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Eureka!

por henrique pereira dos santos, em 27.04.20

Desde que me comecei a interessar pelo assunto da epidemia em curso que estranho a quantidade de pessoas, especialmente das que têm formação em ciências biológicas e afins, das quais discordo na forma de lidar com este surto epidémico.

Um excelente artigo de João Pires da Cruz fez-me ver as coisas de forma mais clara e perceber melhor a raiz dessas divergências, de muito do medo instalado e do apoio generalizado à adopção de medidas não farmacêuticas que ofendem direitos fundamentais das pessoas, sem que exista evidência sólida da utilidade de cada uma delas.

Lavar as mãos, de longe a medida não farmacêutica sobre a qual existe maior consenso e evidência empírica da sua eficácia, quase não aparece nas discussões, quando comparada com a ideia maluca de que passear cães é uma justificação mais válida para os Estados deixarem pessoas sair de suas casas que passear crianças.

Finalmente percebi os dois pontos fundamentais em que assentam as diferentes abordagens do problema.

A primeira, muito evidente no artigo que citei acima, é o diferente valor que atribuímos ao facto do contágio da doença se fazer através de um processo em que o vírus não passa directamente de uma pessoa para outra, mas sim através de um período em que o vírus tem de estar no meio exterior, que lhe é hostil, entre infectante e hospedeiro.

Já tinha uma ideia de que a desvalorização deste passo justifica muitas divergências, mas só quando li o artigo percebi até que ponto condiciona a visão da coisa, ao ver que como este passo está totalmente ausente do artigo em causa, levando à conclusão de que só mexendo na forma como as pessoas se relacionam se pode lidar com a epidemia.

O segundo ponto fundamental só o consegui perceber bem hoje de manhã: para a esmagadora maioria das pessoas, a percepção é a de que a principal via de contágio da doença é o facto de duas pessoas partilharem o ar que respiram.

A verdade é que não parece ser assim, muito pelo contrário, excepto em circunstâncias especiais como o contexto hospitalar (mais precisamente, para citar directamente o que Organização Mundial de Saúde diz: "In the context of COVID-19, airborne transmission may be possible in specific circumstances and settings in which procedures or support treatments that generate aerosols are performed; i.e., endotracheal intubation, bronchoscopy, open suctioning, administration of nebulized treatment, manual ventilation before intubation, turning the patient to the prone position, disconnecting the patient from the ventilator, non-invasive positive-pressure ventilation, tracheostomy, and cardiopulmonary resuscitation").

O que parecem ser as vias mais importantes de contágio são outras: a proximidade em relação a quem, estando infectado, tosse, espirra ou fala em cima de outra pessoa e, sobretudo, acima de todas as outras (existe também bibliografia para outros coronas que dão indicações nesse sentido), o toque em superfícies previamente contaminadas, seguida do toque das mãos com a boca, olhos e nariz.

Mais uma vez, a Organização Mundial de Saúde: "People can catch COVID-19 from others who have the virus. The disease spreads primarily from person to person through small droplets from the nose or mouth, which are expelled when a person with COVID-19 coughs, sneezes, or speaks. These droplets are relatively heavy, do not travel far and quickly sink to the ground. People can catch COVID-19 if they breathe in these droplets from a person infected with the virus. This is why it is important to stay at least 1 metre (3 feet) away from others. These droplets can land on objects and surfaces around the person such as tables, doorknobs and handrails. People can become infected by touching these objects or surfaces, then touching their eyes, nose or mouth. This is why it is important to wash your hands regularly with soap and water or clean with alcohol-based hand rub).

A diferente consideração por estes dois factos (que há um passo desfavorável ao vírus entre infectante e hospedeiro e que a principal forma de contágio não é a partilha do ar que respiramos, mas o contacto com superfícies onde se depositam vírus) é a origem de formas diferentes de olharmos para a gestão da epidemia: a mim não me parece que seja o contacto directo a questão central e temos de nos concentrar em reduzir o risco do contacto com superfícies contaminadas, especialmente em espaços confinados, mas quem não atribui importância a estes dois factos e está mesmo convencido de que nos infectamos muito pela partilha do ar que respiramos, é natural que ache que o fundamental é não partilharmos o ar que respiramos.

E não admira a ferocidade das discussões das divergências: conceder ao Estado o direito de não nos permitir partilhar o ar que respiramos é uma experiência social radical, corrosiva para os fundamentos da nossa humanidade e da nossa vida em comum.


31 comentários

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De zazie a 28.04.2020 às 08:31

AAHAHAH


O meu problema é estar vacinada contra esta língua de pau à Deleuze-Guattari

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