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Pela sua relevância parece-me que esta nota do Laboratório de Fogos Florestais da UTAD não deve ficar encerrada num círculo restrito de interessados no assunto, em especial depois ´de haver responsáveis que dizem que "nada falhou" este ano na gestão do fogo.
Não é que tenha falhado alguma coisa, dentro da doutrina que existe, o problema é mesmo uma doutrina que tem estes resultados quando nada falha.
Talvez seja a altura de haver um sistema de auditoria autónoma e independente para avaliação do desempenho do país em matéria de gestão de fogo, como existe para outros problemas complexos: em lado nenhum do mundo se evolui grande coisa quando os avaliadores e os avaliados são os mesmos.
"Não é de ânimo leve que se afirma que a capacidade de combater grandes incêndios em Portugal é reduzida. O suporte científico para a afirmação anterior tem na verdade vindo a aumentar nos últimos anos. Essas evidências são de seguida apresentadas objectivamente, com referência às respectivas publicações.
1. Estatísticas comparativas entre países do Mediterrâneo
A simples comparação das estatísticas nacionais é indicativa dos problemas associados a Portugal. A percentagem de fogos que progressivamente excede uma determinada classe de tamanho, assim como a respectiva dimensão e a % de área ardida associada a esses fogos é, ou tende a ser, mais elevada em Portugal em comparação com Espanha, França e Itália. Note-se contudo que esta análise não é conclusiva, devido às diferenças existentes entre países (e também à variação regional em cada país) na densidade de ignições, topografia, meteorologia/clima e vegetação.
Referência:
Mateus, P., Fernandes, P.M. 2014. Forest fires in Portugal: dynamics, causes and policies. Chapter 4, Pp. 97-115 In Reboredo, F. (Ed.), Forest Context and Policies in Portugal, Present and Future Challenges. Series: World Forests Vol. 19. Springer.
2. Comparação das tendências temporais entre países do Mediterrâneo
A análise da tendência temporal permite apreciar o efeito, ou falta dele, das políticas nacionais de gestão do fogo. Há no entanto uma limitação implícita neste tipo de análise: outros efeitos, nomeadamente alterações climáticas, podem “confundir” os resultados, pelo que devem/deveriam ser neutralizados no processo da análise estatística.
Vários estudos (não referidos, excepto para o caso nacional) têm vindo a ser efectuados em vários países do sul da Europa que descrevem a evolução temporal da área ardida. Todos eles concluem pela redução da área ardida a partir da década de 90, excepto no caso de Portugal (um estudo à escala municipal que apenas indica decréscimo em parte da região Centro). É no entanto mais significativa idêntica conclusão obtida por um estudo global (indicado a seguir), uma vez que aplicou a mesma metodologia a todos os países e regiões.
Referências:
Fernandes et al. (2014). The dynamics and drivers of fuel and fire in the Portuguese public forest. Journal of Environmental Management.
Nunes et al. (2016). Exploring spatial patterns and drivers of forest fires in Portugal (1980–2014). Science of the Total Environment.
Turco et al. (2016). Decreasing fires in Mediterranean Europe. PLoS one.
3. Efeito da quantidade de meios de combate em grandes incêndios
Apenas um estudo em Portugal (e na Europa) analisou o efeito que a disponibilidade de meios humanos e materiais de combate tem na propagação dos maiores incêndios (>2500 ha), considerando simultaneamente as condições meteorológicas e de combustível. Concluiu-se que:
- O aumento dos meios alocados a um incêndio tem um efeito moderado na redução da sua velocidade de expansão;
- no entanto, mais meios atribuídos a um incêndio têm um efeito reduzido na sua dimensão final, uma vez que a duração da propagação activa do incêndio não é influenciada pela quantidade de meios despachados;
- para reduzir a dimensão dos maiores incêndios urge explorar mais efectivamente as oportunidades (meteorológicas e outras) de contenção no sentido de reduzir a duração da propagação.
