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Flor de estufa

por henrique pereira dos santos, em 29.03.24

A AD informa todos os grupos parlamentares que tenciona seguir as práticas institucionais anteriores ao seu abandono por António Costa, isto é, interpretar a constituição de maneira racional: os lugares da Mesa da Assembleia da República seriam distribuídos de acordo com a representação de cada grupo parlamentar, que indicariam os nomes para os ocupar.

Note-se que as regras do regimento da Assembleia da República para materializar o que é a letra da constituição - "Eleger por maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções o seu Presidente e os demais membros da Mesa, sendo os quatro Vice-Presidentes eleitos sob proposta dos quatro maiores grupos parlamentares" - são más, ao introduzirem um mecanismo que permite que as maiorias conjunturais boicotem, ad aeternum, a indicação dos partidos que a constituição manda respeitar ("4 - É eleito Presidente da Assembleia da República o candidato que obtiver a maioria absoluta dos votos dos Deputados em efetividade de funções. 5 - Se nenhum dos candidatos obtiver esse número de votos, procede-se imediatamente a segundo sufrágio, ao qual concorrem apenas os dois candidatos mais votados que não tenham retirado a candidatura. 6 - Se nenhum candidato for eleito, é reaberto o processo.").

Como as regras para a eleição da mesa são semelhantes - "1 - Os Vice-Presidentes, Secretários e Vice-Secretários da Assembleia da República são eleitos por sufrágio de lista completa e nominativa. 2 - Cada um dos quatro maiores grupos parlamentares propõe um Vice-Presidente e, tendo um décimo ou mais do número de Deputados, pelo menos um Secretário e um Vice-Secretário. 3 - Consideram-se eleitos os candidatos que obtiverem a maioria absoluta dos votos dos Deputados em efetividade de funções. 4 - Se algum dos candidatos não tiver sido eleito, procede-se de imediato, na mesma reunião, a novo sufrágio para o lugar por ele ocupado na lista, até se verificar o disposto no número seguinte. 5 - Eleitos o Presidente e metade dos restantes membros da Mesa, considera-se atingido o quórum necessário ao seu funcionamento." - na prática, onde a Constituição pretendia garantir a pluralidade e representatividade, as regras de materialização permitem que maiorias conjunturais impeçam essa pluralidade e representatividade, dando origem a situações como as da legislatura anterior, em que vários lugares ficaram vagos por imposição da maioria de esquerda, ou a situação actual em que há um acordo de rotatividade que o regulamento não prevê (o Presidente da Mesa é eleito para a legislatura, só com a sua renúncia é que pode haver substituição, um típico esquema manhoso em que PS não só se especializou, mas em que tem orgulho).

Retomando o fio à meada, a AD decidiu repor a normalidade institucional que António Costa, por pura conveniência política conjuntural, tinha mandado às malvas.

O Chega resolveu fazer uma performance, anunciou que tinha um acordo com a AD (como vimos, tinha o Chega e tinha toda a gente, a AD ia repor a normalidade que o Chega tinha passado a legislatura toda a exigir em vão, nada mais que isso) e depois manda às malvas a normalidade institucional, juntando-se ao PS no seu desprezo pelas regras e instituições (e à esquerda em geral, mas os partidos anti-institucionalistas da esquerda da esquerda sempre foram contra a democracia burguesa e sempre se comportaram em conformidade), do que resulta um bloqueio que visava uma de duas coisas: 1) garantir o beija-mão de Montenegro a Ventura; 2) em alternativa, obrigar os partidos mais responsáveis a encontrar uma saída institucional, permitindo ao Chega apresentar-se como o partido que se mantém fora do sistema.

