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Louis-Ferdinand Céline - o escritor maldito

por Daniel Santos Sousa, em 27.05.25

 

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Se precisasse de traçar o protótipo do "escrito maldito", com todo o romantismo necessário para edificar a grandeza poética dos amaldiçoados, então Céline ocuparia o Panteão supremo. Não sei descrever a influência que dele recebi quando descobri a tradução do "Viagem ao Fim da Noite". Lê-lo é mergulhar no mais obscuro da nossa identidade. Céline e Proust são a face oposta da mesma França, e diria da mesma Europa. Se Proust vagueou nos salões da aristocracia e edificou uma prosa sustentada nos prazeres mundanos, recheando cada imagem de brilhantes ritmos de poesia, Céline conduziu-nos ao mais recôndito dos becos, às ruas da classe operária, ao decadentismo do século que amargurava entre guerras, à mordaça da insatisfação que devora as almas corrompidas pelo sacrilégio do descontentamento.

Céline foi esse poeta que não cantou heróis magnânimos, nem romantizou as paixões burguesas, nem perdeu tempo com floreados para encantar as massas, mas antes o desconforto, a miséria, os vícios, a pobreza, o desalento. Não há outra tragédia que não seja errar por um mundo que parece ter perdido todo o sentido, qual promeneur solitaire arrancado de todas as grandiloquências do passado para a modorra do mundo moderno onde é reduzido a insecto, esmagado por uma civilização inconsequente.

A passagem política de Céline foi derradeira. Do lado errado da história, dirão muitos, no sentido que se posicionou do lado das forças derrotadas, como grande para da inteligência, Maurras, Brasillach, Rebatet, Drieu de la Rochelle. Tantos e tantos. A vida de Céline foi como o século XX - viveu perigosamente e radicalmente. Dançou com as forças que gravitavam na alvorada do novo mundo, protagonizando a superação da civilização burguesa, fosse o comunismo, o fascismo ou o nacional-socialismo. Como o século, viveu e sucumbiu nas intempéries que devastaram o velho mundo.

Infelizmente, para muitos, Céline continuou ( e continua) vivo. Uma silhueta que assombra os arautos do politicamente correcto dos nossos dias, daqueles que pretendem, uma linguagem lavada e polida, as novilínguas dos académicos das teorias críticas e outros dislates intelectuais. Face aos novos tiranos Céline, mesmo que não se concorde completamente com todas as suas posições políticas, continua mais livre, mais vibrante, mais irreverente do que nunca. E, se passadas décadas, ele ainda continua a assombrar, a chocar, a intimidar, é porque foi sem dúvida o maior dos escritores do século XX.


6 comentários

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De cela.e.sela a 27.05.2025 às 10:42

diálogo nos últimos anos de vida:
«- pode ir ver um doente?
-não posso deixar o meu cão sozinho
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De cela.e.sela a 27.05.2025 às 11:06

le choix de Sigmaringen
castelo da família da Rainha D. Estefânia onde existe a sala Portugal
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De Albino manuel a 27.05.2025 às 11:45

Ah sim? Céline? Li e gosto muito. Mas sei bem quem era. Colaboracionista do ocupante nazi que foi um gosto. Tanto que faz agora uns anos celebrou-se um centenário ou coisa que tal; ou melhor, não celebrou, a França evitou, tamanha era a vergonha do autor de Bagatelle pour un massacre.


Drieu de la Rochelle? O tal que gostava de homens e de nazis? Bem que bateram à porta do general de Gaulle para lhe salvarem o pelo. Em vão. Foi passado pelas armas. Não fosse traidor à França.
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De Anónimo a 28.05.2025 às 14:16


Colaboracionista do ocupante nazi que foi um gosto.


Tanto quanto entendo do artigo sobre Céline na wikipedia, não colaborou propriamente grande coisa com os nazis.


Basicamente, o que tinha em comum com eles era um antissemitismo radical e agressivo. Só isso (o que não é nada pouco).
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De Albino manuel a 29.05.2025 às 10:19

Colaborador activo e delator. É só procurar arrigos em francês. Neste caso de Targieff e do Figaro. Depois da guerra andou fugido durante anos num buraco na Dinamarca. Et pour cause.
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De Octávio dos Santos a 27.05.2025 às 18:45

«(Céline) foi sem dúvida o maior dos escritores do século XX.»


Não, não foi o maior. Mas foi sem dúvida um dos mais marcantes.

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