Referência:
Fernandes et al. (2016). The role of fire suppression force in limiting the spread of extremely large forest fires in Portugal. European Journal of Forest Research.
4. O efeito dos reacendimentos/reativações
A elevada percentagem de reacendimentos, muito evidente nos anos mais secos, constitui um problema crónico do sistema nacional de combate a incêndios. Em 2016, por exemplo, três dos maiores incêndios (Monchique, Mogadouro, Ribeira de Pena) resultaram de reacendimento. Tal como demonstrado no estudo abaixo referido, diminuir a % de reacendimentos reduziria substancialmente a duração dos fogos e por arrasto a dimensão dos fogos e a área ardida.
Referência:
Pacheco et al. (2013). Simulation analysis of the impact of ignitions, rekindles, and false alarms on forest fire suppression. Canadian Journal of Forest Research.
5. Inferências a partir de análises do regime de fogo e da dimensão dos grandes incêndios
Em Portugal o efeito da acumulação de combustível na probabilidade de arder varia pouco entre meteorologias “normal” e extrema, e entre fogos pequenos e grandes, sugerindo que o desempenho do combate a incêndios é pouco sensível às variações de comportamento do fogo que acompanham as variações na meteorologia.
Nos perímetros florestais do norte e centro de Portugal a carga de combustível tem vindo a decrescer como resultado dos incêndios recorrentes desde os anos 80, mas a área ardida não acompanha essa tendência de diminuição. Tal indica que as operações de combate não aproveitam a redução da intensidade do fogo associada à redução da carga de combustível.
Em Portugal a dimensão dos grandes incêndios (>100 hectares) é essencialmente dependente da continuidade do espaço florestal e dos padrões espaciais dos fogos anteriores. A influência das condições meteorológicas é comparativamente menor (e inferior ao que seria expectável) e o tipo de floresta é irrelevante para a dimensão dos grandes incêndios. Mais uma vez estes resultados apontam para o aproveitamento deficiente das oportunidades de controlo por parte das operações de combate.
Referências:
Fernandes et al. (2012). Fuel age, weather and burn probability in Portugal. International Journal of Wildland Fire.
Fernandes et al. (2014). The dynamics and drivers of fuel and fire in the Portuguese public forest. Journal of Environmental Management.
Fernandes et al. (2016). Bottom-up variables govern large-fire size in Portugal. Ecosystems.
6. E no entanto ...
O paradoxo da extinção de incêndios diz-nos que o facto da área ardida e frequência do fogo serem tão elevadas no norte e centro de Portugal constitui um factor que auxilia, ou deveria auxiliar, as operações de controlo de incêndios. Paisagens florestais contínuas, extensas e não perturbadas por incêndios de tamanho significativo são facilmente percorridas por grandes incêndios impelidos por condições meteorológicas extremas. Um estudo internacional comparativo que além de Portugal incluiu a Espanha e partes da Austrália, África do Sul, EUA e Canadá revelou que é no nosso país que a área ardida antecedente mais limita a área ardida futura. Tal sugere que reduzir o nº de ignições nas regiões do país mais vulneráveis ao fogo, por exemplo como consequência do abandono rural, poderá resultar em incêndios ainda maiores no futuro, o que é potenciado pelas características do sistema nacional de combate a incêndios. O esforço de gestão de combustíveis nunca terá a dimensão desejável pelo que deveria ser coadjuvado pela gestão dos fogos que ocorram em condições meteorológicas comparáveis àquelas em que é praticado o fogo controlado.
Referências:
Price et al. (2015). Global patterns in fire leverage: the response of annual area burnt to previous fire. International Journal of Wildland Fire.
Fernandes et al. (2016). Characteristics and drivers of extremely large wildfires in the western Mediterranean Basin. Journal of Geophysical Research: Biogeosciences.
Regos et al. (2014). Using unplanned fires to help suppressing future large fires in Mediterranean forests. PloS one."
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