Por isso fiquei muito espantado por uma ideia tão datada, errada e, na verdade, profundamente reaccionária, ter uma presença tão importante no Pacto Ecológico Europeu, ao ponto de se estabelecerem limites cegos para a percentagem da área da União Europeia que deve estar sob figuras legais de protecção (30%) e, muito mais grave, sem intervenção humana (10%).
Nos estados iniciais de evolução de um ecossistema, a acumulação de matéria orgânica (ou biomassa, ou qualquer das outras designações para designar a acumulação de tecidos orgânicos) é a regra (há umas excepções, como os desertos, nas situações em que as condições para a sobrevivência de plantas são especialmente hostis).
Essa acumulação não é eterna porque as plantas morrem (incluindo neste conceito a morte de partes das plantas sem morte do indivíduo) e, logo que pára a fotossíntese que fornece a energia para a construção e manutenção de cadeias químicas complexas que caracterizam grande parte dos organismos vivos que conhecemos, estas cadeias químicas começam a partir-se (na verdade é um processo contínuo que ocorre também ao longo da vida) e a decompor-se em cadeias mais simples, até chegarem aos elementos químicos base.
Estes conceitos base do ciclo da vida são do mais consensual que se encontra na discussão sobre a evolução dos sistemas naturais (deixemos de lado a imensa complexidade que estou a simplificar).
O que acontece com o consumo de plantas pelos animais é a redução do tempo que vai de haver uma folha viva a haver uma folha decomposta nos seus elementos químicos base. O sistema digestor dos animais tem a função de degradar alimentos com cadeias químicas complexas e fortes em componentes mais simples que possam ser usadas nas funções dos diferentes orgãos dos animais, quer na disponibilização de energia, quer na construção de outras cadeias químicas complexas para as quais os elementos químicos base são necessários.
O fogo tem exactamente o mesmo papel ecológico, apenas com a diferença de ser um processo muito mais rápido.
Na feliz síntese de Carlos Aguiar (citando de memória, espero não estar a trair o seu pensamento), o consumo de plantas pelos animais corresponde a um processo mais lento de decomposição da biomassa e o fogo corresponde a um processo explosivo, mas no essencial o papel ecológico é o mesmo: decompor os tecidos orgânicos em elementos químicos simples que vão alimentar a fertilidade do solo, a base para a produção de novas plantas.
Não compreender que sempre que a taxa de acumulação de matéria orgânica num local é maior que a taxa de decomposição, o fogo acaba por ser um elemento inevitável de reposição de equilíbrios ecológicos, impede-nos de compreender quer o papel ecológico do fogo, quer a forma como podemos manipular os sistemas para termos padrões de fogo socialmente mais úteis que os que temos actualmente: acelerar a taxa de decomposição da matéria orgânica usando processos menos explosivos e mais controláveis.
Pelo contrário, compreender estes processos, para além de pôr em evidência o papel dos animais nessa gestão, conduzir-nos-á, forçosamente, à utilização de mais fogo, em circunstâncias que limitem a sua capacidade "explosiva", para evitar padrões de fogo socialmente pouco interessantes, como aquele cujos resultados aparecem nos anos em que os astros se alinham para produzir condições meteorológicas extremas (o que está longe de estar a acontecer, para já, este ano).
Retirantes: muito antes do aquecimento global- 1938
NA PLANÍCIE avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos
juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala. Arrastaram-se para lá, devagar, Sinha Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a
tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho
pôs-se a chorar, sentou-se no chão. - Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. Não obtendo resultado, fustigouo com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.
Vidas Secas de Graciliano Ramos
Os muçulmanos deviam ser julgados pela desflorestação do Saará e da Arábia
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Não vou repetir um comentário que já fiz noutro po...
Exactamente. E depois temos isto:https://sicnotici...
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