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Um comentário no meu post em que, pela enésima vez, defendo uma política de pagamento directo da gestão de áreas florestais como forma de obter um resultado socialmente útil para a gestão do fogo, parece-me óptimo como resumo dos entraves à discussão dessa hipótese.
Comecemos pelo princípio: a proposta não surge do nada, surge como alternativa à política dominante, que tem conduzido ao aumento da despesa pública com prevenção e combate aos fogos florestais, portanto, quaisquer críticas sobre o seu custo, avaliação e fiscalização deveriam estar centradas na comparação com a situação existente em matéria de custo, avaliação e fiscalização, e não em abstracções genéricas como se hoje a política de gestão do fogo não fosse cara, ineficiente e opaca.
Infelizmente, apesar da radicalidade da crítica à proposta, não é nessa base que a proposta alternativa ao que existe é criticada, mas sim usando um modelo retórico corrente: tira-se uma conclusão, e depois logo se vê que argumentos de arranjam para a sustentar.
No caso, a conclusão aparece no fim, mas na verdade é o ponto de partida: "posso afiançar que os modelos marcianos não têm aplicabilidade terrena, a menos que se pretenda concluir que a realidade está errada".
Isso é muito claro na forma como se organiza a crítica, começando por redefinir a proposta, evitando discutir a proposta tal como ela é, discutindo-se antes uma interpretação da proposta cuja contestação é mais fácil.
"Ora eu (e outros), para me limparem terrenos pago cerca de 100 Euros por cada 1000 m2. Como 1 hectare corresponde a 10 000 m2, não me importo de pagar 150 Euros por hectare, mesmo que não receba os tais 100 Euros de subsídio".
O valor de referência aqui usado, de mil euros por hectare, é um valor realista para gestão de combustíveis moto-manual, com recurso a sapadores florestais, omitindo-se, no entanto, outros valores de referência, nomeadamente com recurso a fogo controlado ou pastoreio, valores que realisticamente poderemos admitir que sejam um quinto do valor de referência usado na contra-argumentação.
A deturpação central da proposta feita está aqui implícita, ao pretender-se que a proposta pretende espatifar dinheiro em gestão sem outro objectivo que não a gestão de combustíveis e o controlo do fogo para resolver os problemas dos proprietários.
Explicitamente, e por isso se estranha o esforço em contestar a proposta a partir de outro ponto de partida, a proposta feita pretende ser um incentivo às actividades que já hoje fazem gestão de combustíveis: produção de resina, pastoreio, caça, conservação da natureza, produção florestal, etc., ou seja, a proposta não pretende resolver o problema dos proprietários que querem gerir combustíveis nas suas propriedades sem esperar qualquer retorno dessa gestão.
O que se pretende é que os produtores de resina passem a ter um rendimento complementar, que os pastores passem a ter um rendimento complementar e por aí fora, tornando essas actividades mais atractivas, isto é, criando condições para que se expandam e, consequentemente, se expanda a gestão de combustíveis que já hoje fazem para exercer a sua actividade.
As respostas que agora vou dar à lista de argumentos que se andou a juntar para fundamentar a conclusão prévia devem ser lidas com esta base: não vou responder com base na proposta tal como descrita pelo comentador, vou responder com base na proposta, tal como a apresentei, sem a distorção fundamental usada pelo comentador.
"I) Como se vai fazer prova da limpeza do terreno?"
Declaração formal do interessado, apresentada directamente aos organismos do Estado responsáveis pela aplicação da proposta, ou intermediada pelas organizações florestais que estabeleçam acordo com o Estado para executar essa tarefa.
"II) Como se vai fiscalizar se a limpeza foi efectuada?"
Com deslocação ao terreno, por amostragem, que é exactamente o mecanismo de fiscalização de aplicação das ajudas na agricultura (e em muitos outros lados).
"III) Como se vai verificar se a área limpa corresponde à declarada?"