Se dúvidas houvesse, basta ouvir os vários dirigentes do Chega a dizer que teria bastado um telefonema para Ventura (Montenegro deveria ter dito "peço desculpa, houve um desentendimento, nem sempre consigo manter uma linha condutora, um fio condutor na Aliança Democrática, tenho vozes que não consigo controlar e Paulo Rangel teve uma declaração que não corresponde à linha orientadora do PSD ou Nuno Melo também teve um momento de deriva apenas e só do CDS e estava a situação esclarecida", explicou candidamente Rita Matias), absolutamente transparentes na identificação do problema: Montenegro teria de ir ao beija-mão de André Ventura, independentemente de esse beija-mão não ter qualquer utilidade prática para o que estava em causa - eleger a Mesa da Assembleia - como se demonstra pelo facto de tudo ter acabado exactamente como estava previsto.

Ou melhor, quase tudo, porque como Montenegro se recusou a ir ao beija-mão, teve de ir resolver o assunto de outra maneira, o que obrigou a uma concessão irrelevante para o PS não perder a face e o assunto poder ser desbloqueado, antes que o PS começasse a sentir os efeitos eleitorais do bloqueio institucional que não estava nos seus planos.

A questão de fundo parece-me muito simples, e pode-se ilustrar com uma hipótese absurda, mas que ajuda a tornar mais claro o que está em causa.

Imaginemos que a AD fazia então um acordo a sério com o Chega, entregando a Presidência da Assembleia durante dois anos ao Chega, com o compromisso de que daqui a dois anos a pessoa indicada pelo Chega renunciava ao mandato para permitir uma nova eleição, desta vez da AD (é esse o acordo com o PS, com a ordem dos partidos trocada).

Alguém no seu perfeito juízo pode garantir que o Chega cumpria o acordo e, depois de dois anos, não inventava uma desculpa qualquer para dizer que as regras não obrigam ninguém a renunciar ao cargo?

Este é o problema prático com o Chega e a flor de estufa que o lidera: um adulto que amua por falta da atenção a que se julga com direito não dá confiança a ninguém, impedindo acordos sérios seja de que tipo for.


45 comentários

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De tiro ao Alvo a 29.03.2024 às 14:43

Uma coisa que me impressionou, e que não vejo tenha sido tratada na CS: Como é que numa votação, por voto secreto, os nossos deputados, tanto do Chega, como do PS, tenham obedecido cegamente às orientações dos respectivos presidentes, votando contra, não por não aceitarem o candidato Aguiar Branco, mas por que o chefe mandou.

Não nos é dito que os deputados não se representam a si próprios, mas sim o povo? Não devem os deputados pensarem pelas suas cabeças e não pela cabeça do patrão? 

Uma coisa só coisa posso concluir: a maioria dos deputados não passa de um rebanho de acarneirados. Estarei a ser injusto? Talvez. Só espero é que coisas destas não se repitam. Mas, se calhar, vou ter de esperar sentado, porque “ninguém” quer uma reforma do sistema eleitoral que aproxime os eleitos dos eleitores, para que eu possa pedir contas ao meu deputado.

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De anónimo a 29.03.2024 às 17:54


Exacto. Esta é uma boa resposta à pergunta de HPdS. Não gostam do comportamento de um chefe de partido?. É verdade, pois votar em (chefes de) partidos dá nisto. 
Na verdade não é eleitor comum quem seleciona o chefe de um partido. Isso é uma responsabilidade interna dos partidos.

Mas o eleitor comum tem que ser ele a escolher um, uninominalmente, o seu deputado no/do seu círculo eleitoral, seja ele de que partido for, ou mesmo um independente. Actualmente minimaliza-se tudo ao ter que votar num partido. O eleitor reage à limitação, não admira a abstenção. E a distorcida resultante. A atribuição de poder político a um candidato tem que ser fruto de uma seleccão uninominal realizada directamente pelo eleitor.
 
Desrespeito óbvio, atitude anti-democrática para com os cidadãos eleitores vindo de quem, com poder mas sem a devida atitude cívica, mantém o actual sistema. De que lado está a virtude cívica?.

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