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No Domingo, 20 de Junho, Fernando Rosas tem duas páginas do Público, com destaque de primeira página, para contestar o que disse Nuno Palma na convenção do Movimento Europa e Liberdade, a saber, que a vulgata sobre o desastre económico do Estado Novo está errada e tem sido usada para desresponsabilizar o regime democrático pelos seus falhanços económicos e sociais.
Os pontos relevantes da contestação de Fernando Rosas são os seguintes, parece-me.
1) O relevante não é o que diz objectivamente Nuno Palma, mas o sub-texto essencial do que disse Nuno Palma, isto é, Fernando Rosas pretende deslocar a discussão do que disse Nuno Palma para o que Fernando Rosas acha que quis dizer Nuno Palma, mesmo não o tendo dito. É uma velha técnica retórica, aliás não apenas retórica, Sun Tzu, na Arte da Guerra, também dá muita ênfase à importância da escolha do terreno do combate para a vitória. Ou seja, Fernando Rosas não está interessado em discutir argumentos a partir de um chão comum racional mas apenas interessado em ganhar uma guerra;
2) Na substância, depois de algumas voltas e voltinhas retóricas, Fernando Rosas confirma, em absoluto, o primeiro argumento de Nuno Palma: "é certo que no pós-guerra, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 50 até ao início dos anos 70, a economia regista um crescimento sem precedentes" e implicitamente reconhece o fracasso económico do regime democrático "O certo é que este gigante oligárquico ... tinha pés de barro. Quando os trabalhadores reconquistaram a liberdade ... o modelo político-económico ... ruiu como um baralho de cartas, lançando o pesado lastro da sua insustentabilidade sobre a democracia portuguesa", o segundo pressuposto de Nuno Palma;
3) O texto é todo ele uma demonstração de como as elites do regime democrático, de que Fernando Rosas sempre fez parte, procuram alijar responsabilidades para cima do Estado Novo fazendo uma opção metodológica que é exactamente o que é contestado por Nuno Palma (pelo menos é essa a minha interpretação): a apresentação de números absolutos de caracterização da realidade do fim do Estado Novo, evitando a todo o custo o enquadramento e a compreensão do contexto, de modo a evitar a discussão das razões pelas quais a dinâmica numa alturas é de convergência e noutras é de divergência;
4) Quando se fazem comparações são fixas num tempo e com geografias escolhidas a dedo (aquilo a que agora se chama cherry picking), dando origem a coisas curiosas como esta, assinalada por João Cerejeira num curto comentário sobre este texto: "Não deixa de ser curiosa esta frase no texto de Fernando Rosas: "Com cerca de 29% de analfabetos em 1970, Portugal só era ultrapassado pela Turquia." Com referência aos dias de hoje, a mesma frase poderia ser escrita assim: "Com cerca de 45% da população adulta sem o ensino secundário em 2020, Portugal só é ultrapassado pela Turquia."", evitando cuidadosamente o "antes e depois" dos diferentes períodos de evolução económica social, condição sine qua non para se poder avaliar que factores estiveram a actuar nos melhores períodos e que factores estiveram a actuar nos piores períodos.
Em duas páginas de texto, Fernando Rosas usa muito mais adjectivos que factos e, mais uma vez, faz uma estranha defesa da ditadura ao pretender que o maior período de expansão económica e social do país nos últimos duzentos anos, que coincide com o maior período de convergência com as economias mais avançadas, é inseparável do regime político em que ocorreu.
A explicação alternativa a esta é a de que o esforço de consolidação da primeira fase do Estado Novo, conjugado com a abertura do país e da economia forçada pelo acordo da EFTA, são factores essenciais, o primeiro com maior ligação ao regime político, o segundo razoavelmente autónomo em relação ao regime, a partir do momento em que o acordo com a EFTA obrigou à abertura económica (parcial, é claro, mas muito relevante).
A discussão que interessa é esta, não a dos sub-textos de cada pessoa: os períodos de maior pujança económica do país estão ou não ligados à maior abertura externa e a modelos económicos mais liberais, e os períodos de maior estagnação estão ou não ligados ao sufoco do Estado sobre a economia, incluindo através de despesas excessivas de baixa eficiência económica?
Eu percebo que os donos do regime queiram evitar esta discussão à custa da pesada utilização de adjectivos e de slogans bem esgalhados como o do título do texto de Fernando Rosas "O milagre da economia sem política".
Prof. Associado na Univ. de Manchester
Catarina Silva
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