Ver resposta anterior
"IV) Como se vai processar o pagamento do subsídio?"
Da mesma forma que se fazem devoluções de retenção dos impostos, ou pagamentos de ajudas da política agrícola, por transferência bancária.
"V) Existe algum estudo sobre o assunto (semelhante a um estudo de mercado) em que se esclareça:
a) o universo potencial de área abrangida;
b) o universo potencial de proprietários abrangidos;
c) a percentagem estimada de aderência em termos de área e número de proprietários;
d) a percentagem estimada de aderência entre os proprietários que já limpam os terrenos e a correspondente área percentual;
e) a percentagem estimada de aderência entre os proprietários que não limpam os terrenos e a correspondente área percentual;
f) a área média dos terrenos referentes a d) e e);
g) a rentabilidade média anual dos terrenos referentes a d) e e)."
Não havendo qualquer indicação da utilidade desse estudo (que não existe para a política actual também), ainda assim procurarei responder a cada uma das alíneas.
a) O universo potencial é o país, dentro do país, as áreas florestais, separadas em 3 milhões de hectares de matos e 3 milhões de hectares de povoamentos florestais;
b) O universo potencial de proprietários abrangidos é a totalidade dos proprietários existentes no país;
c) É irrelevante saber qual será a percentagem de aderência dos proprietários (prever o futuro é uma actividade arriscada e, frequentemente, inútil), a proposta prevê um mecanismo de adaptação progressiva do valor do incentivo de maneira a que se a área a ser gerida for insuficiente, o valor do incentivo aumente, se for excessiva, diminua. O que se sabe é que cerca de 20% dos tais seis milhões de hectares deveriam ser sujeitos a operações de gestão de combustíveis de cinco em cinco anos, ou seja, dever-se-ia ter como primeiro objectivo gerir combustíveis anualmente em torno dos 200 mil hectares. Este objectivo deve ir sendo revisto em função da avaliação que for sendo feita da aplicação da medida, tendo como KPI a diferença entre área ardida (seria preferível usar os prejuízos causados pelo fogo, mas é bastante mais complexo) verificada e a estimada sem quaisquer medidas, para as condições meteorológicas verificadas no ano.
d), e) e f) Irrelevante, pelas razões explicadas no comentário anterior;
g) Irrelevante, esse é um assunto que diz respeito ao proprietário.
"VI) Relativamente ao destino a dar ao material combustível resultante da limpeza:
a) foi equacionada a sua entrega a centrais de bio-massa?
b) foram equacionadas as hipóteses de produção de briquettes de bio-massa, pirólise e produção de briquettes de carvão vegetal com aproveitamento do gás pobre resultante para alimentação de caldeira ou forno?
VII) Considerando a utilização de cabras sapadoras, quem toma conta delas?"
Questão completamente irrelevante para a proposta, são tudo matérias que dizem respeito ao proprietário, e que nem sequer se coloca, nas duas primeiras questões, se a gestão de combustíveis for feita com fogo ou com gado, por exemplo.
Espero que fiquem claras as razões pelas quais o assunto é politicamente impossível de tratar: a generalidade da sociedade não está interessada em discutir vantagens e desvantagens de qualquer soluções potencial, está muito mais interessada em demonstrar a sua superioridade intelectual.
E esta atitude é ainda mais marcada na tecnoestrutura que forçosamente tem de ser chamada a pronunciar-se sobre estas matéria, razão pela qual nada se resolve: a generalidade dos técnicos e dirigentes da administração pública estão-se completamente nas tintas para o que se passa no terreno, concentrando-se na gestão das suas carreiras.
O que, numa administração pública reaccionária e intelectualmente indigente, como a portuguesa, quer sobretudo dizer uma gestão ultra-prudencial do risco, isto é, "viver como habitualmente" e evitar, a todo o custo, qualquer inovação que possa pôr em causa as relações de poder existentes e consolidadas.
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